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ÍNDICE
Os Patriarcas
John Gifford Bellett
Jó
Parte 2
Nosso Parente diante de Deus
O Senhor, o Filho de Deus, tornou-Se nosso Parente. “visto como os filhos participam da carne e do sangue, também Ele participou das mesmas coisas”. E Ele Se tornou esse Parente para que pudesse cumprir pelos filhos os deveres e serviços de um Parente. E quais são esses deveres, e como o Senhor os atendeu e cumpriu, nos é informado na Escritura.
Um dever principal era resgatar um irmão ou sua herança, se ele ou sua herança houvesse sido vendido.
Ora, essa condição vendida ou perdida é nossa por natureza, sob as ruínas de Adão. O confisco de tudo é a ideia simples que mantém a nossa condição natural sob a justa luz. Perdemos a vida, e com ela todas as coisas, pela violação dos termos em que mantínhamos a vida, e com isso perdemos todas as coisas. Contraímos a dívida da morte: “no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. Adão comeu e esta lei exigia a morte. Nós nos vendemos sob essa sentença e sob essa pena, e éramos devedores para sofrer a morte. Mas o nosso Parente pagou o preço. Jesus morreu. Ele contou o dinheiro até o último centavo. Na linguagem da lei, olho por olho, vida por vida, sangue por sangue. Não fomos redimidos por coisas corruptíveis como prata e ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo. O valor desse sangue foi bem testado. O sangue dos touros e de bodes não era suficientemente rico. Não servia, não poderia funcionar. Mas “Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a Tua vontade”, nos diz que Ele satisfez Aquele que exigiu, e que não pôde deixar de exigir, o resgate total ou preço de redenção.
E agora nós e nossa herança somos resgatados por nosso parente.
Este é o principal dos grandes serviços de Cristo por nós. É amplamente notado e prefigurado pela lei (Levítico 25), mas foi entendido desde o princípio, pois o sacrifício ou oferta vicária procedeu com base neste princípio. E isso foi divulgado quando o pecado entrou, ou no ato do confisco. A pele que cobria Adão dava testemunho de que ele se encontrava no valor de um resgate, e que a virtude d’Aquele que atendera à exigência de Deus contra ele – Adão – estava agora sobre ele.
Mas isso é cheio de bênçãos – que o grande mistério do Parente ou Redentor era conhecido (publicado pelo Senhor e crido pelo pecador) antes que a lei o tivesse prefigurado ou os profetas o tivesse proclamado. (A mesma palavra hebraica significa parente, redentor e vingador).
Nosso Parente contra nosso inimigo
Outro desses deveres era este: resgatar ou libertar um irmão levado cativo.
No caso anterior de resgate ou recompra, o Parente tinha que tratar com um reivindicador legítimo e atender às suas exigências. Seu irmão ou a herança de seu irmão tinham sido vendidos e precisavam ser readquiridos por um preço justo e determinado de acordo com a lei das estimativas. Mas este dever de resgatar ou libertar um irmão é diferente. Aqui o Parente tem a ver com um estranho ou inimigo; e realizar este serviço com força contrária, ou pela força de um braço mais forte.
Mas esta também é a nossa condição natural, o nosso estado sob as ruínas da queda. E este papel de serviço de Parente, o Filho de Deus, participante de nossa carne e sangue, nos presta.
No caso anterior de resgate, Ele tratou com Deus, respondendo às Suas justas exigências por nós: aqui, porém, Seu trato é com nosso inimigo. Ele responde ao inimigo por nós. Pois embora seja verdade que, pela desobediência, contraímos a dívida da morte, o confisco da vida e de todas as coisas, a ponto de precisarmos de um resgate, também é verdade que temos sofrido injustiças nas mãos da Serpente, de cujos resultados, em servidão ou cativeiro aos poderes das trevas e da corrupção, nosso Redentor ou Parente nos livra.
Foi nesta ação que o Senhor, nos dias da Sua carne, percorreu as cidades e aldeias de Israel. Como o Homem mais forte, Ele entrou na casa do valente, furtou seus bens e libertou seus cativos. E Ele terminará tal obra e aperfeiçoará Seu caminho como o Parente-Libertador, quando Ele resgatar Seus santos adormecidos do flagelo da morte e da destruição do inferno. Então ocorrerá a redenção da possessão adquirida (Veja Efésios 1:14 – TB).
Parente-Libertador
E novamente posso dizer: Feliz é saber que este caminho de Cristo, esta obra de nosso grande Parente, também era conhecida nos dias patriarcais. Quando Abraão soube que seu irmão havia sido levado cativo, armou seus servos treinados e trouxe novamente seu irmão Ló e seus bens (Gn 14). Cinco reis podem lutar contra quatro no vale de Sidim, os cacos de barro da terra podem lutar com seus companheiros; tudo isso, em certo sentido, não é da conta do estrangeiro celestial, embora sua tenda possa estar armada nas proximidades. Mas o caminho de Cristo, que se torna o princípio de conduta para Seu povo, é tudo para ele – e esse caminho deve ter sido então conhecido, o serviço do parente libertador deve ter sido então bem entendido entre a família eleita, pois assim que Abraão ouve falar de Ló, ele entra em ação imediatamente e sai para resgatar seu irmão capturado.
Um dever semelhante a isso era vingar o sangue de um irmão ou parente morto.
Este dever era reconhecido pela lei e mantido na memória durante todos os tempos da nação. A ordenança relativa às cidades de refúgio foi um alívio contra o abuso dela; e a famosa alegoria da mulher de Tecoa presumia o fato de que todo o sistema em Israel conhecia isso.
