Os Evangelistas - Parte 6/22 (Lucas caps. 1-4)
- J. G. Bellett (1795-1864)
- 25 de fev.
- 27 min de leitura

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ÍNDICE
Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos
J. G. Bellett
Parte 6
Introdução ao Evangelho de Lucas
Cada um dos quatro Evangelhos tem seu próprio propósito. Consequentemente, este evangelista, Lucas, embora escrevendo como outra testemunha das mesmas verdades divinas, dá ao seu Evangelho peculiaridade e caráter. Embora concorde com outros em testemunho geral, o Espírito de revelação tem um desígnio especial por ele.
Mas todo esse diferente serviço do mesmo Espírito pelos diferentes evangelistas não é incongruência, mas plenitude e variedade. O azeite com o qual Arão foi ungido, e que era misticamente a plenitude e virtude que repousa em nosso adorável Senhor, era composto de diferentes aromas – mirra, cálamo, cássia e canela (Êx 30). Podemos dizer que é o ofício de um evangelista após o outro produzir diferentes partes neste raro e doce composto do santuário, para contar diferentes excelências e perfeições em Jesus, o Cristo de Deus. Pois quem poderia contar tudo? Era gozo e honra suficientes para um servo, por mais favorecido que fosse com revelações tão próximas, traçar até mesmo uma delas. O santo tem o doce proveito de todos juntos; e, em linguagem preparada para ele, pode se voltar para o Amado e dizer: “Suave é o aroma dos Teus unguentos, como unguento derramado é o Teu nome” (ARA).
Agora, no meio desse serviço variado assim distribuído entre os evangelistas, Lucas ocupa seu lugar peculiar. Em Mateus, o Senhor encontra o Judeu como o Messias; em Marcos, Ele encontra um mundo necessitado como o Servo dessa necessidade; em João, Ele encontra a Igreja ou família celestial como o Filho do Pai, para treiná-los para seu lar celestial; mas aqui, em Lucas, Ele encontra a família humana, para falar com eles como o único Filho do Homem sancionado.
“Filho do Homem” é um título de significado muito extenso. Ele expressa o homem em sua perfeição, um homem segundo Deus. Ele nos diz, por assim dizer, que o homem é algo novo em Jesus; e que n’Ele vemos toda a beleza humana ou moral possível. Mas não somente toda essa perfeição moral é expressa pelo título “Filho do Homem” quando aplicado a Jesus, mas todos os Seus sofrimentos e todas as Suas dignidades estão conectados a Ele como tal. Como Filho do Homem, Ele foi humilhado (Salmo 8); mas como tal, Ele também é exaltado à destra da Majestade nas alturas (Salmo 80). Como tal, Ele não tinha onde reclinar a cabeça (Lucas 9:58); mas como tal, Ele também vem ao Ancião de dias para tomar o reino (Daniel 7:13). O julgamento é confiado a Ele como tal (João 5); e como tal, Ele é Profeta, Sacerdote e Rei; Herdeiro e Senhor de todas as coisas; Cabeça e Noivo da Igreja. Como Filho do Homem, Ele tem poder na Terra para perdoar pecados (Mateus 9:6); e é Senhor do Sábado (Marcos 2:28); embora, como o mesmo, Ele tenha permanecido três dias e três noites no coração da Terra (Mateus 12:40). Ele foi o cansado Semeador da semente, e Ele será o glorioso Ceifador da colheita, como Filho do Homem. Ele foi crucificado e ressuscitado como tal (Mateus 17:9, 22-23); mas o tempo todo, como tal, teve Seu devido lugar no céu (João 3:13-14). E, como o Filho do Homem, Ele é o Centro de todas as coisas, celestiais e terrenais (João 1:51). Pois foi no homem que Deus, no passado, estabeleceu Sua imagem; e quando o primeiro homem, que era da terra, arruinou aquela imagem, o Filho de Deus Se comprometeu a restaurá-la, cumprindo no homem o propósito divino por meio do homem, colocando o homem naquela posição de honra e confiança que Deus havia providenciado para ele no passado.
Assim, este título ou nome do Senhor, “Filho do Homem”, é extenso, abrangendo e se ligando à Sua Pessoa, com toda a Sua tristeza, e com todas as Suas dignidades também, exceto aquelas, é claro, que Ele possui em Si mesmo, sendo “sobre todos, Deus bendito eternamente”. Ele é o Homem ungido, o templo humano imaculado erguido no princípio pelo Espírito Santo, e então preenchido por Ele (Lucas 1:35; 4:1). Ele é o Homem humilhado, que trabalhou arduamente em tristeza aqui, até a morte na cruz (Filipenses 2). Ele é o Homem exaltado, coroado agora com glória e honra, e em breve terá todo o domínio (Hebreus 2).
