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Foto do escritorJ. G. Bellett (1795-1864)

Os Patriarcas (Jó 1 - Parte 13/18)

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ÍNDICE


 

Os Patriarcas

John Gifford Bellett

 

Parte 1


“Atrás de um cuidado carrancudo Ele esconde um rosto sorridente.”

 

Isto certamente pode ser dito, após a leitura desta história profundamente comovente. Dito também com peculiar adequação e plenitude de verdade, como se o pensamento do poeta Cristão tivesse sido sugerido pelo relato do historiador inspirado. O olhar austero era especialmente sombrio e opressivo, o sorriso por trás dele era brilhantemente radiante e feliz. O véu era muito grosso, mas a glória interior era muito brilhante. As exultações do Senhor em Seu servo estavam acima do ruído de todas as enchentes.

 

“O botão pode ter um sabor amargo, mas doce será a flor”.

 

Este também pode ser certamente o lema da história. Ora, esperemos apenas um pouco, e o fruto do trabalho será precioso além de qualquer expectativa. O botão era realmente muito amargo, mas a flor era realmente muito doce. Teve que amadurecer sob a poda dos sarmentos e a remoção dos ramos (Is 18:5), mas revela, no final, a habilidade e a paciência de seu divino lavrador. Eu preferiria, no entanto, traçar alguns dos princípios deste belo livro, do que, no início, antecipar mais amplamente a sua moral.

 

Ressurreição 

A ressurreição, chamada pelo Senhor de “o poder de Deus”, ou, pelo menos, uma das formas desse poder (Mateus 22:29), foi dada a conhecer, por diferentes testemunhas, e de várias maneiras, desde o próprio princípio. E deveria ser assim, conectada como está com a redenção, o grande princípio do caminho de Deus e o segredo de Seus propósitos.

 

Foi anunciada na criação da bela cena que nos rodeia, pois o próprio mundo foi evocado da sepultura das profundezas. O material não tinha forma e havia trevas em sua face, mas foi ordenado que a luz brilhasse nas trevas, e a beleza e a ordem surgiram. (Veja Hebreus 11:3.)

 

Declarou-se na formação de Eva. Então, novamente na promessa mais antiga sobre a Semente ferida da mulher. Foi guardada na memória em Sete, dado no lugar de Abel, a quem Caim matou; e novamente na linhagem dos pais antes do dilúvio. Mas ainda mais ilustremente foi publicada em Noé. “Tudo o que há na terra expirará”, diz-lhe o Senhor, “mas contigo estabelecerei o Meu pacto”, revelando assim o segredo de que a Terra deveria ser estabelecida de acordo com o propósito de Deus, como na ressurreição, estabilidade e beleza.

 

Assim, depois destes primeiros pais, Abraão teria uma família e uma herança com base no mesmo princípio. Ele e suas gerações depois dele aprenderam a ressurreição no mistério da mulher estéril que cuidava da casa. A bênção do concerto estava ligada à família ressuscitada. Ismael pode obter possessões e promessas também, mas o concerto foi com Isaque.

 

E mais maravilhosamente ainda, para não nos determos mais em outras testemunhas disso, vemos a ressurreição na abençoada história do “Verbo” que “Se fez carne”. Na verdade, poderíamos ter achado que teria sido de outra forma, pois em Cristo a carne era imaculada. Aqui estava uma coisa santa. Mas, mesmo sobre isso, temos agora a dizer: “ainda que também tenhamos conhecido Cristo segundo a carne, contudo, agora, já O não conhecemos desse modo”. Cristo conhecido por nós agora é Cristo em ressurreição. E isso é suficiente para que saibamos com segurança que a ressurreição é o princípio de toda a ação divina e o segredo do concerto. [Todas as ordens de Suas criaturas em todos os lugares de Seus domínios O testemunham como o Deus vivo; mas na história dos pecadores redimidos Ele é testemunhado como o Deus vivo em vitória. Esta é a Sua glória; e a ressurreição deve ser valorizada por nós como a exibição dela com os lençóis funerários em ordem e o lenço que estava sobre a cabeça, que são os troféus de tal vitória (João 20:6-7). A história dos pecadores redimidos O celebra dessa maneira. Hesitar sobre a ressurreição é revelar ignorância a respeito de Deus e do poder que pertence a Ele (leia sobre isso em Mateus 22:29 e 1 Coríntios 15:34)].

 

Fé na ressurreição 

Mas a ressurreição também tem sido, desde o princípio, uma profissão de fé do povo de Deus; e, sendo tal, era também a lição que tiveram que aprender e praticar, o princípio da vida deles; porque o princípio de uma dispensação divina é sempre a regra e o caráter da conduta dos santos. A compra e ocupação do lugar de sepultura em Macpela nos dizem que os pais de Gênesis aprenderam a lição. Moisés aprendeu e praticou isso, quando escolheu a aflição com o povo de Deus, levando em consideração a recompensa do galardão. Davi a tinha em seu poder quando fez o concerto, a promessa de ressurreição, toda a sua salvação e todo o seu desejo, embora sua casa, sua casa presente, ainda não brotara (2 Samuel 23). Toda a nação de Israel aprendeu isso repetidas vezes por seus profetas, e em breve eles aprenderão e então testemunharão isso para o mundo inteiro, os ossos secos vivendo novamente, a azinheira (ou terebinto) castigada pelo inverno florescendo de novo; pois “qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos?” O Senhor Jesus, “o Autor e Consumador da fé”, em Seus dias, não preciso dizer, praticou esta lição com toda a perfeição. E cada um de nós, Seus santos e povo, é direcionado a isso todos os dias, “para conhecê-Lo, e a virtude da Sua ressurreição, e a comunicação de Suas aflições”.