Mas, como os outros deveres, era mais antigo que a lei e os profetas. Menções de Cristo e Seus caminhos e Suas ações por nós foram as primeiras manifestações da mente de Deus. Feliz nosso coração por saber disso; E, consequentemente, esse dever de parente foi prescrito desde muito cedo. Quando a espada foi entregue a Noé, foi noticiado: “da mão do homem e da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem. Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado”. Mas já era entendido como um princípio divino antes disso. Caim tremeu diante desta lei, que, como suas palavras indicam, deveria então ser conhecida em todos os lugares (Gn 4:14). Na verdade, era parte da primeira promessa. “Esta (a Semente) te ferirá a cabeça”, anunciava isso. Pois aquela frase dita à serpente, o Parente daquele homem, a Semente da mulher, vingaria na serpente os erros cometidos por ele contra a família. E este dever Cristo executará quando lançar a antiga serpente, “chamada o diabo e Satanás”, juntamente com a morte e o Hades, no lago de fogo. [A libertação e a vingança pelo Parente tratam com um inimigo ou malfeitor, e não, como no caso da recompra, com um reivindicador legítimo. Há, no entanto, esta diferença: no caso da libertação, o Parente apenas resgata seu irmão ou parente da mão do inimigo; no caso de vingança, ele visita o sangue de seu irmão ou parente sobre a cabeça do inimigo. Cristo nos libertará dos braços da morte no início do reino (1 Coríntios 15:54), Ele nos vingará da cabeça da morte no final do reino, de acordo com 1 Coríntios 15:26].
Parente desde o início
Esses estão entre os deveres que um Parente possui, de acordo com a mente e a consideração do Senhor, e tal é o glorioso cumprimento deles por nosso grande Parente. E é maravilhoso ter o direito de escrever sobre Ele assim! É maravilhoso que os ditames necessários e instintivos da natureza sejam indicados pelo Espírito Santo como a base, a garantia e o caráter do amor de Cristo pelos santos! Como eu disse antes, o que quer que a natureza me diga que eu sou devedor a mim mesmo, isso mesmo Cristo me diz que Ele é Devedor a mim mesmo; e agora, posso acrescentar, o que quer que a natureza me diga que meus parentes são devedores a mim, isso também Cristo me diz que é Devedor a mim. E novamente pergunto: Pode algum pensamento, a respeito do lugar ao qual o amor do Filho de Deus O trouxe, superar isso? Pode a imaginação formar a ideia de uma afeição mais intensa e devotada?
O Filho de Deus tornou-Se nosso Parente para o próprio fim de realizar todos esses serviços de Parente para nós. Creio que Hebreus 2 nos diz isso. E esses deveres e serviços incorporam todos os grandes materiais no mistério da redenção. E, como vimos agora, eles têm se tornados conhecidos desde o princípio. Jesus não esperou até que a lei O apresentasse, em suas sombras ou faixas, à fé e ao gozo de pobres pecadores. Posteriormente, a lei deu às coisas concernentes a Ele um tabernáculo, mas essas coisas têm se tornado conhecidas desde o princípio. O quarto dia, no curso da criação, produziu o Sol, que então se tornou o tabernáculo da luz, mas a luz estava espalhada por toda a cena, a luz brilhava desde o primeiro momento do primeiro dia. Jesus foi conhecido no jardim do Éden e nasceu no sopro da exata primeira promessa. E isso alegra nosso espírito – ficaremos felizes em rastrear esses anúncios da fé comum, esses pensamentos e verdades de Deus e Seu concerto, ao longo das eras, ligando os corações mais distantes dos eleitos na comunhão de um só regozijo, e dando-lhes um cântico para todo o sempre.
Entre os santos dos primeiros dias, nosso Jó O conheceu neste grande caráter de Parente ou Redentor. Ao resgatá-lo do poder da morte, ou do cativeiro da sepultura e corrupção, Jó O celebra. É uma passagem bem conhecida e muito apreciada pelos santos. E bem, pode ser assim. Tudo o que ela apresenta aos nossos ouvidos, e tudo o que a sustenta e a acompanha enquanto a ouvimos, confere-lhe um caráter incomum.
Conhecendo o Redentor
“Quem me dera, agora, que as minhas palavras se escrevessem! Quem me dera que se gravassem num livro! E que, com pena de ferro e com chumbo, para sempre fossem esculpidas na rocha! Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim Se levantará sobre a Terra. E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus. Vê-Lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros, O verão; e, por isso, o meu coração se consome dentro de mim”.
Que apreensão de Cristo tanto em Sua Pessoa quanto em Sua obra está aqui! É a fé e a esperança do nosso Evangelho. Jó sabia que tinha um Redentor, um Redentor que então vivia, e que depois disso estaria na Terra manifestado em carne, e que esse Redentor alcançaria para ele uma vitória gloriosa sobre o poder da morte e a força da corrupção. E toda essa bela apreensão de Cristo é acompanhada pela mais apropriada simples fé.
“Vê-Lo-ei por mim mesmo”, diz Jó, “meus olhos o verão, e não outros”. Esta é a confiança de Paulo. Esta é a liberdade adequada à plena revelação da graça de Deus. Paulo e Jó, com o mesmo espírito, conheceram a gloriosa redenção e a conheceram por si mesmos, “O Qual me amou e Se entregou a Si mesmo por mim”.
E que fervor é este com que o Espírito Santo permite ao patriarca colocar o seu selo em toda esta preciosa confissão de sua fé! Jó queria que todos os homens soubessem, e a todas as gerações deles, ele a publicaria em toda parte, ele a contaria sem medo de ter que cancelar uma letra que fosse dela, ele a gravaria para a eternidade e a teria esculpida na rocha, que ele conhecia o seu Redentor!