E como “Filho do Homem” Ele trata com o homem; e nessa ação, creio eu, o evangelista Lucas especialmente O apresenta a nós. Neste Evangelho Ele conversa com a família humana. Ele veio, como o Homem ungido, para exibir o homem de acordo com a mente do céu, representando o Deus bendito no meio da família humana, que havia se revoltado profundamente contra Ele. Ele era o único Justo e Imaculado; e assim, crescendo nesse meio, Ele expõe tudo em redor.
Esse era o Seu propósito. E para que Ele pudesse fazer isso perfeitamente, e exibir, em Si mesmo, o Homem segundo Deus, e, em todos ao Seu redor, o homem desviado para o mal, Ele é eminentemente o Social neste Evangelho, visto na relação humana, e em lugares públicos, carregando assim o Homem ungido a todos os lugares, para ser encontrado e lido por todos.
Seguindo esse padrão, nós O temos aqui em Lucas.
E eu poderia observar a aptidão do escritor para a tarefa peculiar que lhe foi atribuída. Pois ouvimos falar de Lucas na história divina como o companheiro do apóstolo dos gentios (Atos 16:11; Colossenses 4; 2 Timóteo 4; Filemom 24). Ele se associou no trabalho com alguém cujo ministério, eu posso dizer, não respeitava nem Judeu nem grego, mas se dirigia ao homem como tal. E, de fato, acredito que o próprio Lucas fosse um gentio. Seu nome é de caráter gentio, e ele parece ser distinguido em Colossenses 4:14 dos irmãos que eram da circuncisão.
E agora, tendo assim reunido o propósito geral do nosso Evangelho, e considerado a pessoa de seu escritor, eu o seguiria em sua ordem. Mas nada menos do que o gozo do Senhor em nós mesmos, e Seu louvor nos pensamentos de Seus santos, deveria conduzir um passo adiante mesmo em caminhos santos como esses. Deveria ser o deleite comum de todos os Seus santos segui-Lo em todos os Seus feitos. Pois onde devemos ter nossos regozijos eternos senão n’Ele e com Ele? O que, amados, é adequado aos nossos deleites, se não Jesus e Seus caminhos? O que há em qualquer objeto para despertar alegria que não encontramos n’Ele? Quais são aquelas afeições e empatias, que comandam ou acalmam nosso coração que não são conhecidas n’Ele? O amor é necessário para nos fazer felizes? Se sim, alguma vez houve amor como o d’Ele? Se a beleza pode cativar os sentidos, não está ela em perfeição em Jesus? Se os tesouros da mente nos deleitam em outro, se a riqueza e a variedade nos preenchem e nos renovam, não temos tudo isso em sua plenitude, na mente comunicada de Cristo? De fato, amados, devemos desafiar nosso coração a encontrar suas alegrias n’Ele. Pois devemos conhecê-Lo assim para sempre. E aprender as perfeições e belezas de Sua bendita Palavra é uma das muitas ajudas que temos para promover em nossa alma essa alegria no Senhor.
Sabemos muito pouco sobre isso, se é que podemos falar pelos outros, mas que esta meditação presente sirva a esse propósito em nós, por meio do Espírito, pelo amor ao Senhor!
Será descoberto, eu acredito, muito certamente, que nosso evangelista adota o que podemos chamar de arranjo moral de seus materiais. Há, no entanto, uma bela simplicidade histórica também na ordem dos eventos. E a seguinte distribuição das partes deste Evangelho, que pode ser considerada como uma espécie de índice, mostrará isso.
Primeira Parte – Lucas 1-2
O nascimento e a vida inicial de Cristo
Segunda Parte – Lucas 3-4
Seu batismo, genealogia e tentação
Terceira Parte – Lucas 5 - 9:50
Seu ministério na Galileia
Quarta Parte – Lucas 9:51 - 19:27
Sua viagem a Jerusalém
Quinta Parte – Lucas 19:28 - 23
Sua entrada ali, e tudo o que se seguiu até Sua crucificação
Sexta Parte – Lucas 24
Sua ressurreição e seus resultados
Isso mostra a ordem geral dos eventos, e o arranjo deles é simples e belo. Mas ainda assim, nosso Senhor sendo neste Evangelho especialmente o Mestre, e tratando com homens, encontraremos grandes verdades e princípios em porções destacadas. A mera ordem do tempo é feita para produzir esse propósito moral; e meu propósito neste livro é (junto com meditações gerais), notar o que é característico.
Lucas 1-2
Posso considerar esses capítulos juntos.
