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ÍNDICE
Os Patriarcas
John Gifford Bellett
José
Parte 1
José torna-se o principal nas narrativas do livro de Gênesis assim que chegamos a Gênesis 37, e assim continua, posso dizer, até o fim. Portanto, proponho agora encerrar com este artigo sobre “José”, referindo-me aos outros, intitulados “Enoque”, “Noé”, “Abraão”, “Isaque” e “Jacó”, como já tendo sido lidos.
A história de José tem sua peculiaridade em meio às coisas de Gênesis – seu próprio mistério e sua moral característica; como as outras tiveram. A eleição, como vimos, foi ilustrada em Abraão; filiação, ou adoção do eleito, em Isaque; disciplina daquele que foi adotado em Jacó; e agora em José, a herança.
Tudo isso é uma ordem divina.
Sofrimento antes de glória
E, consistentemente com isso, em José temos sofrimentos antes de glórias, ou antes da herança do reino; tudo isso concretizando aquela palavra do apóstolo: “E, se nós somos filhos, somos, logo, herdeiros... se é certo que com Ele padecemos, para que também com Ele sejamos glorificados”.
Enquanto a disciplina nos acompanha como filhos, os sofrimentos nos precedem como herdeiros; e isso nos dá a distinção entre Jacó e José. É a disciplina que vemos em Jacó, disciplina que o conduz como uma criança, sob a mão do Pai do seu espírito, a uma participação na santidade de Deus. Porém são sofrimentos, sofrimentos dos mártires, sofrimentos pela justiça que vemos em José, marcando seu caminho para as glórias.
E este é o ponto culminante; e assim chega como o ponto final, neste maravilhoso Livro de Gênesis – dessa maneira perfeita em sua estrutura, tal como é verdadeira em seus registros. Uma moral após outra é estudada, um segredo após outro é revelado, nas ingênuas cenas familiares que constituem seus materiais; e nelas aprendemos a nossa vocação, as fontes e as questões da nossa história, desde a nossa eleição até à nossa herança.
Antes da Lei
Esta é a maneira que nosso aprendizado acontece neste livro de Gênesis.
Mas até agora, enquanto estamos neste livro, não existe lei. Somos ensinados que foi assim em Romanos 5:13-14. Mas poderíamos ter percebido isso por nós mesmos. Porque, na era dispensacional, por assim dizer, o tempo deste livro era o tempo da infância. Os eleitos eram como crianças que nunca haviam saído de casa, nunca estiveram sob a orientação de um professor.
Nem há milagre algum. Quero dizer nenhum milagre pela mão do homem. Pois o poder não seria mais adequado a essas mãos, do que a lei ou um professor teria sido adequado a essa época. E, além disso, não havia missão ou apostolado para selar. Milagres ou “sinais (que se) seguirão” não eram exigidos como credenciais de uma missão. Mas assim que deixamos este livro e entramos no Êxodo, recebemos uma missão ou um apostolado, e então recebemos milagres, como selos, para credenciá-la.
De modo que o que não obtemos é tão adequado, pela sua ausência, quanto o que obtemos. Nem o poder nem a lei teriam sido oportunos e, consequentemente, nem o poder nem a lei obtemos.
O esboço da vida de José
Mas agora passarei para José, ou para Gênesis 37-50.
Os materiais que encontramos nestes capítulos, e que constituem a história de José, podem ser separados em quatro partes:
Seus primeiros tempos na casa de seu pai, na terra de Canaã.
Sua vida, como homem separado, no Egito.
A recuperação de seus parentes, de seu pai e de seus irmãos, e os resultados de tal recuperação.
Seus últimos tempos na terra do Egito até o dia de sua morte.
Isso pode ser recebido como o conteúdo desta história maravilhosa. A forma como é contada foi testemunhada pelas empatias e sensibilidades de milhares de corações em cada geração.
Parte 1 – Vasos ocultos (Gn 37-38)
Assim que entramos na história, o herdeiro é imediatamente visto em José. Seus sonhos são sonhos de glória. Mas os sofrimentos rapidamente formam a sua realidade presente.
A história começa com José sendo uma testemunha tanto a favor quanto contra seus irmãos. Ele conta a seu pai sobre as más ações de seus irmãos e conta a seus irmãos sobre seus sonhos. Também não posso culpá-lo. Não digo até que ponto a natureza pode tê-lo manchado ao fazer essas coisas; mas creio que os próprios testemunhos estavam sob autoridade divina. Houve Alguém que era totalmente perfeito, como não preciso dizer, em tudo o que Ele fez ou disse, e Ele deu testemunho de Suas próprias glórias e contra o mundo. A falta de tempo oportuno e medida podem ter manchado esses serviços em José; pois algo fora de tempo e além de sua medida, embora correto em si mesmo, contrai contaminação. Um vaso na casa do mestre, às vezes, tem que esconder, bem como guardar, o tesouro que contém, e deve saber onde, quando e como usá-lo. Davi tinha o azeite de Samuel, a unção do Senhor, sobre ele, e ele sabia que o reino seria seu, mas ele ocultou sua glória até que Abigail, por fé, a reconheceu. E nisso Davi pode ter superado José. Não digo que não foi assim. Mas contar o que seus sonhos ou visões no Espírito lhe havia comunicado era de Deus.
Odiado
E mais tarde seus sofrimentos. O Senhor o marca como herdeiro de glória; ele fala da bondade que ele encontrou e do elevado propósito de Deus a respeito dele, e seus irmãos o odeiam. Eles o invejam; e quem pode resistir à inveja? Eles já haviam invejado o favor de seu pai e agora o odeiam por causa do favor de Deus. Eles o odeiam por suas palavras e por seus sonhos; e quando estão juntos no campo (como no passado, havia acontecido com Caim e Abel), eles deliberam se devem matá-lo, lançá-lo em uma cova ou vendê-lo a estranhos.