As ações de Deus por nós
Que “luz do SENHOR” foi esta em que caminhou o patriarca! “Vinde, ó casa de Jacó, e andemos na luz do SENHOR”. Jó caminhou lá muito antes que a casa de Jacó, ou os profetas de Israel, soubessem dela. A luz estava espalhada, e o Espírito conduziu os eleitos para ela, desde o princípio. E esta ocasião, registrada em Jó 19, foi um momento em que aquela luz brilhou intensamente na alma de Jó. Seu rosto não brilhou então, como o de Estêvão, como o de um anjo na presença de seus acusadores. Ele não havia, dessa forma, vestido as vestes de um filho da ressurreição, mas seu espírito interior estava nas regiões e na liberdade e no triunfo de tal Pessoa.
Esta visitação, na energia do Espírito Santo, extraindo esta expressão abençoada do coração do patriarca, foi o arco na nuvem por um momento. Ele compartilhou o caminho do espírito de Jó com a tristeza e o pesar que conhecia tão bem – como a visão noturna de Jeremias e o Monte da Transfiguração interromperam o caminho sombrio do profeta choroso e do adorável “Homem de dores” (Jr 31:26; Mt 17:2). Foi o poder do Espírito. O pobre sofredor foi levado a desviar o olhar do tratamento de Deus com ele e focar em Suas ações por ele, pois há uma diferença. O primeiro leva a alma ao exercício que muitas vezes são muito pesados, além do controle de nosso coração. Geralmente eles precisam de um intérprete. A outra leva a alma à plena liberdade. Elas são tão claras que uma criança pode lê-las. Elas carregam na testa o seu próprio significado. Elas não precisam de intérprete. As providências de Deus, ou Seu tratamento conosco, são muitas vezes desconcertantes, bem como ternamente aflitivas. A graça de Deus no Evangelho, ou Suas ações por nós, são tais que não conseguem confundir os pensamentos nem entristecer o coração. Elas prestam seu próprio testemunho e contam uma história de amor devotado e eterno, impossível de confundir.
E essas são as coisas com as quais temos que tratar todos os dias.
Se estamos oprimidos ou cansados pelo atual curso das circunstâncias, achando-as pesadas, sombrias e intrincadas, é nosso privilégio, e também nosso dever, passar, em espírito e em pensamento, para aquela atmosfera calma e ensolarada em que o Evangelho, ou as ações de Deus por nós, investem sempre na alma.
Tudo isso pode ser visto em Jó. Esse santo amado e honrado é geralmente visto lutando com o tratamento de Deus com ele. A mão de Deus se estendeu sobre todos os seus interesses e prazeres. A perda dos bens, dos filhos e da saúde veio sobre ele, de surpresa, e ele persiste, no calor e no ressentimento da natureza, em manter tudo isso diante de sua mente. Mas, num momento de poder do Espírito, ele é levado a desviar o olhar de tudo isso, a desviar-se do tratamento de Deus com ele para as ações de Deus por ele; e então ele triunfa. Então ele poderá contemplar mais do que as chagas em seu corpo, até mesmo os vermes que o destroem; mas tudo é luz e triunfo. Então, diante de todos os inimigos, ele poderá sentar-se e cantar em espírito: “Se Deus é por mim, quem será contra mim?” (Romanos 8).
Verdadeiramente abençoado é isso. O tentador nos levaria a julgar Deus pelas sombras escuras de muitas passagens de nossa história aqui. Mas o Espírito deseja que nos familiarizemos com Ele na bela luz do Evangelho, a glória que brilha na face de Jesus Cristo; e há luz ali e nenhuma escuridão – nenhuma sombra que precise ser afugentada, nenhuma obscuridade que precise ser interpretada.
Mas, a propósito, já tracei certas combinações entre esta porção mais antiga e mais independente do livro de Deus e todas as outras partes dele, sejam elas próximas ou distantes. E isso é muito estimulante para o coração. Mas tais combinações ou harmonias podem ser encontradas ainda mais longe – nas cenas de ação, bem como nos atores das cenas.
O “Mundo” e o “Mundo Vindouro”
Existem “céu” e “Terra” aqui, como em todas as Escrituras; cada um também tendo seu “dia” ou ocasião especial. (Veja Jó 1:4, 6, 13; 2:1.)
Há também este “presente século [mundo – ARA] mau” e “o mundo vindouro” (TB). No início da ação, a cena se passa neste presente mundo mau. É apenas uma cena doméstica, mas todas as características do grande mundo são vistas nela. Pois cada círculo familiar, como cada coração, é um pequeno mundo. A indulgência e o amor à diversão aparecem nos filhos, e algo da comum “inimizade contra Deus” aparece na esposa de nosso patriarca. Então, novamente, existem calamidades naturais, como vento, fogo e doenças; e há calamidades relativas, como nas mãos de nossos próximos ou semelhantes, como os sabeus e os caldeus. E tudo isso são as diversas casualidades da vida e das circunstâncias humanas até este momento. Há golpe após golpe, mensageiro após mensageiro, virando cada página da história. É apenas a vida humana de então, ao invés de da de agora, mas é a mesma vida com suas perdas, cruzes e dolorosas contradições. Há um pouco de realidade, um pouco do “amigo na necessidade” que “é um amigo de verdade”, mas há uma grande parcela de desprezo e deserção na hora da calamidade, ainda tão conhecida no mundo. Jó tem três amigos que se sentam com ele entre suas cinzas e cacos, mas todos os outros o veem de longe. Não é tudo isso o “presente mundo mau” sem forças para a vida?