E, logo no início, observo algo que é notavelmente característico. Lucas se dirige a seu amigo Teófilo. Sem dúvida, ele era seu amigo em um sentido divino, seu amado no Senhor, seu companheiro no amor de Deus, e ele se dirige a ele na esperança de que, por meio deste Evangelho que ele estava prestes a publicar, seu amigo e irmão Cristão pudesse se firmar e progredir em tudo o que o unia a Lucas. Mas tudo isso era em um estilo peculiar a Lucas. Era de acordo com a graça da afeição humana; pois ele assim atrairia Teófilo com as mãos de um homem. E, além disso, ele lhe conta sobre seu próprio conhecimento pessoal das coisas que estava prestes a escrever, o que nenhum dos outros evangelistas faz, trazendo assim algo do estilo humano para sua santa tarefa. Ele próprio aparece diante de nós, como tendo as faculdades e afeições de um homem exercitado sobre as coisas que o estavam envolvendo, e se dirigindo a outro sobre elas no mesmo tom.
Mas embora suas palavras tomem esse tom, e pareçam fluir nesse canal, como as comunicações de um amigo para outro, ainda assim o Espírito Santo está tão simples e plenamente em cada pensamento e palavra de nosso evangelista como se ele estivesse transmitindo aquilo que ele não tinha conhecimento pessoal algum. Davi sabia que Deus havia prometido levantar Cristo para assentar em seu trono, ainda assim ele falou da ressurreição por inspiração como um profeta (Atos 2). O próprio Senhor entregou mandamentos a Seus apóstolos, ainda assim somos informados de que Ele o fez por meio do Espírito Santo (Atos 1:2). E tudo isso ajuda a nos assegurar da inspiração igual e plena de toda a Escritura de Deus. Seja o Senhor comandando Seus apóstolos, ou Lucas se comunicando com seu amigo, um não é feito meramente no conhecimento pessoal que o Senhor tinha, nem o outro no conhecimento pessoal que Lucas tinha, mas vem a nós sob o selo do Espírito Santo.
Após esse discurso ao amigo, por meio de introdução, Lucas entra em seu assunto, grandioso e bendito como ele é, com toda a simplicidade possível. Nada pode ser mais perfeito em seu tempo. O tom elevado em que João começa sua santa tarefa de delinear o Filho de Deus está bem de acordo com um propósito tão elevado. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Ele dá aviso imediatamente de que tipo de revelação estava chegando. Mas aqui temos algo completamente diferente em estilo, mas igualmente perfeito em seu lugar. “Existiu, no tempo de Herodes, rei da Judéia, um sacerdote”. É como uma simples narrativa, um conto de todo dia, quando a verdade costumava ser clara e sem adornos. A mente é retida por um momento, encantada com a simplicidade disso, e ainda com a habilidade da mão divina que assim conduz os pensamentos, embora nas cenas mais profundas e maravilhosas, ainda assim tão gentilmente, por aquelas cordas cuja força o coração humano conhece tão bem. Pouco podemos imaginar aonde isso nos levará, mas o Espírito de revelação nos segura firmemente pela mão para nos levar aonde Sua graça e sabedoria assim desejarem.
E a cena imediata é muito desse caráter também, sendo colocada no meio de empatias humanas e afeições familiares. Somos informados das circunstâncias que acompanham o nascimento do Batista e seus pais. Mas, por mais simples que tudo isso seja, há segredos nisso.
Zacarias e Isabel aparecem diante de nós como Abraão e Sara, Isaque e Rebeca, Elcana e Ana, de outros dias. Eles estavam numa posição de retidão, mas não tinham filhos. Eles estavam na mesma posição onde o último profeta de Israel havia colocado o remanescente justo, lembrando-se da lei de Moisés e andando nas ordenanças do Senhor irrepreensíveis (Malaquias 4). Mas, contudo, eles não tinham filhos e, portanto, testemunham para si mesmos que toda a sua força deve ser encontrada em Deus, que, pelo mesmo profeta, havia prometido um Restaurador. E toda essa justiça nas ordenanças era tanto uma preparação para o mensageiro prometido, quanto a aceitação posteriormente do mensageiro seria uma preparação para o Senhor do templo. A tais pessoas, portanto, agora é dado o Elias, o mensageiro prometido; e seu nascimento leva, como encontramos aqui, ao nascimento do prometido Senhor do templo (Malaquias 3), diante de cuja face ele deveria ir como o amanhecer precede a plena luz do dia.
E notamos, na maneira desses dois nascimentos, uma diferença que está de acordo com isso. João vem à luz, um filho da promessa, nascido por um dom especial de Deus renovando na mãe uma faculdade natural. Mas Jesus vem à luz, Filho de Deus, nascido, não por qualquer dotação da natureza, mas pelo Espírito Santo, completamente além da natureza. Um é filho de uma esposa estéril, o outro de uma virgem. Mas esta foi uma diferença maravilhosa. Isabel era a mãe dos salvos, Maria era mãe do Salvador. O filho de Isabel era o santificado, o de Maria, o Santificador. Essa era uma imensa distância. Um filho de uma esposa estéril sempre foi um símbolo dos salvos, ou da família de Deus; pois nos fala da graça e do dom de Deus para aqueles que foram encontrados impotentes e carentes (Isaías 54:1; João 1:13; Romanos 9:8). Mas Ele foi o primeiro e único Filho de uma virgem; e isso nos diz que, embora participando de carne e sangue por causa dos filhos, na plenitude de Sua Pessoa Ele estava completamente acima da natureza.