 

Pela vida de fé os antigos alcançaram bom testemunho. E assim os santos de todas as épocas. Pois “sem fé é impossível agradar-Lhe”; aquela fé que confia n’Ele como Galardoador dos que O buscam diligentemente, que valoriza o invisível e o futuro. Eles, dos quais o mundo não era digno, praticavam a vida de fé, a vida do povo morto e ressuscitado (Hb 11). Estevão diante do conselho nos diz o mesmo. Abraão, José e Moisés, segundo seu relato, foram grandes testemunhas desta mesma vida; e ele mesmo, naquele momento, seguindo o modelo de seu mestre, Jesus, estava exibindo a força e as virtudes disso, pelo poder do Espírito Santo, e apreendendo, pelo mesmo Espírito, os mais brilhantes gozos e glórias disso (Atos 7).

 

Aprendendo o poder da ressurreição 

Agora, acredito que o principal propósito do Livro de Jó é demonstrar isso. É a história de um eleito, nos primeiros dias patriarcais, um filho da ressurreição, designado para aprender a lição da ressurreição. Sua célebre confissão nos diz que a ressurreição era entendida por ele como uma doutrina, enquanto toda a história nos diz que ele ainda precisava conhecer o poder dela em sua alma. Era a profissão de sua fé, mas não o princípio de sua vida.

 

E foi uma lição dolorosa para ele, realmente difícil de aprender e digerir. Ele não gostou (e qual de nós gosta?) de tomar para si a sentença de morte, para que não confiasse em si mesmo, ou nas circunstâncias de sua vida, ou em sua condição por natureza, mas em Deus que ressuscita os mortos. “No meu ninho expirarei”, era o seu pensamento e a sua esperança. Mas ele veria seu ninho despojado de tudo o que a natureza o encheu e com que as circunstâncias o adornaram.

 

Tal é, creio eu, o principal propósito do Espírito de Deus neste Livro. Este honrado e querido santo teve que aprender o poder do chamado de todos os eleitos, de forma prática e pessoal, a vida de fé, ou a lição da ressurreição. E pode ser um consolo para nós, amados, que sabemos que somos pequenos entre eles, ler, nos registros que temos deles, que nem todos foram alunos igualmente aptos e brilhantes naquela escola, e que todos, em diferentes medidas, falharam nela, bem como obtiveram resultados nela.

 

Quão indignamente disso, por exemplo, Abraão se comportou, quão pouco parecia um homem morto e ressuscitado, um homem de fé, quando negou que Sara era sua esposa diante do egípcio, e ainda assim quão maravilhosamente se comportou, como tal, quando entregou a escolha da terra a seu parente mais jovem. E até mesmo o nosso próprio apóstolo, o mais competente aluno da escola, o constante testemunho aos outros deste chamado, e o discípulo enérgico do poder dela em sua própria alma, num momento em que o medo do homem trouxe consigo uma armadilha, torna esta mesma doutrina o disfarce de um pensamento enganoso (Atos 23:6).

 

Encorajamentos e consolações visitam a alma em meio a tudo isso. Feliz é saber que nossa lição atual, como aqueles que estão mortos e cuja vida está escondida com Cristo em Deus, tem sido a lição dos eleitos desde o início – que em muitas ocasiões brilhantes e sagradas eles praticaram essa lição para a glória de seu Senhor, que às vezes eles a acharam difícil e às vezes falharam. Esta história da alma é bem entendida por nós. Somente nós, vivendo nos tempos do Novo Testamento, somos colocados para aprender a mesma lição numa página ainda mais ampla, e segundo o método mais claro, no qual agora nos é ensinada na morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo.

 

A diferença entre justo e devotado 

Há alguma diferença, deixe-me observar, ou melhor, eu diria, distância, entre um homem justo e um homem devotado. Nenhum santo é devoto se não estiver praticando esta lição da qual estou falando. Pode-se dizer que a medida de sua devoção está de acordo com o que ele alcançou, de acordo com a energia que ele está exercendo como um homem morto e ressuscitado com Cristo. No início desta história, Jó era um homem justo. Ele foi bem falado repetidas vezes, diante de seu acusador. Mas ele não era um homem devotado. O sussurro do seu coração, como notei antes, era este: “no meu ninho expirarei”. Ele era aceito, como um pecador que conhecia seu Redentor vivo e triunfante, piedoso e reto além de seus companheiros, mas, apesar disso, quanto ao poder que operava em sua alma, ele não era um homem morto e ressuscitado.

 

Assim também, eu poderia acrescentar, era Agur no livro de Provérbios. Ele era piedoso e de um espírito humilde e que se julgava a si próprio. Ele faz uma boa confissão da cegueira e da perversidade humana, das insondáveis glórias de Deus, da pureza e preciosidade de Sua Palavra e da segurança de todos os que n’Ele confiam (Pv 30:19). Ele era um homem de Deus e andava em um bom espírito. Mas ele não era um homem devotado. Ele não sabia ter abundância nem padecer necessidade. Ele temia a pobreza para não roubar, e as riquezas para não negar a Deus. Ele não estava preparado para mudanças, assim como Jó também não estava. Mas Paulo estava. Ele se rendeu a Cristo, o que eles não fizeram. Segundo o poder que operava em sua alma, Paulo era um homem morto e ressuscitado. Ele estava pronto para ser “mudado de vasilha para vasilha”. Ele foi instruído tanto a ter fartura quanto a ter fome. Ele podia todas as coisas por meio de Cristo que o fortalecia (Veja aquele homem devotado, aquele homem morto e ressuscitado, no final do livro de Atos, nos capítulos 20 a 28). Ele está no meio de um grupo de irmãos em Mileto que choravam, e no seio de uma amorosa família Cristã em Tiro. Mas seriam aqueles os lugares mais verdes da Terra para um santo, onde, se em algum lugar, o pé da escada mística parece descansar, e o coração afetuoso se demora e diz: “Vamos fazer tabernáculos aqui”, capazes de detê-lo? Não. Mesmo ali, o querido e devotado apóstolo carregava um coração totalmente rendido a Cristo. “Que fazeis vós”, diz ele “chorando e magoando-me o coração? Porque eu estou pronto não só a ser ligado, mas ainda a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus”. Ele não seria mantido. E daqui ele segue, ao longo da costa da Síria até Jerusalém, e depois por dois longos anos, separado dos irmãos, em perigos por mar e terra, sob insultos e injustiças, um coração simples e uma devotada afeição, sustentando-o em tudo.