Mas, no final da ação, a cena é apresentada no “mundo vindouro”, o mundo de Deus e não do homem, o mundo que será formado por Suas energias e preenchido por Seus princípios. É o tempo de refrigério e restauração. Em Jó 42, estamos, em espírito, no Milênio. O Espírito Santo nos dá esse relato disso. “Sede, pois, irmãos, pacientes até a vinda do Senhor”, são as palavras que introduzem Sua alusão à “paciência de Jó” e “o fim que o Senhor lhe deu”. O lavrador trabalha com esperança e obtém seus frutos na colheita ou na ressurreição. E assim Jó perseverou, até que, finalmente, aquele que semeou, colheu. O capítulo 42 é a colheita do lavrador (Tg 5:7-11).
A linguagem do arrependimento
E feliz, posso dizer, amados, é este testemunho adicional do valor que um espírito de confissão e arrependimento tem para com nosso Deus. Como está escrito: “Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado”; e novamente: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é Fiel e Justo para perdoar os nossos pecados”. Pois não duvido que foram às poucas palavras de confissão e arrependimento de Jó que o Senhor Se referiu quando Se voltou para os amigos e lhes disse que eles não haviam falado d’Ele o que era certo, como Seu servo Jó. Eles não haviam feito confissão no final, como ele havia feito. E vamos valorizar essa garantia. Há conforto e força nisso. A linguagem do arrependimento prevalece. “Verdadeiramente ouvi Efraim lamentando-se” (JND), diz Jeová – e então veio a compaixão divina: “Acaso é Efraim Meu querido filho? É ele criança em Quem Me deleito? Pois quantas vezes falo contra ele, tantas vezes Me lembro dele ternamente” (TB). Ou, como podemos aprender com Oseias, as palavras de confissão e arrependimento de Israel, nos últimos dias, prevalecerão poderosamente diante de Deus. “Volta, ó Israel, para Jeová teu Deus; pois caíste pela tua iniquidade. Tomai convosco palavras e voltai para Jeová; dizei-Lhe: Tira toda a iniquidade, e aceita o que é bom [e receba-nos graciosamente – JND]”. “Eu sararei a sua infidelidade, Eu voluntariamente os amarei” (ACF), é a resposta divina, com um rico e belo capítulo de promessas.
Florescendo novamente
O consolo disso! A história que nos conta sobre a graça, a graça incansável e longânima! E, consequentemente, Jó floresce novamente. O Senhor é como o orvalho para ele. Ele cresce como o lírio, seus ramos se espalham, sua formosura é como a oliveira, seu odor como o do Líbano. No “fim que o Senhor lhe deu” ele é visto como “na regeneração”, ou dia do reino, e até mesmo outros habitam sob sua sombra, serão vivificados como o trigo e reflorescerá como a vide. Leia sobre isso em Oseias 14. (Não considero Jó tanto como uma figura, mas sim como um exemplo. Seu chamado era o chamado comum, como um homem morto e ressuscitado. Cada santo, agora reunido para a glória celestial, é como ele. Israel nos últimos dias será assim, e todo o sistema da Era milenar. O Senhor Jesus mantém todas as coisas e exerce Seus ofícios, como Aquele que esteve morto e está vivo novamente. É mais apropriado falar de Jó como um exemplo da vocação comum do que como uma figura. Eu não poderia, entretanto, discordar da expressão, caso ela fosse usada por outros).
Jó aprendeu a lição por meio dos sofrimentos. O Senhor, posso dizer, fez o mesmo. Hebreus 2, 4, 5. Dessa forma, Ele foi aperfeiçoado para Suas altas funções. As compaixões de Cristo não poderiam ter sido sacerdotais, até que Ele Se tornasse homem, participante da carne e do sangue dos filhos, e sofresse como tal. E a história de Jó pode ser lida como expressão ou prenúncio de tudo isso.
Assim é Israel. Serão como um povo que, tendo-se destruído, encontrou em Deus a sua ajuda. Oseias os apresenta nesse caráter. A linguagem deles em Oseias 14 é a linguagem de tal povo. E a história de Jó também pode ser considerada uma expressão ou prenúncio disso. Ele revive, cresce novamente como o lírio, e seus ramos se espalham, no final, como Israel e os ramos de Israel farão, de acordo com seu profeta, de modo que possamos falar de Jó como uma figura. Mas ainda sinto e julgo mais apropriado apresentá-lo como uma amostra de todos nós, na fé comum, como mortos e ressuscitados com Cristo.
Confiança total em Deus
Tal foi o nosso patriarca no “fim que o Senhor lhe deu”. Ele é outro testemunho que a sarça ardente nunca se consome, por causa da boa vontade d’Aquele que habita nela. Pode ser Israel no Egito, ou na Babilônia, os filhos na fornalha ou o profeta na cova. Pode ser um pobre eleito gadareno, cercado por uma legião, ou o patriarca, como a diversão do vento, do fogo e das doenças corporais, dos caldeus e dos sabeus também, o poder e os mensageiros de Satanás liberados sobre ele, ainda assim a sarça ardente não é consumida pela boa vontade d’Aquele que nela habita. “Mas já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte”, diz o apóstolo, falando em nome de todos eles, “para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos”.
Tal pessoa foi nosso patriarca. E tal pessoa ele aprendeu a ser. Na escola de Deus ele havia aprendido sua vocação, como na experiência de sua própria alma. Mas é uma grande lição. Uma grande diferença, tenho plena certeza, entre ter Deus no meio de nossas circunstâncias, e Deus como Ele mesmo, a primeira e grande circunstância. A primeira foi a maneira de Jó no início. Ele não teria existido sem Deus. Ele O reconhecia e deu-Lhe um altar no cenário familiar. Mas ele não Lhe disse: Tu escolherás a nossa herança para nós. Ele não tinha, como Abrão fez depois, saído das circunstâncias com Deus, confiando n’Ele para cercá-lo com Suas próprias circunstâncias. O poder para fazer isso clama: “A quem tenho eu no céu senão a Ti? E na Terra não há quem eu deseje além de Ti”. Pois tal foi a expressão de um santo quando sua alma saiu da tempestade e da tentação de se ver atrás dos ímpios nas condições e circunstâncias da vida aqui (Sl 73).