Tal é o amanhecer, e tal é o dia pleno, aqui. Estes são o profeta do Altíssimo e o próprio Altíssimo; o mensageiro, e o Deus, de Israel. Até agora tudo tinha sido apenas trevas. A dispensação da lei (como um concerto de obras) tinha apenas provado que o homem era trevas, e o tinha deixado assim; e (como uma testemunha das coisas boas que viriam) tinha apenas dispensado as sombras deles, que, enquanto agiam como estrelas na noite, diziam que a noite ainda estava pairando sobre a Terra. Mas outro tempo está se aproximando agora – um tempo na qual Deus deveria aparecer, e “Deus é luz”.
Tal tempo é aqui introduzido, e introduzido também com todas as devidas solenidades – solenidades cheias de alegria e liberdade. Tais pessoas sempre esperam no Deus bendito quando Ele Se manifesta. Os fundamentos da primeira criação foram lançados com brados de júbilo (Jó 38:7). E essa foi a garantia do céu de que era propósito de Deus fazer Suas criaturas felizes. E este é de fato Seu propósito necessário, pois “Deus é amor”. E assim nestes capítulos, os fundamentos de outra criação são aqui lançados no Menino de Belém, e novamente tudo é alegria, tanto no céu quanto na Terra. Deus está reaparecendo, e deve haver gozo, pois a tristeza não pode permanecer onde Ele está. “Majestade e esplendor há diante d’Ele, força e alegria, no Seu lugar”. O pão do luto não pode ser comido em Seu santuário; pois o regozijo, assim como a santidade, habitam ali. Assim aqui, tudo é alegria. Hostes de anjos celebram louvores – os pastores repetem as boas novas de coisas boas – os lábios de Maria, Zacarias e Isabel são abertos para contar maravilhas da graça – a expectativa do velho Simeão é respondida – a viuvez de Ana acabou – e o próprio bebê no ventre salta de alegria. Velhos e donzelas, jovens e crianças, todos têm sua parte neste momento de alegria mais rica do que quando as estrelas da manhã cantavam juntas. A alegria da criação, é verdade, logo cessou, e gemidos foram ouvidos em seu lugar; pois o homem rapidamente contaminou a obra de Deus. Mas ainda assim, seus fundamentos foram lançados com cânticos. Assim aqui, essa alegria pode em breve ser silenciada neste mundo maligno, e a filha de Sião pode se provar despreparada para isso; e podemos ter que aprender que os cânticos do céu caem em um coração pesaroso e não recebem resposta da Terra; no entanto, os fundamentos disto, assim como da obra anterior de Deus, são lançados em santa alegria.
Quão maravilhosamente, de fato, esses capítulos surgem diante de nossa vista! Uma longa e triste temporada desde os dias do retorno da Babilônia já havia passado; mas aqui a manhã rompe, os céus se abrem e os desertos de Israel são revisitados.
Quem contava com isso um dia antes? O sacerdote estava no altar costumeiro; a virgem de Nazaré em casa nas circunstâncias comuns da vida humana; e os pastores, como de costume, vigiavam seus rebanhos – quando a glória do Senhor resplandece, e alguém recém-saído da presença de Deus aparece. E Gabriel pode ficar sem reservas no lugar santo com o sacerdote, e sem relutância na pobre morada da virgem. Tais são a tranquilidade e a graça dessas visitas celestiais – felizes promessas de dias ainda mais brilhantes, ainda por vir! Mas Gabriel, o mensageiro, embora esteja no altar, não irá, como o Anjo-Jeová de antigamente (Juízes 13:20), se elevar na chama do altar; nem ele, embora esteja no templo, como Jesus-Jeová depois, falará de si mesmo como maior do que o templo. Pois ele preenche seu lugar como servo, e não assume nada mais alto.
Isso é abençoado. Tudo é abençoado. Mas esses dias terão um original ainda mais brilhante nos dias do reino vindouro: esta tranquilidade e graciosidade e esplendor e alegria serão todos mais do que conhecidos novamente. As promessas serão mais do que cumpridas. Pois este é o caminho do nosso Deus. Ele interpretará a ação de Sua mão, e tornará tudo claro; Ele excederá as promessas de Sua graça, e tornará tudo abençoado.