 

Verdadeira santidade 

Uma boa consciência por si só não está à altura de tudo isso. A mera justiça não fará tal jornada. Deve haver aquela singeleza de olhar para Cristo, aquele princípio de devoção, que conta com a morte e ressurreição com Jesus. Jó era justo, mas não estava preparado para um cenário tão alterado como este. Ele adorava o lugar verde e o ninho de penas. As mudanças vêm, e as mudanças são demais para ele. Mas Deus, no amor com que o amou como seu Pai celestial, o coloca na escola para aprender a lição de um filho da ressurreição, para ser participante de “Sua santidade”, a santidade não apenas de um direito ou homem de mente pura, mas a santidade que se convém ao chamado de Deus, a santidade de um homem morto e ressuscitado, alguém da família peregrina, um dos estrangeiros de Deus no mundo (Hb 12:9-10).

 

Jó foi castigado para ser participante de uma santidade como esta. Não que provações e problemas, como os dele, sejam essenciais para o aprendizado desta lição. De fato, é um método muito comum com nosso Pai celestial, em Sua sabedoria. Mas Paulo se dedicou diariamente a praticar essa lição, sem as instruções de tristezas e perdas tanto no corpo como nos bens (Filipenses 3). Na fervorosa labuta do espírito interior, ele se exercitava nisso todos os dias. E nós também deveríamos. Devemos temer o estado de Laodiceia, a satisfação com a condição ou realização presente. O laodiceano não era um fariseu, ou um homem religioso hipócrita. Ele era um professo, talvez, de noções e julgamentos muito corretos, mas num espírito de tolerância própria, não nutria um crescente frescor e vigor nos caminhos do Senhor.

 

Nenhum objeto aqui na Terra 

“Levantai-vos e andai, porque não será aqui o vosso descanso”, diz o Espírito pelo profeta. E por quê? Por que não deve ser o nosso descanso? “Por causa da corrupção”, acrescenta. Ele não diz que é infeliz, decepcionante, insatisfatório, mas está corrompido. A alma vivificada deve extrair da moral e não das circunstâncias da cena aqui, suas razões para se nutrir interiormente é o poder da ressurreição de Cristo. A pomba fora da arca não temeu o laço do passarinheiro, mas não encontrou descanso para a planta do pé no chão não purificado.

 

É humilhante sentar e delinear o que foi tão mal alcançado no poder pessoal. Mas “uma bela luz” pode ser vista “de longe” e, como tal, alguns de nós notam e saúdam as virtudes da vida ressuscitada.

 

Um homem morto e ressuscitado não terá aqui suas fontes nem seus objetivos. Seus princípios de ação serão encontrados em Cristo e suas expectativas no reino vindouro. Ele é transportado de todas as vantagens e adornos da carne para a justiça de Deus, e então, de forma viva e prática, está se esforçando na subida do monte, tendo, em espírito, deixado o nível inferior do mundo, destruindo a força da natureza, e o fascínio das circunstâncias da natureza, e tirando os afetos das coisas terrenais para dá-los àquelas que estão com Cristo no alto. Ele se perdeu, mas ganhou a Cristo. Ele abandonou o curso do mundo que rola morro abaixo e está ascendendo após Jesus.

 

Ele deixa o mundo saber que nunca poderia lhe fornecer seu objeto. No meio de seus reinos e deleites, ele ainda é um estrangeiro. E ele pratica virtudes e qualidades de coração que são de excelência divina. Ele pode, como seu Mestre, esconder a glória para a qual Deus o designou e não ser nada no cenário atual. Abraão não disse a todos os cananeus que encontrou por acaso que ele era o herdeiro do país. Aos ouvidos dos filhos de Hete ele disse: “Estrangeiro e peregrino sou entre vós”. Ele estava contente em ser, e (o que é ainda mais difícil) em ser considerado um homem sem-teto, sem-casa. Assim, Davi, outro membro da família dos mortos e ressuscitados, quando caçado e perseguido pela coisa maligna que então estava no poder, embora o azeite de Samuel estivesse sobre ele, a própria consagração de Deus ao trono, ele não tornou isso publico. Esse foi o segredo e o regozijo da fé. Mas ele não o publicou. Ele não negociou isso entre os homens – ele não falou de si mesmo em conexão com aquilo que o mundo poderia valorizar. Ele não era, em sua opinião diante dos homens, nada melhor do que “um cão morto” ou “uma pulga”.