E isso foi numa época em que ele os servia. Ele percorreu um longo caminho para perguntar sobre o bem-estar deles, assumir o compromisso quanto a eles e levar-lhes bênçãos da casa de seu pai com o amor de seu pai. Esse momento foi a oportunidade deles. Não foi como portador de boas novas que o receberam; mas “eis lá vem o sonhador-mor”, dizem eles: “Este é o herdeiro” (Mt 21:38); esse foi o espírito de suas palavras. Por inveja eles o entregam; por seu amor eles são seus inimigos; e finalmente o venderam aos ismaelitas por vinte moedas de prata.
Pode haver diferentes medidas na inimizade comum; mas num grande sentido moral, todos eles constituem uma geração. Rúben era o primogênito de Jacó, e podemos supor que ele se considerava mais responsável perante o pai idoso pelo menino, do que qualquer um deles. Ele salva José da espada, e Judá propõe vendê-lo aos mercadores, em vez da cova. Depois de maneiras como essas, existem medidas na inimizade comum. Como alguns disseram sobre Jesus: “Ele é bom”. Outros: “Não, antes engana o povo”. Na parábola do “rei que celebrou as bodas de seu filho”, alguns foram para o campo e outros para seu negócio, enquanto outros se apoderaram dos servos e os mataram. Mas o Senhor fala de todos como de uma geração. “O restante deles” (JND), diz Ele, “apoderando-se dos servos... os mataram”. O Juiz de toda a Terra certamente fará o que é certo, e os pecados receberão muitos ou poucos açoites, mas o mundo expulsou Jesus, e o mundo é o mundo; como aqui, todos são irmãos culpados de José; e, como resultado de seus conselhos e de seu ódio comum, ele é vendido aos mercadores, e por eles é levado ao mercado do Egito, para ser posteriormente vendido lá num negócio lucrativo.
Profundezas da corrupção
É a crueldade de tudo isso que é especialmente chocante; e é isso que o profeta Amós, sob o Espírito Santo, nota tão solenemente em sua referência à aflição de José (Amós 6). E nós, embora neste dia distante, possamos tomar a nossa parte na repreensão do profeta por igual crueldade, se sentirmos inclinação a amar voluntariamente o mundo que expulsou o verdadeiro José. E o que precisamos dizer, quando olhamos para o avanço alardeado de tudo naquele mundo, a habilidade constante que é exercida em varrer e enfeitar aquela casa que está manchada com o sangue de Jesus? Os leitos de marfim, o som das violas, o vinho e os principais unguentos nunca foram tão abundantes como hoje em dia. E se estamos ocupados em viver em tal mundo, estaríamos sendo fiéis, como deveríamos ser, à cruz de Cristo? Temos um coração cruel, e vivemos em um mundo cruel, assim como estamos olhando para os cruéis irmãos de José aqui. Cada um sabe disso muito bem por si mesmo; e certamente, posso dizer novamente, é essa crueldade que é principalmente chocante para nós mesmos (se é que podemos falar pelos outros), como foi para o Espírito em Amós. Não estamos “afligidos pela aflição de José”, não somos fiéis à rejeição de Cristo. O mundanismo é crueldade para Ele.
Que profundidade há na corrupção que existe em nós! Como aqui, eles mergulharam a túnica favorecida, a túnica que o velho pai havia colocado em José, eles a mergulharam em sangue e a enviaram ao seu pai com estas palavras: “Temos achado esta túnica; conhece agora se esta será ou não a túnica de teu filho”. Esta é a linguagem de Caim: “Sou eu guardador do meu irmão?” Caim estava colocando o fardo do sangue de Abel sobre o Senhor, insinuando com essas palavras que o Senhor deveria ter sido o guardador de Abel, visto que Ele tinha tido tanto respeito por ele e por sua oferta. Portanto, essas palavras dos irmãos de José parecem colocar o fardo do sangue de José sobre o velho pai, que, se ele o amasse tanto quanto esta túnica parecia dizer que amava, ele deveria ter cuidado dele melhor do que esse sangue parecia dizer que ele teve.
Que profundezas, de fato, no coração revoltado e corrompido do homem! Que descobertas dessas profundezas a tentação faz às vezes! Eles pecaram, em tudo isso, contra seu velho pai e contra seu irmão inofensivo, numa época em que o amor de um havia aconselhado e o amor do outro havia assumido uma missão de graça e bênção para com eles; como se diz de uma geração que eles representam moral e figuradamente: “não agradam a Deus, e são contrários a todos os homens”.
Impiedade e graça
Ações sombrias, de fato! O sangue de José está sobre eles, procurem escondê-lo como puderem; e adiante deles está o dia em que seu pecado se descobrirá, e este sangue na túnica de José será um imediato testemunho contra eles. No momento, eles apenas prosperam em iniquidade para que possam encher sua medida. O curso da história de José é interrompido, para que possamos ter essa visão deles durante a separação de José deles. Gênesis 38 nos oferece isso. E é de fato apostasia, afastamento total do “caminho do Senhor”, no qual Abraão andou e no qual ele ordenou que seus filhos e sua família depois dele andassem. Judá age de forma traiçoeira, casando-se com a filha de Suá. O caminho do Senhor é totalmente desprezado e abandonado por Judá. Ainda assim, a graça é garantida aqui. Perez é um segundo suplantador. A esperança de Israel está no ventre, uma bênção está no cacho; mas na verdade é um cacho de videira selvagem que poderia muito bem ser condenada à foice, se a graça soberana e abundante não dissesse: “Não o destruais” (Is 65:8 – KJV; Mt 1:3).
E tal é o pecado da nação de Israel, como este, seu próprio pai Judá; e tal é a graça na qual a nação permanecerá nos últimos dias. A graça reinará então na história de Israel, como acontece agora na pessoa de cada santo, eleito no soberano beneplácito de Deus, e feito monumento do poder salvador de Cristo.
Podemos não estar preparados para esta graça de Deus em algumas de suas insuperáveis manifestações. Podemos estar menos preparados para isso do que pensamos. Jonas não estava, Ananias não estava, Pedro não estava (Jonas 4; Atos 9-10).