Eu poderia observar também as magníficas declarações do Espírito por meio de Seus vasos e canais nestes capítulos. Que mente e afeição transbordantes irrompem dos lábios de Maria, Zacarias e Simeão. (Dizem-nos que os Judeus frequentemente escreviam sobre seu Messias sob o nome de “o Menachem”, ou Consolador, pois Simeão aqui é descrito como estando esperando pela “consolação de Israel”; isto é, pelo Messias). E tem sido pensado que isso leva o próprio Senhor a usar a expressão (falando do Espírito Santo, “outro Consolador”). E, oh, quão feliz, quando nosso coração pode fluir um pouco em companhia deles, e ser preenchido com até mesmo um pouco desta mesma afeição espiritual! Mas a alma conhece sua opressão muito bem.
Tal foi então o nascimento dessas duas crianças, e tal a alegria que dos céus e da Terra que o acompanharam, registradas nesses capítulos surpreendentemente belos. No desenrolar dos eventos, temos outras menções a essas crianças santas. Seu crescimento em estatura e sabedoria, enquanto ainda eram jovens, é mencionado aqui, mas apenas aqui. E isso está de acordo com o propósito do Espírito neste Evangelho que já observei. Pois o homem é assim mantido diante de nós. Esses olhares para a infância e juventude do Senhor são todos doces e comoventes em si mesmos, e de acordo com o caráter com nosso Evangelho. Ele é o Menino agora, como Ele será o Homem em breve. Em cada tempo igual e perfeitamente agradável a Deus, consagrando cada período da vida humana. Aqui o vemos em sujeição a Seus pais em Nazaré; em graça, também, com o homem, bem como com Deus. Pois tudo isso era fruto na estação própria. Ele ainda não havia sido chamado para testemunhar por Deus contra o mundo. Quando o tempo para isso chegar, nós O veremos em perfeição também, e recebendo o devido ódio dos homens, assim como Ele agora recebe o devido favor (João 7:7). Mas até agora Ele é apenas o Menino perfeito, em casa, em sujeição aos Seus pais, agraciado com todo o bom ornamento que convinha a Alguém como Ele, e assim recomendando a Si mesmo aos corações e consciências de todos.
A diligência santa em atingir toda a sabedoria piedosa também marca esse querido e perfeito Menino. Cada ano trazia Consigo apenas o crescimento adequado. Mas o próprio Deus era Seu estudo, Seu único estudo; pois o templo, como vemos aqui, era o cenário para a exibição do que Ele vinha adquirindo nesta temporada de santa e diligente aprendizagem. Muitos correrão de um lado para o outro, e aumentarão o conhecimento de vários tipos, obtendo-o nas movimentadas escolas dos homens. Mas todo o conhecimento que este santo Menino buscava ou adquiria, era conhecimento que se adequava ao santuário. Ele não manifestou o fruto de Sua diligência nas escolas, mas no templo de Deus.
O homem, no entanto, está pouco preparado para isso, e assim encontramos isso aqui. Seus parentes na carne não entendem este Menino. Eles estão satisfeitos, talvez, que Ele tenha atrações como um Menino bom; e eles julgam que Ele viria de companhia, detido ali pelo desejo de outros de vê-Lo e observá-Lo. A vaidade de uma mãe pode sugerir isso. (Veja outro exemplo impressionante da mesma mente em Maria, em João 2:3). E quando eles O perdem, eles O procuram onde a carne O teria procurado. Mas Ele não estava lá. E em tudo isso, a pobre natureza humana é exposta. Na vaidade, na busca mal direcionada, no espanto e na repreensão ignorante de Maria, o homem é mostrado. Jesus, o Menino, pode agora começar a expor a natureza corrompida. “Não sabeis?” Ele pode dizer a eles. Certamente este Menino pode dizer: “Tenho mais entendimento do que todos os Meus mestres, porque medito nos Teus testemunhos. Sou mais prudente do que os velhos, porque guardo os Teus preceitos”. E doce é o conforto de tudo isso para nós. Bendito é saber que nosso Deus teve um Objeto, um Filho do Homem também, nesta nossa Terra, no Qual toda a Sua alma Se deleitou. Isso é bendito. Mas somente em relação a Jesus isso é assim. Como um dos nossos próprios poetas disse:
“Houve um Objeto revelado na Terra
Que poderia recomendar o lugar;
Mas agora Ele se foi –
Jesus está com o Pai.”
Lucas 3
Um longo intervalo passou agora antes de chegarmos ao tempo deste capítulo. Como o de Moisés em sua juventude, como posso chamá-lo, o curso de Jesus foi interrompido pelos raciocínios e trevas da natureza. Moisés supôs que seus irmãos teriam entendido como Deus, por sua mão, os livraria, mas eles não entenderam; e sua incredulidade o separou deles por quarenta anos.