 

Jó satisfeito com circunstâncias 

Oh, fé preciosa! Oh, fé santa e triunfante! Mas esta foi uma elevação que Jó teve que alcançar. Ele não era, de acordo com o poder que operou em sua alma, desta geração. Não que sua condição de vida o tornasse orgulhoso, ou autoindulgente, ou indiferente aos outros. Mas ele valorizava sua condição. Com que eloquência ele a descreve (Jó 29). A minúcia com que ele se lembra disso nos diz com que carinho ele a abraçou. A eloquência com que o descreve (e nada pode exceder isso) revela com que fervor de coração ele se detinha nela, no dia de seu florescimento e beleza. Ele amava sua condição e circunstâncias de vida, seu lugar, seu caráter, sua estima, suas dignidades e elogios entre os homens. Ele era piedoso, verdadeira e admiravelmente. Não havia ninguém como ele na Terra. Mas o seu lugar na Terra era importante para ele. Ele estava bastante pronto para comunicar-se e servir, mas comunicou-se e serviu como patrono ou benfeitor. E ele desejou a continuação; “multiplicarei os meus dias como a areia”, foi o seu cálculo. Consequentemente, o grande fim de sua provação e o propósito de registrá-la. Pois este livro nos conta a história de um santo nos dias patriarcais, ou melhor, a história de suas provações, provações pelas quais ele aprenderia a lição comum, de acordo com a vocação comum, de que somos um povo morto e ressuscitado. Acredito que Jó veio antes de Abraão, mas não veio antes desta lição; pois ela foi ensinada, como vimos, desde o princípio; Adão e Abel, e a linhagem de Sete através de Enoque e Noé, já haviam praticado isso. E Jó, depois deles, é designado para a mesma lição, apenas gravada em linhas um pouco mais profundas e sombrias.

 

Jó aprendendo pela provação 

No geral, acredito, assim foi Jó, e assim foi sua história. Ele era um santo solitário; pelo menos, não ligado aos arranjos dispensacionais, ou à peculiar família do concerto, e antes que o chamado de Deus fosse manifestado na pessoa de Abraão. Isto, no entanto, agrega um valor extraordinário ao Livro. Pois é um testemunho da religião do povo de Deus na condição mais desapegada e independente. O tempo e o lugar não a conectam de forma alguma com a ordem eclesiástica ou o curso das coisas. Mas ainda assim, a fé dos eleitos de Deus era a sua fé, as verdades deles eram as suas verdades, o chamado deles era o seu chamado, as esperanças deles eram as suas esperanças. Temos Adão, e Sete, e Noé, e Sem, e Jó, e Abraão, Moisés, profetas, apóstolos e nós mesmos, até que o número dos eleitos seja completado, aprendendo o gozo e o cântico da redenção. Como às vezes cantamos juntos,

 

“Então incontáveis miríades, trajando

 Vestes branqueadas no sangue de Jesus,

 Palmas (como peregrinos descansados) carregando,

 Em pé ao redor do trono de Deus.


 Estes, resgatados de todas as nações,

 Em triunfo abençoará Seu Nome;

 Toda voz clamará,

 ‘Salvação ao nosso Deus e ao Cordeiro.

  

Não apenas, porém, a substância ou os materiais, mas o próprio estilo do Livro está na analogia de todo o volume inspirado. Ele não ensina doutrinas formalmente, segundo o método de uma ciência; em vez disso, assume-as ou permite que se publiquem incidentalmente. Mesmo nas epístolas esta é a maneira comum. A grande revelação de doutrinas feita ali se manifesta, mais comumente, na forma de produzir resultados, ou em resposta a indagações, ou em defesa da verdade contra opositores ou corruptores. Portanto, neste livro as doutrinas são assumidas ou transmitidas incidentalmente; o objetivo mais direto, como sugeri, é este – exibir uma alma colocada para aprender, por meio de provações e tristezas, a lição comum, o poder de nosso chamado, de que nossas esperanças não estão no mundo, nem na carne, mas em cenas vivas, com Jesus, além de tudo o que está aqui.

 

Problemas comuns 

E tudo é profundamente comovente como uma narrativa de eventos difíceis e tristes certamente é, pois os próprios eventos são profundamente tocantes. Mas eles são todos comuns, ou “comuns ao homem”. Ladrões levam seus bois e jumentos. Um raio destrói seus rebanhos. Um forte vento derruba sua casa e mata seus filhos. E, finalmente, uma doença dolorosa irrompe em seu corpo da cabeça aos pés.

 

Cada uma dessas coisas poderia ter acontecido ao seu vizinho ímpio, bem como a ele. Na mera questão dessas aflições, não havia nada que o distinguisse como filho de Deus. Não eram os sofrimentos da justiça causados pelas mãos do homem, os sofrimentos de um mártir. Eles eram tais como os “comuns ao homem”. Mas ainda assim eles estavam todos sob a mais exata inspeção e aferição de seu Pai celestial, todos na forma da indicação e disciplina que fluem dos interesses celestiais e dos relacionamentos divinos. E tudo também era o resultado de grandes transações no céu, pois Satanás tinha estado lá, acusando Jó, e o Senhor tinha Se gloriado em Jó; e o Senhor autorizou Satanás a ir contra Jó, com uma aljava cheia de flechas, mas designou-lhe sua medida e regra.

 

E isso é muito reconfortante. Pois muitos filhos de Deus se perturbam, no dia da aflição, com o pensamento de que sua provação é algo comum, e não há qualquer testemunho de que ele não é “como os demais homens”. Mas tal perturbação é equivocada. Na forma ou no material da aflição, o crente pode estar apenas na companhia de outros homens, é verdade. A mesma tempestade no mar distante, ou a mesma doença em casa, podem tê-los enlutado igualmente; mas a fé leva em conta o relacionamento com Deus e o interesse que, tudo o que diz respeito a um pobre santo, desperta no céu.