Nem sempre somos pesadores experientes e habilidosos no uso das balanças, dos pesos e medidas do santuário. Eu pergunto: A crueldade de Gênesis 37 e a contaminação de Gênesis 38, e elas, quando encontradas juntas, são tão ruins assim? Depois de tudo isso estamos preparados para o “arrependimento e remissão dos pecados” na graça de Deus? O senso moral, a consciência natural, a justiça própria, as leis da sociedade e os julgamentos dos homens nos fornecem pesos e medidas falsos, e nós os carregamos conosco mais do que percebemos. Mas eles são uma abominação (Dt 25:14-16). Em nossos pensamentos, o caminho da prostituta e do publicano é pior do que o curso tranquilo e respeitável do mundo. Se tivéssemos as balanças do santuário, deveríamos avaliar as coisas de outra forma. “O que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação”.
Parte 2 – Sofrendo com estranhos (Gn 39-41)
Nestes capítulos, que nos dão a segunda parte, de acordo com a nossa divisão, temos a vida de José enquanto ele era um homem separado na terra do Egito.
Durante este tempo veremos o início do seu dia, ou a sua exaltação. Mas antes que isso aconteça, devemos testemunhar seus sofrimentos adicionais – seus sofrimentos nas mãos de estranhos.
Podemos, com certa naturalidade, pensar que o Judeu é especialmente culpado, no que diz respeito à história moral deste mundo – especialmente responsável pelo pecado contra o Senhor. Mas nisso não somos totalmente sábios. O Judeu teve, de fato, uma participação especial nas aflições de Cristo; e, a nível nacional, Israel está sob julgamento especial. Mas o gentio é um homem distinto e não diferente. O ministério de nosso Senhor Jesus testou “o mundo”, bem como “o que era Seu”. O registro referente à cruz é este: “verdadeiramente, contra o Teu santo Filho Jesus, que Tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel” (Atos 4). Todos eram culpados ali. Como diz o apóstolo dos gentios, em sua doutrina, o mundo inteiro tornou-se culpado diante de Deus. Judeus e gentios são igualmente provados estar sob o pecado (Romanos 3).
Nossos capítulos atuais sugerem isso. A aflição de José, iniciada entre seus irmãos, continua agora entre estranhos. Seus irmãos já o odiaram e o colocaram na cova, e depois o levaram para vendê-lo como escravo; uma mulher má dos egípcios agora o acusa falsamente, e ele é colocado na prisão, e então outro egípcio, a quem ele serviu e fez amizade, esquece-o e o abandona. Mas, seja como for com ele, seja em casa ou no exterior, Deus está com ele. Isto se torna a própria característica de sua história (Gn 39; At 7). Pois, em Seu caminho para com Seus eleitos, a empatia de Deus vem primeiro, e depois Seu poder, a empatia que os acompanha em sua tristeza, e então o poder que os livra dela. Somos propensos a desejar a facilidade atual e gostaríamos de eliminar imediatamente todas as inconveniências e contradições. Mas este não é o Seu caminho. Quando em Betânia “Jesus chorou”; e depois, mas só depois disso, Ele disse: “Lázaro, vem para fora”. A natureza teria se antecipado à morte que provocou as lágrimas. Julgamos que poderíamos ter sido poupados de muitas provações e raciocinamos como uma conclusão clara e inquestionável de que Deus tinha poder. Como disseram os amigos da família em Betânia: Não poderia este Homem, que abriu os olhos aos cegos, ter feito com que mesmo este homem não morresse? Mas eles raciocinaram de maneira imperfeita, porque raciocinaram parcialmente; isto é, apenas no poder de Cristo.
Deus é suficiente
Devemos (e deveríamos se tivéssemos nosso coração em Cristo) valorizar principalmente a época ou dispensação de Sua empatia; ela nos dá Ele mesmo a nós de uma maneira tão peculiar. E essa empatia era eminentemente a de José, neste dia de sua aflição. Como dissemos, “o Senhor estava com José” era característico de sua condição. E ele tinha evidências abundantes disso. Assim que ele entrou na casa de Potifar, tudo que estava sob suas mãos, confiado a ele por seu senhor, prospera. E a mudança de cenário não provoca nenhuma mudança nisso; pois assim que ele é colocado na prisão, vemos ao seu redor o mesmo registro que lemos sobre ele e as mesmas circunstâncias. O carcereiro-mor deposita nele a mesma confiança que Potifar, seu senhor, depositara nele; e sob a sua mão todas as coisas prosperam na prisão, como aconteceram na casa do egípcio. A tal ponto que José tinha pleno testemunho de Deus, de que Deus era suficiente para ele.
Não era para alguém assim deixar a ajuda do Senhor pela ajuda da criatura. Mas José anseia pela lembrança e pela empatia do copeiro, e gostaria que ele falasse bem dele ao rei, seu senhor.
Isso era natural. José fez amizade com o copeiro do rei, e esse era capaz de falar bem dele. Seu anseio por empatia não deve ser condenado por nenhum motivo natural, humano ou mesmo moral. Mas pode-se questionar se foi digno de José fazer isso, se foi exatamente o caminho que a fé teria sugerido.
E não dá em nada. O copeiro, como sabemos, esquece-o e ele fica dois longos anos na prisão, e Deus ainda será tudo para ele. A ajuda virá, mas virá d’Ele mesmo. Com o Senhor, a aflição da noite certamente dará lugar à alegria da manhã; e antes que este período de separação de seus irmãos chegue ao fim, José é libertado, abençoado e honrado. Torna-se o momento do florescimento de suas glórias.
Excelência em José
De fato, coisas excelentes são encontradas na condição do José separado, coisas que levam nossos pensamentos Àquele que é maior que José. Eu apenas observaria quatro delas.
Há nele uma grande beleza moral. Ele era então um nazireu, tão puro quanto Daniel em circunstâncias semelhantes, um cativo entre os incircuncisos, mantendo sua circuncisão, sua separação para Deus, imaculada.
Há nele um dom espiritual precioso. Ele era um vaso na casa de Deus, levando a mente de Cristo e ministrando essa mente como um oráculo de Deus; como Daniel novamente, interpretando sonhos e revelando até mesmo aos reis, embora ainda em seu dia de humilhação, o que estava por vir sobre a Terra.
Há a mão direita de poder e dignidade para ele. Ele está assentado o mais próximo do trono e recebe a posse daqueles recursos dos quais seus próprios irmãos, que o expulsaram, e o mundo inteiro, estão destinados em breve a depender para preservação na Terra.