O grande segredo de Jó
Que voz esta verdade tem para nós! Alguns podem ouvi-la como conforto, outros de nós, de fé mais fraca, como advertência. O mundo, o orgulho e o egoísmo constituem as circunstâncias das quais o chamado de Deus nos convoca a sair; e a religião, em certo sentido, pode ter trazido Deus para dentro delas; mas a fé, em sua simplicidade, forma outras, e Deus não precisa ser introduzido nessas circunstâncias, pois Ele está lá desde o início, o grande Criador ou Artífice de todos eles.
Repete-se esta verdade, pois é, a meu ver, o grande segredo deste Livro. Nosso Jó, no final, aprendeu o poder do chamado de Deus. E isso, posso dizer, confere um caráter justo e espiritual a tudo o que ele faz agora, bem como reveste toda a sua condição à beleza e estabilidade dos dias milenares.
Profeta, sacerdote e rei
Ele era, no início, como um profeta, sacerdote e rei, e assim ele é novamente, no final. Mas ele segue uma nova ordem, exercendo suas diferentes funções mais de acordo com a mente de Deus. Como profeta, ele havia, no início, assumido com muita confiança ser o intérprete de Deus e de Seus caminhos; mas agora ele diz: “eu Te perguntarei, e Tu ensina-me”. Ele será um discípulo do Senhor, antes de ensinar outros; ele terá seus ouvidos abertos, antes que sua língua seja solta (Is 50:4). Tal é a purificação do seu ministério profético. Ele não saberá nada, a não ser que aprenda com Deus. Sua doutrina não é sua agora. Como sacerdote, no início, ele se interpôs entre Deus e seus filhos, para sanar brechas prováveis ou temidas. Mas ele não parece lavar as próprias roupas, enquanto asperge a água purificadora sobre os outros (Nm 19:21). Ele precisava se lembrar que ele mesmo também estava no corpo, tão tentável como o do mais fraco (Gl 6:1). Mas agora ele próprio é aceito (Jó 42:9; Ez 14:14, 20). Como rei, suas honras vêm agora depois de suas aflições, suas glórias depois de seus sofrimentos; e também depois que ele orou por seus amigos, seu cativeiro foi revertido. Ele exerce a graça, antes de lhe ser novamente confiado o poder – tudo isso de acordo com os grandes originais. “Vós sois os que tendes permanecido Comigo nas Minhas tentações. E Eu vos destino o Reino, como Meu Pai Mo destinou”.
Desta forma, ele é profeta, sacerdote e rei, segundo uma nova ordem, e tudo é refinado na fornalha, como ouro provado no fogo.
Libertação total
E ele é novamente o pai de uma família, uma família também, como posso dizer novamente, de uma nova ordem – nada precisa ser corrigido entre eles, mas tudo está em feliz e santa comunhão, o coração do pai voltado para o filhos, e o coração dos filhos ao pai. No início, ele teve que observar seus caminhos e tomar providências pelo mal que pudessem ter cometido. Mas no final não há nada disso; seu pai só precisa olhar para eles com admiração e deleite. Os filhos despertaram medo a princípio, mas agora contentamento.
E ainda mais, nesta bela cena milenar ou de ressurreição, que assim encerra esta história, o vento tempestuoso é silenciado e os relâmpagos do trovão não atingem mais. Nestes dias de um segundo Noé, tal como Jó foi (o senhor de um novo mundo), as águas que antes “prevaleciam” agora “cessaram”. E os caldeus e os sabeus já não mais saqueiam o despojo, nem saqueiam a presa. Agora “adversário não há, nem algum mau encontro”, “não haverá mais cananeu na Casa do SENHOR”. Nada fere ou destrói em todo o monte santo. O Senhor livra Seu povo daqueles que se serviram deles.
Tudo isso está prometido e retratado para nós aqui. E, o que pode ser considerado de valor ainda mais profundo para nós: o próprio grande inimigo, o agente pronto e desejoso de todos os danos e tristezas que surgiram, também se foi. No início ele está em ação, atuando como acusador no céu e como atormentador na Terra. E é para o conforto do santo provado que a mão de Deus e do inimigo estão envolvidas em sua provação; o inimigo (como aqui com nosso patriarca) procurando lançar sua coroa no chão e lançar no pó o seu justo memorial que tinha para com Deus, o Senhor Se propondo (e realizando isso) a lustrar aquela coroa, e ainda mais para abençoar o herdeiro dessas dignidades e regozijos. É um conforto para o santo, no dia da provação, se lembrar disso. Mas, no final, o inimigo se foi. O propósito, na sabedoria de Deus, para o qual ele foi usado, é atendido e ele se vai. A disciplina de Jó havia cessado assim na destruição do inimigo.