 

Grandes participantes da figura divina 

Na sabedoria de Deus, na construção desta bela história (verdadeira como sei que é em cada incidente que ela registra), ela é feita para apresentar todos os grandes atores do mistério divino e para revelar as grandes verdades que formam a fé comum dos eleitos.

 

Isto é para ser muito valorizado; pois declara a harmonia perfeita de todas as porções dos oráculos de Deus, mesmo as mais distantes e independentes. Consequentemente, vemos envolvidos na ação deste livro os anjos que ministram ao prazer divino; Satanás, o grande adversário; o pecador eleito cuja fé foi lançada na fornalha; seus irmãos na fé; o ministro de Deus na energia do Espírito Santo; e o próprio Senhor Deus.

 

Estes são os atores do cenário maravilhoso deste livro; de modo que, embora a ação em si seja simplesmente a provação de um santo, ela é construída de modo a produzir todos esses grandes agentes e energias, os mesmos com os quais nossa alma está familiarizada até este momento, ocupada, também, nos caminhos e lugares que toda a Escritura lhes atribui. E é uma questão do mais rico interesse para nossa alma rastrear isso.

 

Os anjos 

Assim, os anjos ou “filhos de Deus” são vistos aqui por um ou dois momentos, mas exatamente no lugar e na ação que o consentimento geral de toda a Escritura lhes dá. Eles estão atendendo ao Senhor no céu, como aqueles que partiram e estavam prontos para partir novamente, a serviço de Sua boa vontade. Pois toda a Palavra dá testemunho deles. Eles são “espíritos ministradores”, “ministros seus, que executais o Seu beneplácito [Sua vontade – ARA]. Eles são Seus exércitos nas alturas, e o próprio Senhor está entre eles. Gabriel está em Sua presença. Os serafins atendem ao Seu trono e são alados, seja para velar o rosto e os pés diante da majestade divina, ou para voar, como o vento, para executar os comandos divinos. Tudo isso é contado sobre os anjos em toda a Escritura, e aqui os céus se abrem por um momento, e tudo isso é visto e ouvido.

 

Satanás 

O mesmo acontece com Satanás. Este livro está em estrita analogia com todo o volume. “Mensageiros de Satanás” saem da presença de Deus, assim como Gabriel e as hostes. “Espíritos de mentira”, bem como “espíritos ministradores”, iniciam sua jornada e sua comissão a partir de lá. Ele “anda em derredor”, diz um apóstolo, “buscando a quem possa tragar”; como aqui, ele diz de si mesmo, que esteve a “rodear a Terra e passear por ela”. Outro apóstolo nos diz que ele, com seus principados e potestades, está nos lugares celestiais; e aqui o encontramos entre os filhos de Deus, na presença de Deus. E de novo; ele desejava ter todos os apóstolos, para que pudesse peneirá-los como trigo, colocá-los à prova do que eram; e assim aqui era para com Jó. Satanás é chamado em outro lugar de “o acusador de nossos irmãos”, e aqui ele é ouvido como tal. Ele é o atormentador deste servo de Deus, como a Escritura geralmente o apresenta; mas, como também testemunha a Escritura, a sua ação está sob as limitações e soberania de Deus. Jesus, Deus manifestado em carne, ao caminhar pela terra de Israel, deu-lhe a sua medida (Marcos 5); e assim faz Elohim desde o trono, e o olho do Vidente e a voz do Profeta atribuem a Ele também exatamente este lugar e ação. Leia sobre isso em 1 Reis 22 e Zacarias 3. (Os filhos da luz devem esperar as tentativas dos poderes das trevas contra eles. Um momento repentino de conflito não deve, portanto, nos surpreender. Pois estamos destinados a ser o cenário ou teatro de sua derrota por Cristo. É o fato de termos sido “iluminados” que nos expõe. Essa é a sua adequada operação natural. Quanto mais estamos na luz, posso dizer, mais expostos estamos. Foi a beleza da criatura de Adão, o memorial de Jó diante de Deus e o apego do apóstolo a Cristo que os deixaram expostos a Satanás).

 

Mas deixe-me acrescentar que um “mensageiro de Satanás” pode ser enviado desde a presença de Deus sobre a carne ou o coração do homem. Um espírito mau, da parte do Senhor se apoderou de Saul, e um espírito de mentira se apoderou dos profetas de Acabe (Veja 1 Samuel 16; 1 Reis 22). O Senhor estava iniciando atos solenes de julgamento e, portanto, esses mensageiros de Satanás foram enviados ao coração daqueles que estavam justamente sob julgamento. Mas outros mensageiros de Satanás alcançam apenas o corpo ou as circunstâncias, como no caso de Paulo e do nosso patriarca. E isso é apenas disciplina, e não julgamento.

 

Uma escola comum 

Essas analogias são tão estritas e literais quanto podem ser. E, além disso – pois é edificante ainda rastrear isso – encontramos o patriarca na mesma escola com o distante apóstolo dos gentios – tão ricamente um Espírito age por todo o volume. Estamos nos últimos capítulos de 2 Coríntios, ao ler os primeiros capítulos do livro de Jó! Temos o “espinho na carne”, “o mensageiro de Satanás”, tanto em Jó como em Paulo.

 

Controvérsia amarga com amigos 

Depois, quanto a Jó e seus amigos, ou ao eleito cuja fé foi lançada na fornalha, e a seus irmãos na fé. Uma parte muito importante desta história patriarcal é constituída, como comumente sabemos, pelas controvérsias que surgiram entre eles. Eram amargas e acaloradas, um tanto mais do que a medida normal. Mas essas coisas ainda existem e têm existido em todas as épocas.