Há gozo, gozo peculiar, preparado para ele. O rei lhe faz um casamento, e ele se torna cabeça da família entre os gentios; e isso é uma fonte de tanto gozo para ele, que ele pode, em certo sentido, como os nomes de seus filhos nos dizem, esquecer seus parentes e até mesmo se regozijar com sua aflição.
Certamente estas são coisas excelentes encontradas na condição de José enquanto estava separado de seus irmãos. E nelas vemos o próprio Senhor neste tempo presente, o tempo de Sua separação de Israel. Uma criança poderia traçar a semelhança; mas Ele, que Se revela aos bebês e às crianças de peito, abriu nosso entendimento nisso. Na maravilhosa palavra de Estêvão, em Atos 7, vemos José e outros em lugares e circunstâncias semelhantes às do Senhor, que é chamado de o “Justo”. E isso é tão cheio de interesse que, embora seja apenas incidental, devemos nos afastar um pouco e ouvir aquela grande voz do Espírito de Deus.
História de Estêvão
Estêvão aparece apenas por um momento no curso da história divina; mas é para ocupar um lugar muito eminente e distinto. A ocasião em que ele é visto e em que age é cheia de significado. A inimizade judaica estava novamente realizando seus atos sombrios, e o Deus da glória estava novamente revelando Seus propósitos mais brilhantes.
Estêvão é outra testemunha da passagem do Senhor da Terra para o céu, deixando a Terra por um período em sua incredulidade e apostasia, e chamando um povo para os lugares celestiais.
O tempo de Estevão foi uma outra separação. O de Abraão foi assim, e o de José também, e o de Moisés, e o do “Justo”, Jesus. A ocasião da separação de parentes para estrangeiros (ou seja, da Terra para o céu) pode ser diferente, mas é igualmente uma separação. Abraão foi separado porque Deus estava deixando um mundo contaminado sem julgamento; e numa contaminação não julgada Deus não pode fazer Sua habitação, nem permitir que ela seja a habitação de Seus eleitos. O mundo depois do dilúvio se contaminou, e o Senhor o estava deixando em sua contaminação, não o purificando por um segundo dilúvio; e, portanto, Ele mesmo Se torna um estrangeiro nele e chama Seus eleitos para fora dele com Ele. Desta forma, Abraão é um homem separado. José em sua época era outro; separado de casa e parentes, como Abraão; e assim também Moisés. Mas José e Moisés não foram separados como Abraão, simplesmente pelo chamado de Deus para sair da contaminação sem julgamento, mas pela inimizade e perseguições de seus irmãos. E assim Jesus, “os Seus”, e o mundo feito por Ele O rejeitaram e não O conheceram. Mãos iníquas O mataram, e os céus O receberam. E assim, Estêvão também.
Estêvão está em companhia destes separados – Abraão, José, Moisés e “o Justo”. E ele é naturalmente dirigido pelo Espírito para percorrer suas histórias neste capítulo maravilhoso. E esses separados, em diferentes épocas ou intervalos, no progresso do caminho de Deus na Terra, demarcaram ou prefiguraram Seus propósitos mais elevados ou mais ricos em relação ao céu. Porque os seus tempos, como falamos, eram de transição.
O tempo de Estevão era assim. Até aos seus dias, a cena dos “Atos dos Apóstolos” é colocada na Terra. Em Atos 1, o Senhor ressuscitado falou aos Seus apóstolos sobre “o reino de Deus”. No mesmo capítulo, os anjos desviaram os olhos dos homens da Galileia, como chamam os discípulos, que olhavam para o céu, para olharem a promessa de que Jesus retornaria à Terra. Quando o Espírito Santo é dado em Seu batismo, como em Atos 2, é das coisas da Terra que os apóstolos falam. Eles testificam que Jesus deveria assentar-Se à direita de Deus no céu, até que Seus inimigos na Terra fossem postos por escabelo de Seus pés. Eles então pregam que, havendo o arrependimento de Israel, Jesus retornaria à Terra com tempos de refrigério e restauração, e que Ele foi exaltado para dar arrependimento e remissão de pecados a Israel. Israel é o povo, e a Terra o cenário, contemplados na ação ou testemunho do Espírito nos apóstolos nestes primeiros capítulos.
Mas a inimizade judaica novamente toma o seu caminho, como já havia acontecido em muitos outros dias, desde o início; e a graça divina também segue seu caminho, como também havia acontecido em outros dias. E Estevão, sob o Espírito de Deus, toma esse momento como seu texto. Ele olha para trás, para o caminho da nação, incircuncisa, de coração e de ouvido, resistindo ao Senhor em um ou outro de Seus testemunhos; e ele também olha para trás, para o caminho do Deus da glória, chamando para uma bênção nova e peculiar aqueles que a poluição terrena ou a inimizade judaica estavam separando ou expulsando.
Desta forma, a sua própria condição naquele momento era o seu texto, tal como a condição das coisas no capítulo 2 tinha sido o texto de Pedro. Pedro pregou sobre o dom de línguas; Estêvão, como posso dizer, por seu próprio rosto então brilhando como o rosto de um anjo, e pela inimizade dos Judeus que o pressionava e ameaçava. O Espírito em Estêvão ocupa o momento. Foi um momento de transição. Foi a hora do rosto brilhante e das pedras mortais, da inimizade da Terra e das descobertas ainda mais brilhantes e ricas da graça que chamam ao céu. E Estêvão relembra outras histórias, histórias de outros eleitos, que já haviam preenchido momentos semelhantes no caminho de Deus. Pois as pessoas da Terra agora estão resistindo a Deus na pessoa de Estevão, como O resistiram em outros. Como ele lhes diz, eles sempre resistiram ao Espírito Santo; os filhos e os pais eram iguais nisso, em todas as gerações da nação.