Então Jesus, o Maior que Moisés, estava tratando dos negócios de Seu Pai no meio de Israel; mas Seus irmãos não entenderam, e Ele teve que descer para Nazaré, afastado de Israel por mais uma temporada. No entanto, somente Ele pode passar por isso na mesma perfeição diante de Deus. A incredulidade do homem pode mudar o cenário, mas nada tocou o coração deste Santo. Ele desceu para Nazaré para estar em sujeição ali, ainda como um bom Menino crescendo em sabedoria como em estatura, e em graça com Deus e com o homem.
Mas aqui, neste capítulo, entramos completamente em outras cenas e tempos. Os meninos cresceram e estão maduros para serem apresentados a Israel. E justamente neste momento solene nosso evangelista faz um levantamento completo do mundo. Era uma tarefa que pertencia propriamente a ele sob o Espírito, pois o Espírito por meio dele, como eu disse, olha para o homem e trata com o homem. Ele aqui nos que mostra toda a Terra estava quieta e sentada em repouso, pois a besta gentia tinha tudo em ordem, de acordo com sua mente (Zc 1:11). Tibério, o romano, era imperador, seus procônsules estavam em seus vários governos, a própria Judeia sendo um membro de sua força e parte de sua honra. Os sacerdotes também estavam em seu templo. Tudo na Terra, tanto quanto à sua religião quanto ao governo, era exatamente como o homem queria. Mas sob o olhar de Deus, tudo isso era um deserto; e, portanto, em vez de Ele tomar um lugar nele, e reconhecê-lo como repouso para Ele, a voz de Seu servo é enviada para despertar tudo, como Elias nos dias maus de Acabe, e para perturbar o sono do contentamento carnal no qual o homem e o mundo estavam envolvidos.
Os pensamentos de Deus não são de fato como os pensamentos do homem. O sábado do homem era agora um deserto para Ele, e Ele agirá nele como um deserto. A dispensação da lei tinha, a essa altura, testado o homem, e o encontrado irremediavelmente afastado da retidão; e João é agora, de acordo com isso, enviado para convocar o homem a tomar o lugar de um pecador convicto. Ele aponta para o remédio que estava em Deus para alguém assim, mas não o revela como já realizado e introduzido. Ele anunciou a vaidade de toda carne, descobrindo as próprias raízes dela; mas sua mão não carregou a semente de uma colheita melhor. Ele colocou a sentença de morte no homem, mas não lhe trouxe vida. Ele o colocou no pó, mas não lhe deu poder para se levantar. A vida e o poder viriam pelo Filho depois. “João não fez sinal [milagre – TB] algum”. Ele desafiou os violentos a tomar o reino pela força, mas não colocou diante deles uma porta aberta. “Não era ele a luz, mas veio para que testificasse da luz”. Ele se colocou entre Israel e seu Deus, dizendo a Israel, por um lado, que todos eram carne, e que a carne era como a erva; apontando para Jeová-Jesus, Deus de Israel, por outro, como alguém que trazia Sua recompensa com Ele e fazia Sua obra diante d’Ele.
Houve uma mistura de graça e justiça em seu ministério. Ele veio “no caminho de justiça”, afastando-se e recusando contato com o mundo, e assim, por sua luz, repreendendo as trevas. Ele lamentou sua geração, não comendo nem bebendo, porque ele chamava os homens para que se reconhecessem pecadores e tomassem seu lugar como tais. Mas então, ele também veio no caminho da graça, porque ele era o precursor de Jesus, e indo diante da face do Senhor para preparar o caminho da salvação e do reino. Assim, houve uma mistura de graça e justiça em seu ministério, e era claramente um grande avanço tanto sobre a lei quanto sobre os profetas. A lei havia buscado ordenar o homem na carne de acordo com a justiça; e os profetas foram enviados, em certo sentido, como um auxílio da lei, para chamar o povo de volta à obediência, para que toda ajuda e vantagem pudessem ser prestadas ao homem; e a paciência abundante de Deus foi demonstrada, na prova dessa questão, se o homem era ou não capaz de restaurar a si mesmo e permanecer em justiça. Mas o ministério de João assumiu a vaidade de todas as expectativas desse tipo, e tomou o homem como um pecador convicto. Mas então, tal é a ordem santa na sabedoria divina, não era um ministério tão elevado quanto aquele que foi agora introduzido. Os apóstolos, após a ressurreição, chamaram o homem para tomar pela fé o lugar de um pecador perdoado. E assim sobre nós a luz da graça e da salvação atingiu sua força como a luz do meio-dia, e estamos esperando apenas pela luz da glória e do reino.