 

Elifaz, Bildade e Zofar eram realmente amigos e irmãos, embora tenham provado ser apenas “consoladores molestos”. Eles vieram até Jó quando todos o haviam abandonado, as crianças zombavam dele, os jovens o afastavam, seus parentes lhe faltavam, seus amigos íntimos se esqueciam dele, seus servos não lhe davam resposta, e sua esposa o rejeitava, embora ele rogasse sua ajuda por causa dos filhos deles. Eles eram amigos sinceros, que disseram que iriam consolar seu irmão aflito. E eles foram; e se assentaram com ele no seu lugar de cinza e cacos durante sete dias.

 

Mas eles se desentenderam pelo caminho. É triste contar, mas foi assim; não é estranho contar isso, pois sempre foi assim e ainda é. Já nos tempos dos pastores de Abraão e dos pastores de Ló, isso está registrado. José teve que dizer a seus irmãos: “Não contendais pelo caminho”. Moisés conheceu a provação do acampamento muito além da do deserto, quando foi do Egito ao Jordão. Foi a respeito dos Seus que Jesus, em Seus dias, teve que dizer: “Até quando estarei ainda convosco e vos sofrerei?” E Paulo considerou “o cuidado de todas as igrejas” a coisa mais pesada que lhe sobreveio.

 

A variedade de temperamentos, diferentes medidas de progresso, a qualidade da luz e a forma do reino em nós, se assim posso me expressar, ocasionarão conflito e provação, mesmo quando não há nada moralmente errado. Mas seja qual for a causa, ainda é assim, e tem sido assim desde os dias de Jó e seus amigos, que formamos uma grande parte da provação um do outro. O Senhor está assentado sobre tudo isso, refinando Sua prata e purificando Seu ouro, mas ainda assim, ajudamos a aquecer a fornalha uns dos outros para a prova da fé.

 

Ênfase Errada 

Talvez nada tenha sido uma fonte mais comum dessa contenda pelo caminho do que a manutenção de opiniões religiosas favoritas ou uma estimativa indevida e desproporcional de certas doutrinas ou pontos de verdade. E este foi o caso aqui. Jó valorizava certos pontos da verdade, e seus amigos também tinham os seus favoritos. Mas cada um conhecia apenas “em parte” e obscureceu os conselhos perfeitos de Deus. E por causa disso, eles se desentenderam pelo caminho. Jó, gravemente afligido por golpe após golpe, insistiu nisso, que Deus agiu arbitrariamente; e, tendo o direito de fazer o que quisesse, o fez. Seus amigos diziam que Deus agiu de forma retributiva e que, portanto, Sua maneira de lidar com Jó o convenceu de alguma iniquidade não confessada. Suas doutrinas também tinham muito sabor de pensamentos humanos; eles não foram refinados dos resíduos da religiosidade humana. Eles extraíram muito das tradições dos mais velhos e de suas próprias experiências e observações. Eles acreditaram naquele ditado falso, embora favorito na moral do mundo, de que “a honestidade é a melhor política”. “Já pereceu algum inocente? E onde foram os retos destruídos?” (ARA) é o desafio que a religião deles publicou. “As palavras da Sua boca prezei mais do que o meu alimento. Mas, se Ele está contra alguém, quem, então, O desviará?” é o conselho do seu coração. Eles insinuam que se tudo fosse contado, nada seria tão ruim para ele; e ele os repreende, com o desprezo e a amargura de um espírito ferido e de um caráter insultado. “Na verdade, que só vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria”.

 

Tal era a contenda de palavras, as discussões e o debate entre eles; um exemplo tão triste de desentendimento como jamais foi conhecido, posso dizer, entre irmãos.

 

A luz de Eliú vinda de Deus 

Eliú, em quem havia uma “manifestação do Espírito”, finalmente entra em cena, trazendo a luz de Deus para manifestar essas formas de trevas. Ele ouvira os discursos e controvérsias desses irmãos, mas com modéstia e reserva, como convinha à sua idade, na presença de homens anciãos, havia se calado até então. Ele esperou até que uma multidão de dias, que deveria conhecer a sabedoria e falar de entendimento, proferisse a sentença da verdade. Mas agora ele fala. A agitação do Espírito o constrange. Ele fica em silêncio enquanto há uma questão entre Jó e eles, mas não ousa renunciar aos direitos do Espírito nele. Ele não pode respeitar a pessoa de nenhum homem agora. Nos dias de Jó, Deus escolheu a coisa fraca, como tem feito desde então. Eliú era apenas um jovem. Timóteo era o mesmo. Mas os homens anciãos falharam. A pedra de ajuda está em outro jovem de Belém. Pois, do começo ao fim, deve-se saber que o bem que é feito na Terra, Ele mesmo o faz. “Não por força, nem por violência, mas pelo Meu Espírito, diz o SENHOR”. Elifaz e seus companheiros não poderão dizer: “Achamos a sabedoria”; pois “Deus o derrubou, e não homem algum”, disse Eliú sobre Jó.

 

Jó deveria ser repreendido. Ele havia afirmado a arbitrariedade da mão divina ao tratar com o homem e, explicando dessa forma seus sofrimentos presentes, ele era até agora “justo aos seus próprios olhos”. Eliú mostra que isso não era assim; que tudo era a santa disciplina d’Aquele que, conhecendo o fim desde o início, sempre aconselha o melhor para Seu povo. Nem ele, como os outros, tirará proveito de si mesmo, ou dos mais velhos ou dos pais. Ele não se curvará, no caminho da religiosidade humana, a quaisquer nomes ou tradições, por mais venerados que sejam, mas, guiado pelo Espírito, prosseguirá no caminho onde brilha a luz de Deus.