Portanto, em Estêvão somos chamados a testemunhar outro grande momento de transição. É um tal momento no livro de Atos, como o de José no livro de Gênesis. Isto liga Estêvão e José, e dá ocasião natural ao Espírito Santo em Estêvão para fazer referência, como Ele faz, a José. Mas se a Terra está recusando um lugar a Estêvão, como seus irmãos recusaram a José um lugar na Terra de seus pais, o céu se abrirá para Estêvão. A graça em Deus estará ativa assim como a inimizade no homem está ativa – e do comedor sairá comida. E o céu, portanto, se abre em Atos 7. Um raio sai de lá e cai suavemente, mas brilhantemente, sobre o rosto de Estêvão, enquanto o povo da Terra o expulsava. E assim selado do céu e para o céu, ele fala do céu, e o próprio céu se abre para ele, e então o próprio Espírito Santo guia seus olhos diretamente para o céu, e então seu espírito é recebido do Senhor Jesus no céu. Tudo é céu. Estêvão recebe primeiramente a garantia ou o penhor disso, depois a visão disso em suas glórias plenamente manifestadas e, então, seu lugar ali com Jesus.
Nada pode exceder, ainda no corpo, o brilho de tal momento. Foi a transfiguração do livro dos Atos dos Apóstolos. Estava além da medida da Betel do patriarca; pois aqui o topo da escada foi revelado, e Estevão foi ensinado a conhecer seu lugar para estar ali com o Senhor, e não simplesmente ao pé dela com Jacó. O momento foi de transição, o que não foi no tempo de Gênesis 28. Teve sua previsão antes de o rejeitado e proscrito José encontrar suas alegrias mais ricas e honras mais brilhantes entre os distantes gentios no Egito. Ou melhor, se quisermos, a história de José e a história de Estêvão são, cada uma delas em sua época e de maneira diferente, o prenúncio e o penhor daquela glória e herança no céu para a qual a Igreja, a eleição desta época, está chamada.
Simples e necessariamente, portanto, José e Estêvão estão ligados entre si, como encontramos em Atos 7. Cada um deles preencheu o mesmo lugar de transição – de fato mais vividamente marcado em Estêvão, e de forma adequada – mas cada um deles o preencheu. Tudo era novo e celestial, como vimos, com Estêvão. Não é para baixo, mas para cima que ele é ordenado a olhar. Os anjos disseram aos homens da Galileia em Atos 1 para tirarem os olhos do céu; o próprio Espírito ordenou a Estêvão, em Atos 7, que dirigisse seus olhos diretamente para o céu. A glória do terrenal era uma, a glória do celestial agora é outra. Mesmo o dom de línguas não havia prometido o céu aos discípulos em Atos 2. Não houve transfiguração então, nenhum rosto brilhando como o rosto de um anjo. O Espírito Santo estava sobre a assembleia em Jerusalém, mas a própria assembleia não estava à vista do céu como seu lar e herança. Mas Estevão estava nas fronteiras dos dois mundos. Seu corpo foi vítima da inimizade do mundo dos homens, seu espírito estava prestes a ser recebido em meio às glórias do mundo de Cristo. Ele foi rejeitado por seus irmãos, aceito por Deus. Tudo foi transitório – e ele olha apropriadamente para José e Moisés, que estiveram em tal lugar antes dele.
Inspiração e “Exemplo”
E aqui deixe-me dizer, sugerido por esta alusão a José e outros em Atos 7, que não devemos ficar surpresos com este caráter figurado ou parabólico das histórias do Velho Testamento. Muito pelo contrário, deveríamos estar totalmente preparados para isso; e isso também, segundo um princípio muito simples. Deus, agindo nessas histórias (falamos para Seu louvor), age nelas (certamente) de acordo com Ele mesmo e com Seus conselhos. E, consequentemente, essas histórias tornam-se muitas revelações de Si mesmo e dos propósitos que Ele está realizando.
A garantia da inspiração da narrativa não nos mostra, consequentemente, Deus na narrativa no sentido pleno,. Há propósito e também veracidade nisso – há um “exemplo” e também uma inspiração. “Ora, tudo isso lhes sobreveio como figuras [exemplos – ARA]”. Eles aconteceram como estão registrados. Há verdade histórica neles. Mas Deus os fez acontecer, para que pudessem ser “exemplos”; e até que encontremos este exemplo, isto é, o propósito divino na história, não teremos visto Deus nele. Devemos recorrer a essas narrativas, sejam de José ou de qualquer outro, com a mesma mente com que o Profeta teve que ir à casa do oleiro (Jr 18). Ele iria ver um verdadeiro trabalho ali; vasos feitos pela mão e habilidade do trabalhador.
Mas houve uma lição no trabalho, bem como uma realidade. Havia uma parábola nisso; pois o profeta tinha que ver o próprio Deus à roda, assim como o oleiro. Então, nessas histórias que encontramos na Escritura, há realidade nelas, veracidade exata, tal como a inspiração assegura. Mas também há significado; e até descobrirmos isso e aprendermos sobre Deus e Seu propósito na história, ainda não descemos realmente à casa do oleiro.
Mas isso é apenas a propósito, sugerido pelo uso que o próprio Espírito, por meio de Estêvão, faz das histórias de Abraão, José e Moisés, no Velho Testamento, naquele capítulo maravilhoso de Atos 7.
Parte 3 - José como em Ressurreição (Gn 42-57)
Chegamos agora a José ganhando novamente seu pai e seus irmãos, e suas consequências.
Entre as coisas que deram caráter a José e suas circunstâncias, enquanto ele estava separado de seus irmãos, observamos que ele foi colocado em possessão daqueles recursos dos quais seus próprios irmãos e todo o mundo dependeriam para sua preservação na Terra. Chegou o momento certo para o mundo recorrer a estes recursos; e com isso, o tempo determinado para a restauração de José aos seus irmãos.
José está agora em autoridade. Seu dia de humilhação e tristeza acabou. Ele está à direita do trono do Egito e é o grande executor de todo governo e poder na terra. Ninguém pode levantar a mão ou o pé sem ele. Ele recebeu o anel do rei e anda no segundo carro. Ele é o tesoureiro e dispensador de toda a riqueza da nação, aquele que abriu ou fechou todos os seus depósitos a seu gosto. Aquele que estava na cova está no trono.