Satanás confundido
Satanás havia entendido Jó. Ele conhecia o funcionamento daquela natureza corrupta que sua própria mentira havia formado no jardim do Éden. Ele havia dito: “Porventura, teme Jó a Deus debalde? Porventura, não o cercaste Tu de bens a ele... toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema de Ti na Tua face!... Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida”. E que sério e terrível é o pensamento, amado, de que ele nos conhece tão profundamente e conhece as fontes do pensamento e da vontade dentro de nós. Mas embora ele entendesse bem Jó, ele não entendia Deus. Os conselhos da graça estão acima dele. E por isso, na história deste mundo, ele sempre esteve se derrotando a si mesmo, pensando que estava levando vantagem sobre nós; pois ele tem que se encontrar com Deus exatamente naquilo que faz e nos propósitos que planeja contra nós. Quando ele interferiu com Adão no jardim, ele encontrou Deus para sua confusão, e a promessa a Adão anunciou sua própria ruína. Quando ele provocou Davi a numerar o povo, a eira de Ornã foi revelada, e o local onde a misericórdia triunfou no juízo, tornou-se o local do templo. Quando ele peneirou os apóstolos como trigo, foi contestado pela oração de Jesus e, em vez de a fé falhar, os irmãos foram fortalecidos. E, acima de tudo, quando tocou em Jesus na cruz, a própria morte que ele infligiu foi a sua própria ruína perfeita e consumada. Assim, em cada problema que ele traz a qualquer um de nós, ele descobre, ou descobrirá, mais cedo ou mais tarde, que encontrou o Deus poderoso, e não o santo fraco. Ele entrou no ninho de Jó para estragá-lo e deixá-lo destruído e vazio. Ele entrou em outro jardim então. Mas Deus estava lá, assim como seu servo Jó, e no final Satanás é confundido.
O mesmo acontece com os santos e seus inimigos. Eles tomarão o reino, e no reino Satanás não terá lugar. Do meio das provações que ele levantou ao redor deles e contra eles, os santos saem para colocarem suas coroas e entoar seus cânticos. E, em vez de aparecer novamente “entre” “os filhos de Deus”, o anjo forte lançará mão dele e o lançará no abismo. (Alguém observou que Satanás é sempre derrotado. Este pensamento parece obter as confirmações mais impressionantes da Escritura, além dos casos mencionados acima).
Ele é o instrumento, o voluntarioso instrumento de destruição da carne; mas essa destruição termina na salvação do espírito (1 Co 5:5). Ele recebe, recebe de bom grado aquele que lhe é judicialmente entregue; mas tudo isso termina com tal pessoa aprendendo a não blasfemar (1 Tm 1:20). Ele envia seus mensageiros como espinhos na carne, deleitando-se em fazê-lo, como se estivesse determinado a fazer o mal, tendo sido “homicida desde o princípio”; mas isso ainda funciona bem, pois o servo de Cristo é assim protegido da indevida exaltação (2 Co 12:7).
São exibições ilustres do diabo sendo sempre derrotado. Porque elas mostram isso: que ele se presta diretamente à sua própria derrota. Sua própria arma está apontada contra si mesmo. Aquele a quem ele ataca recebe, pelo próprio ataque, força ou virtude contra ele.
Feliz garantia! Nosso grande adversário nunca é vitorioso! São contra os aguilhões que ele recalcitra[1].
[1] N. do T.: Recalcitrar significa escoicear, opor-se obstinadamente a qualquer tipo de controle ou autoridade; insurgir-se, rebelar-se, revoltar-se (Cf. Michaelis).
Homem glorificado no céu
Isto está cheio de bênçãos – e esta é uma bênção milenar, delineada aqui nesta bela história. Mas há mais. Não haverá pergunta alguma nos céus milenares sobre os santos, como houve sobre Adão no jardim e sobre Jó no início deste livro. A árvore do conhecimento testou a criatura que Deus acabara de criar. Mas na era da ressurreição, nos céus onde Jó e todos os filhos da ressurreição estarão, não haverá tal prova. Não haverá dúvidas sobre o homem. Haverá silêncio no céu quanto ao homem, pois o grande Parente respondeu a todas as perguntas, e o homem está glorificado lá.
Um Deus imutável e concentrado
Tais são as mudanças que tem surgido antes de deixarmos esta história divina e inspirada. A prova da fé não tem sido preciosa, como fala Pedro, quando podemos falar de tais mudanças? O inimigo se foi. Seus ministros, ou mensageiros, o vento e o fogo, os caldeus e os sabeus, não receberão mais comissão alguma. Jó também mudou seu pensamento e fez sua confissão a Deus – seus amigos mudaram de pensamento e se humilharam diante dele. Mas há Alguém que permanece o mesmo. Ele não tem nenhum passo para refazer, nenhuma palavra para voltar atrás, nenhum ato de Suas mãos, ou conselho de Seu coração, para alterar ou Se arrepender. Outras Escrituras falam sobre Ele, que Ele é “O mesmo ontem, e hoje, e eternamente”, e que com Ele “não há mudança, nem sombra de variação”. E esta preciosa história sobre Ele e Suas ações O ilustra e exibe.
Nunca há calmaria plena, ou ausência de pressa e distração, onde não estamos conscientes de que nossa força está à altura de nossa ocupação, seja ela qual for. Nem ela existe, quando não estamos igualmente conscientes da integridade ou da retidão dessa ocupação. A consciência da retidão e da força é necessária para preparar a mão para realizar uma ação ou o pé para dar um passo com total tranquilidade.
Agora sabemos que esta tranquilidade marca todos os caminhos e operações de Deus. Ele está sempre trabalhando (para falar à maneira dos homens) em plena possessão dessa concentração da qual estamos falando. Poderíamos julgar isso pela necessária glória de Sua divindade. Mas os caminhos de Jesus na Terra sempre demonstraram isso, e Ele, como sabemos, era Deus manifestado em carne. E esta tranquilidade e calma, nas quais todas as operações de Deus procedem, dizem-nos que, embora possam parecer-nos estranhas e até obstinadas, como Jó as considerava, ainda assim Ele é capaz de interpretá-las, cada uma, de modo a ser justificado em Suas Palavras e vença quando for julgado. E isso é feliz. “O botão pode ter um sabor amargo” e “a incredulidade cega certamente errará”. Essas coisas são assim.