 

Eliú não se juntará para lançar sobre Jó a acusação contra a qual sua consciência verdadeiramente resistiu. Mas ele dirá a Jó que os pensamentos da consciência não devem governar o seu julgamento, nem ditar os seus discursos; que ele deveria antes ter permitido a sabedoria divina em toda essa disciplina dolorosa, do que concluir sobre a arbitrariedade divina nela, só porque a consciência estava limpa. Ele diz a Jó que esta deveria ter sido sua palavra: “Na verdade, quem a Deus disse: Suportei castigo, não ofenderei mais. O que não vejo, ensina-me Tu; se fiz alguma maldade, nunca mais a hei de fazer” (ARF).

 

“Um labirinto poderoso”, dirá a filosofia, “mas não sem um plano”. “Deus é Seu próprio intérprete e Ele deixará isso claro”, dirá um poeta Cristão. E é um pensamento verdadeiro e belo. Mas a sabedoria inspirada aconselha e ensina desta maneira: “Embora digas que não O verás, ainda assim o julgamento está diante d’Ele; portanto confia n’Ele” (Jó 35:14 – KJV). Pois devemos saber que propósitos de sabedoria e bondade governam todos os eventos, embora outro dia tenha que declará-lo. O “julgamento” está sempre “diante dele”, como diz Eliú. E Deus deve ser justificado nos pensamentos de Seus filhos agora, como Ele será na face do céu e da Terra em breve (Mt 11:19; Sl 51:4; 50:4).

 

A alma de Jó começa a se curvar 

Tal pessoa foi Eliú. E é uma circunstância cheia de significado e de beleza moral o fato de Jó não lhe responder, como tinha feito com os outros. Eliú o convidou para falar, se quisesse. Mas ele tinha uma percepção moral, uma consciência no Espírito Santo, que testemunhava a autoridade com que este ministro do Espírito falava. Isso é muito precioso. Quantas vezes, quão comum, é assim entre os santos! Sim, e mesmo além das suas fronteiras, às vezes, sente-se autoridade semelhante. Quantas vezes a presença de um homem santo controlou os ímpios. As multidões nas aldeias de Israel, dessa maneira, às vezes reconheciam o Senhor: “a multidão se admirou da sua doutrina, porquanto os ensinava com autoridade e não como os escribas”. E a falta disso é dolorosa. Não ficamos muitas vezes, amados, afligidos ao ver o coração e o entendimento de outros indiferentes àquilo que chegou à nossa própria alma com toda a autoridade da verdade e no frescor da unção divina? Mas Jó não nos causa essa aflição. E ele é um homem muito querido pelos santos, como ele era pelo bendito Senhor que o estava afligindo assim. Eliú falou com ele no Espírito, e sua alma se curvou à autoridade de sua palavra. Ele não poderia tratar Eliú como havia tratado Elifaz, Bildade e Zofar. Ele pode ainda não estar humilhado, mas não pode ficar irado; ele pode ainda não fazer confissão, mas não responderá. O Espírito de Deus no ministério de Seu servo entrou em cena e Jó, no mínimo, ficará em silêncio. (O conhecimento da verdade por si só nunca assegurará um ministério feliz ou proveitoso. Se nos basearmos apenas em nossos estoques ou possessões de conhecimento, nos encontraremos confusos. O frescor do Espírito em nós, e o exercício de nosso dom sob direção d’Ele, no momento do ministério, também são necessários).

 

A voz de Deus 

O Senhor, porém, é Aquele que ensina para proveito. Existem diversidades de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Paulo planta e Apolo rega, mas é Deus Quem dá o crescimento. E, em analogia com essas verdades, prossegue a ação deste belo livro. A voz de Deus vinda do redemoinho torna o testemunho do ministro talentoso eficaz para a consciência e o coração de Jó. Numa série de desafios relativos às coisas naturais, aquela voz, poderosa e ainda assim graciosa, dirige-se a ele. Tem sido dito por aqueles que são competentes para fazer tais perguntas que nada em toda a extensão da linguagem pode igualar, muito menos superar, a inimitável grandeza e sublimidade deste discurso. E todos nós podemos ver que ela faz aquilo que pertence ao poder divino – o queixoso é humilhado. “Bem sei eu que tudo podes” ele confessa Àquele cuja mão poderosa poderia exaltá-lo no devido tempo e, depois de ter sofrido um pouco, foi capaz de fortificá-lo, fortalecê-lo, e confirmá-lo (1 Pedro 5).

 