Este é José como em ressurreição. Eu digo como em ressurreição, pois a coisa em si – a ressurreição dentre os mortos – teve que esperar pelo dia do Filho do Deus vivo, que deveria estar, em Sua própria Pessoa, vivo dentre os mortos. Mas embora não pudéssemos ter “a imagem exata” deste grande mistério, ainda assim temos “sombras” dela, tanto em certas ordenanças da lei, como em certas histórias dos eleitos. As aves mortas e vivas de Levítico 14, e os dois bodes de Levítico 16, estão entre essas ordenanças; e cenas históricas como a libertação de Isaque do altar no Monte Moriá, ou a libertação de Jonas do ventre da baleia, apresentam o mesmo. E o mesmo acontece nesta época da história de José, sendo o dia de seu poder e autoridade no Egito, depois de seus graves problemas na cova e na prisão. É José como em ressurreição.
O Espírito de Deus, em Gênesis 49, usando Jacó como Seu oráculo, olha para José nesta condição e o celebra em conformidade com isso. “José é um ramo frutífero, ramo frutífero junto à fonte; seus ramos correm sobre o muro. Os flecheiros lhe deram amargura, e o flecharam, e o aborreceram [odiaram – JND]. O seu arco, porém, susteve-se no forte, e os braços de suas mãos foram fortalecidos pelas mãos do Valente de Jacó”. E tendo falado isso de José, o Espírito usa-o como figura de um Maior que José; pois Jacó acrescenta: “de onde é o Pastor, a Pedra de Israel”. Temos Cristo em José. O Cristo ressuscitado é visto aqui como uma figura. Todo o poder está agora n’Ele, no céu e na Terra.
Ele está assentado à direita da Majestade nas alturas. O Seu direito aos recursos da criação é certo, selado pela dignidade do lugar que Ele agora ocupa. E os recursos que Ele agora possui, em breve Ele usará para Israel e para toda a Terra, segundo o padrão deste mistério de José. Isso estamos prestes a ver.
O amolecimento dos corações
A fome começa, e a abertura dos armazéns de José começa, no final de Gênesis 41. Mas o cenário muda então por um período; e a história do arrependimento e aceitação dos irmãos é contada, como uma espécie de episódio. Mas há uma beleza maravilhosa nisso. Porque a restauração de todas as coisas espera, como sabemos, pelo arrependimento e plenitude de Israel, para que esta introdução do novo assunto, na forma de um episódio, em Gênesis 42-46, seja cheia de beleza e significado; e a cena no Egito, e a abertura total dos depósitos de José para aquela terra e toda a Terra, são retomadas no devido tempo depois, em Gênesis 47. Pois, “qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos?” pergunta o apóstolo, traçando, sob o Espírito, a história de Israel (Rm 11). “se a sua queda (de Israel) é a riqueza do mundo, e a sua diminuição, a riqueza dos gentios, quanto mais a sua plenitude!” Para que estejamos preparados para esse arrependimento dos irmãos que precede a plena bênção da Terra.
Durante esta operação, este processo de amolecimento do coração de seus irmãos sob a mão de José, seria impossível não me demorar algum tempo nela. Devo, portanto, fazê-lo. Nosso próprio coração precisaria de algo, se não estivermos atentos a esta cena, para admirá-la e apreciá-la, e ser gratos por ela; tão repleta dos mais requintados toques de verdadeira afeição, tão profunda na revelação dos princípios morais de nossa natureza, e tão importante na visão que nos dá da obra de Deus por Seu Espírito guiando os pecadores, por meio da convicção e da percepção de seu estado de ruína, ao arrependimento e à novidade de vida.
A cena dessa maestria de Deus se passa em um período de necessidade e tristeza, como é comum nos caminhos do Deus de toda graça. Pois Ele não recusa ser procurado por nós, quando não temos ajuda para isso. Foi assim com o pródigo; é assim com os irmãos de José; e não tenho dúvidas de que, em breve, será assim com uma boa parte daqueles que louvarão Seu nome em glória para sempre. O pródigo não teve ajuda para voltar para seu pai e para a casa de seu pai ele deve ir. Os irmãos de José não têm ajuda para isso agora, e eles devem ir ao Egito e aos armazéns do Egito. Pode ser miserável, pode ser vil, no coração do homem se voltar para Deus dessa maneira, quando todo o resto tiver acabado. Mas o Senhor será encontrado por este coração vil e egoísta. Ele condescenderá em entrar, como alguém diz, por essas desprezadas portas da natureza. Durante vinte longos anos, os irmãos de José viveram de maneira fácil e próspera, com bens acumulados e bênçãos abundantes ao seu redor, e José e suas aflições foram todas esquecidas. Por um tempo, o pródigo teve seu dinheiro, a parte dos bens de seu pai que lhe cabia; e com seu dinheiro, enquanto durou, ele teve seu prazer, de costas para seu pai. Mas a fome atinge “a terra longínqua” e “a terra de Canaã”, e então, quer queiram ou não, a casa do pai e os suprimentos de José devem ser procurados (Veja Oseias 5:15).
José trabalha para o arrependimento
Então a cena começa, e os irmãos de José descem ao Egito para comprar comida.
Assim que José os viu, ele os reconheceu. Ele “lembrou-se dos sonhos que havia sonhado deles”. Mas com isso ele imediatamente se dedicou à tarefa de restaurar a alma deles. (Veja Gênesis 42:9).
Estranho, mas mesmo assim maravilhoso e excelente! Seus sonhos apenas o exaltaram acima deles. Se ele tivesse procurado, portanto, simplesmente realizar esses sonhos quando os lembrava dessa maneira, ele poderia imediatamente ter se revelado, e, como o molho [feixe – ARA] favorecido no campo, ou como o Sol, o Sol dominante nos céus, e teria seus irmãos prostrados diante dele. Mas restaurar a alma deles, em vez de exaltar-se, torna-se imediatamente seu propósito. Este foi o conselho que ele tomou em seu coração, ao contemplar o momento em que poderia ter percebido sua própria grandeza e a humilhação deles, de acordo com seus sonhos. Quão verdadeiramente excelente e abençoado é isso! Houve Alguém, nos dias posteriores, que, quando tomou conhecimento de que tinha vindo de Deus e ido para Deus, e que o Pai havia colocado todas as coisas em Suas mãos, levantou-Se e cingiu-Se, e começou a lavar os pés de Seus discípulos. O conhecimento de Suas dignidades apenas O levou a atender às necessidades de Seus santos. Quem pode falar sobre o caráter de tal momento? Mas José aqui, ao longe, me lembra disso. “José lembrou-se dos sonhos que havia sonhado”, sonhos que o exaltavam, e apenas isso; e ainda assim ele se volta imediatamente para os pés contaminados, os corações culpados, as consciências impuras de seus irmãos, para que ele possa curá-los, lavá-los e restaurá-los.