Mas “Deus é Seu próprio intérprete e Ele deixará isso claro”. Sabemos como nosso Jó foi provado – profundamente, de várias maneiras e, como se poderia pensar, de forma arbitrariamente e desnecessária; pois ele andou no temor de Deus e a serviço de sua geração. Mas o “fim que o Senhor lhe deu” é mais do que justificação. É manifestação. A prova foi achada em louvor, honra e glória. A luz do dia que se aproxima, por mais repreensível que seja, terá apenas que brilhar e refletir a excelência d’Aquele com Quem temos que tratar.
Do medo ao favor
Assim, nos demoramos um pouco nesses brilhantes relatos dos dias milenares, “os dias do céu sobre a Terra”, que brilham no final desta história maravilhosa, além de séria e instrutiva, dos tempos patriarcais. Mas há mais.
No princípio, Jó retinha todas as suas bênçãos com reserva e suspeita. Ele não estava em segurança, nem em repouso, nem sossegado; ainda assim, surgiram problemas. “O que eu temia me veio”, diz ele, “e o que receava me aconteceu”. Isso precisa ser assim. A instabilidade com que o afastamento de Deus afetou todas as possessões e todos os ganhos aqui torna isso necessário. Mas, no final das contas, não existem “temores por dentro”, assim como não existem caldeus ou “por fora combates”. Nenhuma sombra encobre o Sol estabelecido que repousa ao seu redor, nem a luz calma que preenche todo o interior.
E mais: seus parentes e conhecidos, no final, o procuram novamente. Na verdade, eles nunca deveriam tê-lo abandonado. Pois nos enganamos se pensamos que devemos estar corretos se entristecermos aqueles a quem Deus está disciplinando. Isto está muitas vezes muito longe de ser o caso. O Senhor disse em Zacarias: “com grandíssima ira, estou irado contra as nações em descanso; porque, estando Eu um pouco desgostoso, eles auxiliaram no mal”. O mesmo acontece com Isaías 47:6 – e Obadias 10-14, no mesmo sentido. Talvez estejamos mais comumente com a mente de Deus e agimos como vasos vivos do Espírito quando aliviamos a esses tais. E tenho certeza que foi assim no caso de Jó. Se seus amigos anciãos conhecessem a maneira de Deus, teriam lidado com ele de maneira muito diferente. Eles não o teriam abandonado. O próprio fato de “a mão de Deus” o ter tocado, como ele o expressa tão profundamente, teria sido motivo de “piedade”, como diz ainda, por parte dos seus amigos.
No entanto, como parte do Sol brilhante que alegra seu estado no final, seus parentes e conhecidos o procuram novamente. E fazem isso para consolá-lo e também para ter compaixão dele. E se eles falam com ele sobre tristezas passadas, é apenas para aumentar seu gozo presente – como Israel depois, em sua triunfante festa dos tabernáculos, farão barracas e sentar-se-ão sob elas, em grata lembrança dos dias no deserto.
Restauração completa
Todos estes são reveses felizes, e o último estado do nosso patriarca é duas vezes melhor que o seu começo. Mas entre todas as alegres antecipações que brilham na última página desta história, não há nenhuma que cative mais o coração do que a reconciliação. O patriarca e seus irmãos, como a narrativa nos diz em grande parte, e como bem sabemos, infelizmente se desentenderam no caminho, enquanto caminhavam pela estrada principal “deste presente mundo mau”; mas assim que eles entram no “mundo vindouro”, o conflito de línguas e o tumulto da guerra não são mais ouvidos nem vistos.
Isso é verdadeiramente bem-vindo ao coração. Que alegria será ser libertado do egoísmo e do orgulho, e de muitas outras obras de natureza mesquinha e pervertida. Como os prazeres do coração são continuamente estragados por tais ladrões! Que coisa é uma página da história! Que registro das agitações da inveja, da ambição e da vingança! Não é uma miséria ver homens “odiosos, odiando-se uns aos outros” e depois lembrar que ainda estamos vivos e ativos em meio aos mesmos elementos? Mas outra coisa está na nossa perspectiva; e é o caminho da sabedoria e graça de Deus repetidas vezes, no progresso de Sua Palavra, como aqui no capítulo 42 de Jó, para nos dar uma imagem mística disso. Então o homem, como enganado por Satanás, cederá lugar; e o homem, como ungido por Deus, prevalecerá. Então será conhecida a alegria de sair de tais trevas para tal luz, de contemplar o Sol novamente, após séculos de escuridão da meia-noite.
Sabemos pela Escritura que uma grande virtude física acompanhará este reino vindouro. Como cantam os profetas, “o deserto e os lugares secos se alegrarão com isso; e o ermo exultará e florescerá como a rosa” – o coxo saltará como o cervo, a língua do mudo cantará, a vaca e o urso pastarão juntos, e o lobo se deitará com o cabrito. A natureza em toda a sua ordem reconhecerá a presença do Senhor. Os rios baterão palmas, as árvores do bosque se regozijarão diante d’Ele. Assim como a criação já sentiu a escravidão da corrupção, sentirá então a liberdade da glória.
Será como se todas as sensibilidades adormecidas tivessem sido repentinamente despertadas. Será como o dedilhar de um instrumento requintado com mão magistral. Será a mesma criação, mas sob nova autoridade, novas influências. Deixe que apenas os filhos de Deus se manifestem, e todo o sistema surgirá em novas condições e consciência.
E assim será com o homem, quando os poderes daquela era vindoura o tomar como seu súdito. Basta que a passagem seja feita deste presente mundo mau para o mundo vindouro, e novos princípios imediatamente dourarão e enfeitarão a cena, proporcionando prazeres morais (que são os mais ricos de todos) para toda a vida pessoal e social.