Com nosso Deus, deixe-me dizer aqui, tem havido, desde o princípio, uma obra muito mais profunda e excelente do que a da velha criação. A velha criação foi, em certo sentido, deixada à disposição do homem. Sua fidelidade ou sua desobediência era o que determinaria sua história. Mas o conselho divino desde antes da criação havia planejado e estabelecido uma obra no Filho e pelo Filho, a qual nunca poderia falhar, ou ser dependente a qualquer força menor que a Sua própria. E é esse mistério que o Senhor tem diante de Si quando diz: “O céu e a Terra passarão, mas as Minhas palavras não hão de passar”. A criação era removível; a redenção (a obra do Verbo) é inamovível, porque o Deus vivo uniu-Se a ela. E assim o profeta, dirigindo-se a Jesus, o Filho, diz: “no princípio, fundaste a Terra, e os céus são obra de Tuas mãos; eles perecerão, mas Tu permanecerás”. E assim todas as coisas que são feitas, são abaláveis (Hb 12:27 – AIBB), pois o próprio Deus não está unido a elas; Ele não é seu fundamento. Mas o Verbo estava com Deus, e era Deus, e Se tornou carne, parte necessária (por assim dizer deste bendito mistério de bondade eterna) da própria obra. Ele é a Videira, a principal Pedra da esquina, cabeça do ângulo. Isso dá à redenção uma glória indizivelmente mais excelente do que a criação jamais teve. E assim o Batista, no ministério que temos nesse capítulo do nosso Evangelho, diz: “Seca-se a erva, e caem as flores, mas a Palavra de nosso Deus subsiste eternamente” (Isaias 40). Tudo nesta obra é incorruptível. A semente da vida que ela traz é incorruptível – o corpo com o qual será revestida essa vida é incorruptível – a herança à qual ela nos introduz é incorruptível (1 Coríntios 15; 1 Pedro 1). Deus entrou pela brecha que o pecado do homem produziu na velha criação e uniu-Se à grande ruína de uma tal forma e para um tal fim que será para o louvor eterno de Seu próprio mais bendito nome e também para a assegurada permanência e imperecibilidade de Sua nova criação.
O Salmo 90 parece ser a expressão de uma alma que aprendeu algo desse mistério. O profeta olha para o próprio Deus como acima de toda força criada; ele então traça a vaidade que acompanhou a velha criação; e finalmente encontra seu alívio de tal visão na obra de misericórdia de Deus, ou a obra de redenção pelo Verbo. E isso é assim conosco, amados. A obra do Verbo, ou de Deus manifestado em carne, é o alívio de nosso coração do doloroso senso da vaidade universal ao nosso redor. O ministério de João pode levar a alma a esse senso de vaidade, mas restou a Outro nos dar esse bendito e seguro alívio em Si mesmo, e em Sua obra que permanece para sempre.
Mas isso apenas de passagem, à medida que avançamos, em conexão com o ministério do Batista que este capítulo nos dá. A genealogia do Senhor é então rastreada até as fontes da família humana; não apenas até Davi e Abraão, como em Mateus, mas até Adão. E isso, não preciso dizer, está de acordo com a mente geral do Espírito em Lucas, como já mencionei. E a ausência de todas essas genealogias em João é, da mesma forma, inteiramente consistente. Pois as genealogias reconhecem relações humanas ou nacionais; e a preservação delas, como é feito nas Escrituras Judaicas (ver 1 Crônicas, e assim por diante), mostra um zelo pela ordem e manutenção do sistema humano. Esse sistema será sustentado no reino, quando os corações dos filhos se voltarem para os pais, e os corações dos pais para os filhos (Zc 12:10-14). Mas somos instruídos a não nos importar com genealogias (1 Tm 1:4; Tt 3:9); pois a Igreja não deve ser a ministra que ordena e mantém o sistema humano, mas é tomada para relações celestiais.
Antes de entrar no capítulo seguinte, gostaria de observar que a filiação de nosso Senhor como Filho de Deus é aqui reconhecida no momento de Seu batismo, como havia sido feito no anúncio de Seu nascimento anteriormente, e estaria novamente em Sua transfiguração depois (Lucas 1:35; 9:35). Mas há valor distinto em cada um desses momentos. O Filho da virgem, concebido pela sombra do Espírito Santo, deveria ser chamado de “o Filho de Deus”. Sua Pessoa foi então reconhecida. Agora, em Seu batismo, a mesma atestação é feita uma segunda vez, com esta adição: “em Ti Me comprazo” (ARA).
Seu ministério agora é reconhecido (pois Seu batismo O estava introduzindo ao Seu ministério), reconhecido como aquilo que despertaria a plena complacência divina. E isso é abençoadamente reconfortante para nós pecadores. A lei nunca foi assim aprovada, pois a lei exigia justiça. João Batista nunca foi assim aprovado, pois ele convencia o homem de sua culpa sem aliviá-lo. Mas agora que o Filho estava surgindo com graça e cura para pecadores, a mente de Deus podia descansar, pois esta era a realização do propósito de Seu próprio amor; e assim agora poderia ser dito do Filho e Seu ministério, ou do Filho em Seu batismo, ou em Sua unção que imediatamente seguiu Seu batismo, “Tu és o Meu Filho amado, em ti Me comprazo”. E em breve, pela terceira vez, Ele será assim atestado, quando a glória ou reino resplandecer por um momento no monte santo. Então essa mesma atestação surgirá com esta adição, “a Ele ouvi”. Mas isso é igualmente perfeito em seu tempo, pois isso O reconheceu em Seu reino – todo joelho deve se dobrar a Ele, e a alma que não O ouvir será cortada do meio de Seu povo. Veja Atos 3:22-23. (Estas palavras, “a Ele ouvi”, foram uma repreensão a Pedro por colocar Moisés e Elias em igual comparação com Jesus.)