Estranho, novamente eu digo. Não houve conexão entre tal lembrança e tal ação, a não ser que a graça, a graça divina, da qual José foi a testemunha, seja conhecida; a não ser que Jesus de João 13 seja entendido.
Despertando a consciência
“Então, José lembrou-se dos sonhos que havia sonhado deles e disse-lhes: Vós sois espias e viestes para ver a nudez da terra”. Isso os levou à boa obra (embora o processo seja humilhante e doloroso) de restaurar a alma deles. A consciência deve ser tratada fielmente, se algo tiver que ser feito. E José visa isso imediatamente. Ele se torna estranho para eles. Ele fala com eles por meio de um intérprete e fala rudemente. Ele precisa colocar a consciência deles em ação, deixando que isso custe o que custar em termos de sentimentos pessoais. Seu amor, no presente, deve ser firme; sua hora de amolecimento e ternura está no futuro. Será satisfeito em breve; deve servir agora. No dia do seu pecado, seus irmãos disseram dele: “eis lá vem o sonhador-mor”; e agora, no dia de sua convicção, José diz deles: “vós sois espias e viestes para ver a nudez da terra”. Certa vez, eles venderam o irmão, quando seu coração não conhecia piedade; agora, com todo o direito de preferência que não conhecia reservas, um deles é levado e preso. Mas tudo isso foi apenas, no propósito da graça, para fixar a flecha bem fundo na consciência, para ali gastar seu veneno e ali para estabelecer a sentença de morte. E isso está feito. Quando Deus age, o poder do Espírito aguarda o conselho do amor. “Se estão presos em grilhões e amarrados com cordas de aflição, então, lhes faz saber a obra deles e as suas transgressões” (Jó 36). “Na verdade, somos culpados acerca de nosso irmão”, dizem todos com uma só consciência, “pois vimos a angústia de sua alma, quando nos rogava; nós, porém, não ouvimos; por isso, vem sobre nós esta angústia”.
Isso era alguma coisa; foi muito; mas José ainda precisa continuar o serviço do amor. Se ele tivesse consultado seu nome a princípio, ao se lembrar de seus sonhos, ele teria se revelado imediatamente e se destacado como o honrado no meio de seus confusos e humildes irmãos. Se ele tivesse consultado seu coração, ele teria se revelado e ficado satisfeito no seio de seus irmãos convictos e tristes. Mas ele não consultou nem um nem outro. O amor estava servindo; e o lavrador da alma tem, às vezes, como o lavrador da terra, necessidade de “longa paciência” (KJV) e tem que esperar pelas primeiras, assim como pelas ultimas chuvas.
Coração de um irmão
Isto foi feliz e promissor, porque foi um verdadeiro começo. Mas José ainda tinha que saber se o coração de filhos e de irmãos estava neles, ou se eles ainda eram, como antes, indiferentes ao clamor de um irmão e à dor de um pai. Ele, portanto, ainda os exercita. Aspereza e bondade, encorajamento e sustos, desafios e banquetes, favores e reprovações, todos são usados e feitos para funcionarem juntos. Embora, na verdade, tudo seja muito semelhante na avaliação de uma consciência culpada. Jesus é João Batista ressuscitado dos mortos nas apreensões disso. Uma folha movida é um exército armado na sua presença. Bondade e aspereza assustam igualmente. Eles estão com medo porque são levados à casa de José. Eles temem onde não existe temor. Mas tudo está operando arrependimento, do qual não se arrepende; e o fruto adequado disso logo será produzido.
José traça um plano para testar completamente se de fato havia neles um coração de filho e um coração de irmão.
Enquanto se preparavam pela segunda vez para regressar a Canaã com alimentos para eles e para as suas famílias, o copo de José é colocado no saco de Benjamim – como todos sabemos, pois é uma história favorita – e eles partem em sua viagem. Mas isto, por mais simples que pareça, é o momento decisivo. Seus próprios lábios terão agora de pronunciar o veredicto; pois a questão está agora para ser estabelecida: se eles são como eram antes, ou se um coração de carne lhes foi dado. Será que as aflições de Benjamim os comoverão, como os gritos de José uma vez não conseguiram fazer? Será que a dor do pai idoso em casa suplicará ao coração deles, como antes não aconteceu? Este lugar, este momento, era novamente o campo de Dotã. Eles estavam retornando, em espírito, ao local onde toda a sua ofensa foi cometida. No campo de Dotã, em Gênesis 37, eles tiveram que dizer: Sacrificariam seu inocente irmão José às suas concupiscências, à sua inveja e à sua maldade? Aqui, quando Benjamim é reivindicado como cativo por causa do copo encontrado em seu saco – reivindicado como alguém que perdeu a vida e a liberdade para o senhor do Egito – é da mesma maneira solicitado a eles que digam se o sacrificariam, e voltam para casa, tranquilos, descuidados e satisfeitos.