Aprendendo os direitos de Deus 

Não foi a lição de um pecador que Jó teve de aprender. Ele já conhecia a graça de Deus. Era a lição de um santo que ele precisava que lhe fosse ensinada, ou ensinada mais perfeitamente. É para isso, portanto, que o Senhor Se assenta no redemoinho. Se Jó tivesse então, e pela primeira vez, aprendido a lição de um pecador, o Senhor preferiria ter Se dirigido a ele com “uma voz mansa e delicada”, o tom que convém à graça, e no qual ela busca e se deleita em ser ouvida. Mas Jó já era um pecador salvo. Ele já conhecia a graça, mas ainda precisava aprender os direitos de Deus. E, portanto, é a voz do redemoinho. Pois o santo tem que contar com uma aparente aspereza que o pecador nunca experimenta. João foi deixado na prisão, quando todas as doenças e enfermidades do povo eram atendidas. O Senhor, em Seu caminhar de misericórdia e de proveito para com todos os que d’Ele precisavam, pôde muitas vezes ter passado perto das portas da prisão, mas Ele não as abriu, como poderia ter feito, embora estivesse, o tempo todo, dando visão para os cegos e audição aos surdos. Será que João era menos amado? Não. Entre os que nasceram de mulher não houve nenhum igual a ele. E será que Jó foi menos amado, porque foi abordado com o redemoinho? Não. Não havia ninguém como ele na Terra, um homem íntegro e reto. Mas já conhecendo a graça de Deus, ele agora deveria aprender e reconhecer Seus direitos. E ele os aprende e os confessa. E ele os confessa e se curva diante deles, antes que a pressão da mão poderosa fosse removida, e isso enquanto ela ainda pesava sobre ele. Isso é para ser muito observado, muito valorizado. Pois esse é um belo testemunho de que Jó realmente aprendeu a lição, aprendeu-a espiritualmente, aprendeu-a na graça e na energia do ensino divino. É fácil e comum reconhecer o benefício de um castigo quando ele termina e depois dizer: “eu não poderia ter ficado sem ele”. Isso não está além do alcance da natureza. Mas enquanto o fardo ainda é suportado, justificar e bendizer a mão que o impõe, é algo além. Enquanto ele ainda estava assentado no lugar de cinzas e cacos, e as chagas malignas atormentavam seu corpo desde o alto da cabeça até a planta dos pés, Jó disse: “Eis que sou vil; que Te responderia eu? A minha mão ponho na minha boca. Uma vez tenho falado e não replicarei; ou ainda duas vezes, porém não prosseguirei”.

 

Tal era a moral e tal a questão desta ação simples, mas importante. Uma lição tinha que ser ensinada a um filho de Deus. A sabedoria humana, e também a religião, se propõe a ensiná-la, mas revela sua própria fraqueza e desonra. Um ministro do Espírito, à luz do Senhor, repreende o pensamento do homem, expondo o sábio, o escriba e o inquiridor deste mundo, e aplica os princípios da verdade de Deus. E o poder d’Aquele que opera tudo em todos sela a instrução. As energias humanas e divinas são assim exibidas nos lugares e caracteres que lhes pertencem, uma rebaixada e a outra magnificada.

 

O lugar do livro de Jó nas Escrituras 

Tais são os atores na cena deste livro maravilhoso – anjos, Satanás, o santo provado e seus irmãos, o ministro de Deus na energia do Espírito, e o próprio Senhor. Eles ocupam o lugar e praticam as ações que, como vimos agora, toda a Escritura lhes atribuem respectivamente.

 

Este livro, como observei antes, é um livro independente. O mais independente, posso acrescentar, de todos do volume inspirado. No progresso da revelação, não declara nada antes, nem qualquer outra parte dessa revelação considera isso necessário. A história de Jó não está ligada à do povo de Deus, nem promove, de forma alguma, a manifestação dos propósitos de Deus. Mas, peregrina e estrangeira como ela é, fala exatamente a mesma língua. O mesmo Espírito age aqui, a mesma luz brilha aqui. E isso acontece não apenas na naturalidade daqueles que são apresentados como atores nas cenas, mas também nas verdades e doutrinas assumidas ou afirmadas. A corrupção da natureza, como encontrada na semente de Adão – o valor de um sacrifício como uma propiciação a Deus – um dia de julgamento vindouro – ressurreição e vida – estes estão entre os pensamentos comuns aqui. Mas, mais belo e impressionante do que tudo é o conhecimento que se tem da pessoa e do dever do Parente, um mistério bem conhecido na Escritura e, por toda a Escritura, em grande parte, embora silenciosamente referido, embora muito comumente não percebido – um mistério que segue todas as grandes verdades que são características da obra de nossa redenção.

 

Nutrido e cuidado 

Este assunto é grande demais para ser plenamente considerado aqui, mesmo que eu tivesse a graça e a luz para fazê-lo. Mas é tão feliz, e sugerido pela conhecida confissão de fé de nosso patriarca, que não posso deixá-lo de lado.

 

Nosso apóstolo diz: “ninguém jamais aborreceu a sua própria carne, mas a nutre e dela cuida” (TB). Um modo necessário da natureza é aqui assumido, e assumido com aprovação pelo Espírito de Deus. Essa consideração a alguém, a qual cada um de nós está preparado o suficiente para prestar, é divinamente sancionada. E então, com base neste mesmo princípio da natureza, o apóstolo passa a estabelecer a nutrição da Igreja pelo Senhor. “Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à Igreja; Porque somos membros do Seu corpo, da Sua carne, e dos Seus ossos” (ACF). Declara-se que Cristo age em relação a nós com base neste veredicto instintivo da natureza de que o homem deve amar seu próprio corpo. O Espírito Santo, por meio do apóstolo, permite que o nosso coração abraçasse este gozo de que a força desta primeira lei da natureza é sentida por Cristo para conosco, e o dever que ela impõe é reconhecido por Ele. De modo que, se eu puder entender o meu amor por mim mesmo, eu posso entender o amor de Cristo por mim. O dever que tenho para comigo mesmo é reconhecido por meu Senhor como devido por Ele a mim. Só Ele pode me nutrir e cuidar de mim, como eu me nutriria e cuidaria de mim mesmo.

 

Será que algum pensamento, pergunto, a respeito do lugar ao qual o amor do Filho de Deus O trouxe, pode superar isso? Pode a imaginação formar a ideia de um afeto mais intenso e devotado? Impossível. Se pudesse, Cristo o encarnaria, e Seu Espírito o revelaria, pois Seu amor “excede todo entendimento”.

 

Mas embora esta possa ser a expressão mais maravilhosa deste amor, ainda há outra do mesmo caráter. Há outro dever devido às reivindicações semelhantes da natureza, que da mesma maneira foi adotado e reconhecido pelo Senhor – o dever do parente ou dos relacionamentos naturais.


J. G. Bellett

 


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