Nova criação
Este será o toque de um instrumento de acabamento ainda mais refinado. O sistema em torno do mundo vegetal e animal é suscetível de formas de beleza e de ordem que podem torná-lo um reflexo vívido e feliz da bondade e sabedoria divinas; mas na mente renovada do homem residem poderes e afeições latentes de nada menos que a textura mais divina. Na sua condição atual, ele tem que lutar com a natureza e sofrer obstáculos e impedimentos da carne. É oprimido e sobrecarregado por uma atmosfera grosseira. Mas tem capacidades de agir, julgar e sentir da mais alta ordem. E quando as influências devidas o alcançarem com poder, essas sensibilidades e faculdades serão todas despertadas, e formas de beleza moral em toda a vida pessoal e social se mostrarão. Que esperança para o espírito provado em conflito com a carne! Será a mesma “nova criatura” que é agora: só que em outras condições. Não oprimida e obscurecida, mas, por assim dizer, respirando seu ar nativo.
A Escritura nos dá muitos testemunhos de tal virtude moral e prazer na era milenar. É uma das ocupações mais encantadoras da mente de Cristo em nós ouvir essas testemunhas, em sua linguagem mística, prestarem seu testemunho.
Ordem divina e comunhão
O Pai de Israel e os gentios são vistos juntos, por um momento, em Gênesis 21. E a comunhão deles foi um exemplo do relacionamento santo e feliz entre Israel e as nações, nos dias vindouros do reino. As questões que antes os dividiam e perturbavam estão agora todas resolvidas. O poço de água, que foi motivo de conflito, é agora uma testemunha do juramento ou concerto. Todas as puras afeições sociais adornam esta comunhão de Abraão e Abimeleque; e eles se separam sob uma amizade prometida e empenhada. O bosque de Abraão, em princípio, faz florescer o deserto, e seu altar faz da terra um santuário; mas seu caminho com Abimeleque, e o de Abimeleque com ele, dão àquele momento brilhante seu caráter mais prezado e mais elevado.
Pois não existem prazeres como os prazeres morais, nem prazeres como os do coração.
O mesmo ocorre em Êxodo 18. As famílias celestiais e terrenais são vistas juntas, sob a figura de Jetro e das tribos resgatadas, no monte de Deus. E tudo está cheio de beleza moral. E, no entanto, os materiais que compõem a cena tinham, em dias anteriores, uma mentalidade muito diferente entre si. Moisés e Zípora se separaram com ira na última vez que se encontraram, e a congregação murmurava repetidas vezes. Mas agora o monte de Deus tem influência sobre eles, e do mais alto ao menor, de Jetro até as partes mais distantes do acampamento, tudo está no poder da ordem, sujeição e comunhão divinas.
Então, novamente, aquela geração que viveu nos últimos dias de Davi e nos primeiros dias de Salomão exibe o mesmo. Eles estavam contando uns aos outros para a espada, no bosque de Efraim, mas a espada agora se transformou em enxadas e foices. Os dias de Salomão foram, figurativamente ou em espírito, dias milenares, e uma virtude doce e surpreendente os acompanha. Em vez de voltarem ao campo de batalha, assentam-se, cada um com o seu próximo, debaixo da videira e debaixo da figueira. “Eram, pois, os de Judá e Israel muitos, como a areia que está ao pé do mar em multidão, comendo, e bebendo, e alegrando-se”.
Não são estas transfigurações morais? E como elas são abençoadas! Passe apenas pela fronteira. Deixe o dia do homem e vá para o dia do Senhor. Respire o ar do Monte de Deus – e toda essa renovação moral, com suas incontáveis fontes e ribeiros de felicidade social será experimentada, sempre fresca e sempre pura. Falta pouco e tudo isso acontecerá. Os mesmos irmãos, que agora podem ser uma provação um para o outro, como foi com nosso Jó e seus amigos, aumentarão e ampliarão o regozijo uns dos outros. E nos lugares terrenais, “Efraim não invejará a Judá, e Judá não oprimirá a Efraim”. O orgulho e o egoísmo terão deixado de depreciar os prazeres do coração, como fazem agora suas companheiras – as concupiscências e impiedades.
Esta história patriarcal, sobre a qual temos meditado agora, mais antiga e tão ilustre quanto qualquer um desses registros inspirados, nos dá uma amostra semelhante de dias milenares. Jó e seus três amigos, Elifaz, o temanita, Bildade, o suíta, e Zofar, o naamatita, são os mesmos Jó, Elifaz, Bildade e Zofar, as mesmas pessoas. E eles não estão mais disputando, mas unidos como irmãos. Eles subiram ao monte no final; e aí está toda a diferença. E, de fato, se não saudarmos tal perspectiva, nosso coração será estéril de toda afeição graciosa e morto para todas as emoções piedosas.
Aquele que por Seu sangue há muito tempo derrubou todas as paredes de separação, e que agora, por Seu Espírito, dá aos crentes acesso comum ao Pai, em breve, com Sua própria mão, unirá a vara de Efraim à vara de Judá, e fará delas uma só (Ez 37:16-17). Seu Israel na Terra verá “olho a olho”, pois a luz e a alegria da salvação de Sião serão transmitidas, com santa velocidade, dos mensageiros nas montanhas aos sentinelas da cidade, e deles ao povo, e dos povos para as nações (Isaías 52:7-9) – e, entre o povo celestial, os filhos da ressurreição, como Jó e seus amigos, “o que o é em parte será aniquilado” e “o que é perfeito” virá.
J. G. Bellett
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