Nada pode superar a habilidade da sabedoria de José em trazer seus irmãos de volta dessa forma, moralmente e em espírito, para o campo em Dotã. A mesma questão é levantada aqui como foi ali, e apresentada a eles solenemente. Judá, aquele a quem seus irmãos louvarão, dá a resposta a esta pergunta. Eles eram inocentes, de fato, com respeito ao copo. Mas isso não é nada para suas consciências e nada para os lábios de Judá. A convicção perde tudo de vista, exceto o pecado. Sua ofensa é seu objeto. “As minhas transgressões eu as reconheço; E o meu pecado está sempre diante de mim” (TB). Os irmãos poderiam ter falado de sua inocência e ficado um tanto magoados por terem sido repetidas vezes sido mal interpretados e acusados falsamente dessa maneira. Eles haviam sido chamados de espiões quando eram homens de verdade, e agora eram tratados como ladrões comuns, embora fossem homens honestos. Eles poderiam ter dito que isso era muito ruim. Eles podiam suportar muitas palavras injuriosas e duras, mas serem tratados dessa maneira era algo demais para a carne e o sangue suportarem. Mas não – nada disso – estes não eram os irmãos de José agora. Eles antes esconderam sua culpa sob a mentira que enviaram ao pai, agora estão dispostos a esconder sua inocência ao tocar o copo sob a confissão que fizeram a José. Judá se levanta para representar essa nova mente neles. Eles eram realmente inocentes em todos esses assuntos, do início ao fim; nem espiões nem ladrões – mas há cerca de vinte anos eles eram culpados daquilo que este estranho no Egito (como eles devem ter suposto) nada sabia, mas que Deus e suas consciências sabiam. Eles podem ser inocentes agora, mas eram culpados naquela época; e seu pecado, e somente seu pecado, estava agora diante deles. Confissão, e não justificação, é a sua linguagem. “Que falaremos?” diz Judá. “e como nos justificaremos? Achou Deus a iniquidade de teus servos”.
José por um momento finge que tudo isso não significava nada para ele. Isso pode ser problema deles, se quiserem, mas Benjamin era dele. Benjamim é o culpado, no que diz respeito ao grande homem do Egito; ele deve permanecer, e os demais podem voltar para casa o mais rápido que desejarem. “o varão em cuja mão o copo foi achado, aquele será meu servo; porém vós subi em paz para vosso pai”.
Sabedoria de Deus
O que poderia exceder isso? Eu pergunto. A sabedoria de Salomão em resolver a questão entre as duas prostitutas excedeu isso? Ele, com um espírito de julgamento condizente com alguém que ocupava o lugar de julgamento, descobriu o coração de uma mãe? E José aqui, com a mesma sabedoria vinda de Deus, não descobre o coração de seus irmãos? Está tudo além da admiração. O coração está realmente aberto. Depois destas palavras de José, Judá se aproxima e, com as entranhas de um filho e de um irmão, roga por Jacó e por Benjamim. “O moço” e “o velho” são o peso das suas palavras, pois agora eram a plenitude do seu coração. Ele permanecerá como escravo de seu senhor, apenas deixe “o moço” voltar para “seu pai”. Deixe apenas o coração do pai ser consolado, e a inocência de Benjamin o preserve, e Judá ficará agradecido, aconteça o que acontecer.
Isso é tudo. Chegou-se agora ao resultado, o resultado que foi ponderado desde o início. A bondade de Deus levou ao arrependimento. José foi realmente elevado; o molho se levantou e ficou em pé; mas “este foi todo o fruto, para tirar os seus pecados”. Assim, Cristo está agora elevado, como lemos, para ser o Príncipe e o Salvador, para dar arrependimento a Israel e remissão dos pecados (At 5:31).
José se revela
E agora o véu pode ser rasgado, e será rasgado. José será dado a conhecer a seus irmãos.
Mas este foi um momento difícil de enfrentar e administrar. O reaparecimento de alguém que eles odiaram e venderam, e a lembrança de quem tocou tão profundamente suas almas, pode ser avassalador. Ele deve moderar esta luz à visão deles, para que não se torne intolerável. Mas o amor é hábil e tem seus métodos e instrumentos prontos para as ocasiões. “Eu sou José”, diz ele aos irmãos; mas ao mesmo tempo ele acrescenta: “vive ainda meu pai?”
De fato, isso foi extraordinário no caminho da graça, e perfeito na habilidade do amor. José poderia ter respondido a essa pergunta sozinho. O discurso de Judá (cujo eco ainda estava em seus ouvidos, pois era precioso demais para permitir que ele se desfizesse dele) já lhe havia dito que o pai ainda estava vivo. Mas José apressou-se em trazer uma terceira pessoa para a cena. Ele não podia permitir que os servos ou oficiais do palácio estivessem presentes; pois isso seria expor seus irmãos. E, no entanto, ficar sozinho consigo mesmo temia que isso fosse demais para eles. E, portanto, ele deve trazer alguém para compartilhar aquele momento com eles; e tal pessoa, o melhor de todos, foi aquele a quem a palavra de José apresenta.
A graça que convida
Isso foi realmente perfeito em seu lugar. Isso me traz à mente a cena no poço de Sicar. “Eu o Sou, Eu que falo contigo”, diz o Senhor à mulher que acabara de ser, por Seus meios, exposta a si mesma em todos os seus antigos pecados que eram como carmesim. Não foi apenas: “Eu o Sou”, mas “Eu que falo contigo”. Nestas palavras Ele revela Sua glória. Ele está diante dela como o Messias, que poderia, como ela havia dito, contar todas as coisas, e que agora, como ela provou, realmente tinha contado todas as coisas, coisas que eram terríveis aos ouvidos de uma consciência desperta. Mas Ele revela isso em companhia da graça doce, condescendente e convidativa de Alguém que estava assentado conversando com ela. E este foi o título de sua alma para encontrar liberdade, onde ela poderia esperar ser oprimida. E ela a encontrou.
Que habilidade nos caminhos do amor! Dos seus preciosos estoques, posso dizer, em palavras bem conhecidas –
“Há brilho no que quer que seja adequado
Pela exigência de cada hora.”
Queremos apenas confiar mais e nos assegurar disso.
E ainda há mais disso em José.
Pouco depois disso, ele lhes dirá novamente: “Eu sou José”, e acrescentará: “a quem vendestes para o Egito”. Mas então ele imediatamente conta uma longa história dos propósitos de Deus em toda essa questão, e os informa o quão importante o fato de ele ter deixado sua casa, era para o Faraó, para o Egito e para o mundo inteiro, bem como para eles e para suas famílias. O amor não lhes dá oportunidade de ocupar o tempo pensando em si mesmos. José acumula uma infinidade de outros pensamentos em suas mentes – e ele os beija e chora com eles.
J. G. Bellett
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