Assim, em três ocasiões – no anúncio de Seu nascimento, em Seu batismo e em Sua transfiguração, a Sua Filiação de Deus é divinamente atestada; em outras palavras, Sua Pessoa, Seu ministério e Seu domínio são todos reconhecidos pelo Pai; o pleno deleite de Deus repousando sobre Ele, e a plena sujeição da Terra a Ele é exigida. Deus tem todo o Seu deleite n’Ele, e a Terra deve ouvi-Lo. E depois dessas atestações pela voz do céu, a ressurreição, no devido tempo, vem para confirmar e fechar todas elas por ato e façanha, e para declarar que Jesus é o Filho de Deus “em poder” (Rm 1:4).
Lucas 4
Mas Satanás não podia permitir tudo isso. Jesus reconhecido como Filho de Deus, e isso, também, em conexão com a família humana, como Adão tinha sido (3:22, 38), Satanás não podia permitir. Ele não podia deixar essa reivindicação ser revivida sem contestá-la; pois por meio de sua sutileza o primeiro homem havia perdido sua dignidade. Deus havia criado o homem, e à Sua semelhança o fez; mas o homem havia gerado filhos “à sua semelhança”, contaminados como ele era, e não como uma raça digna de ser chamada “filhos de Deus”. Mas Jesus agora havia aparecido para reafirmar no homem essa dignidade perdida. O diabo deve, portanto, testar Seu título para isso; e com esse propósito ele vem agora para tentá-Lo, dizendo: “Se Tu és o Filho de Deus”. Esta foi uma crise entre o Homem ungido e o grande inimigo do homem. E certamente Jesus Se levantou, e Se levantou na atitude mais elevada de um conquistador. Tudo o que havia cercado Adão, o primeiro homem, poderia muito bem ter argumentado a favor de Deus contra o inimigo. A doçura de toda a cena, a beleza daquele jardim de delícias, com seus rios que se separavam aqui e ali, os frutos e perfumes, com o serviço voluntário de dez mil criaturas tributárias, tudo tinha uma voz em favor de Deus contra o acusador. Mas Jesus estava em um deserto que não produzia nada, mas O deixou com “fome“, e as feras selvagens estavam com Ele, e tudo poderia ter sido alegado pelo acusador contra Deus. Tudo estava contra Jesus, como tudo tinha sido a favor de Adão; mas Ele permaneceu firme enquanto Adão havia caído. O homem do pó falhou, com tudo a seu favor; o Homem de Deus permaneceu firme, com tudo contra Ele. E que vitória foi esta! Que complacência no homem isso deve ter restaurado na mente de Deus! Para alcançar esta vitória, Jesus foi levado pelo Espírito a este lugar de batalha, pois Sua comissão era destruir as obras do diabo (1 João 3:8 – ARA). Ele agora se erguia como o Campeão (Herói – ARA) da glória de Deus e da bênção do homem, neste mundo revoltado, para testar Sua força com o inimigo de ambos, para dar provas de Seu ministério e, no mais elevado grau de louvor, Ele é mais que Conquistador.
Mas Ele foi Conquistador por nós, e, portanto imediatamente sai com os despojos daquele dia, para colocá-los aos nossos pés. Ele esteve sozinho no conflito, mas não estaria sozinho na vitória. Aquele que semeia e aquele que colhe devem se alegrar juntos. Era um antigo estatuto de Davi, que aquele que ficava com a bagagem deveria repartir com aquele que descia para a batalha. E era um decreto digno da graça do “Amado”. Mas um ainda melhor que Davi, Alguém não apenas com graça real, mas também com graça divina, está aqui; e, consequentemente, Jesus, o Filho de Deus, sai do deserto para publicar a paz, curar doenças, atender a todas as necessidades daqueles que eram cativos deste inimigo, e para deixá-los saber o que Ele havia conquistado para eles.
Isso nos conta o caráter da bênção que nós pecadores recebemos da mão do Filho de Deus. Nós a recebemos como despojos de conquista. Pelo pecado, perdemos toda a bênção da criação.
Tudo isso já foi nosso uma vez no Éden, mas nós o perdemos lá; e agora toda bênção é o fruto da vitória de Jesus. E isso dá segurança ao coração enquanto a desfrutamos, pois lemos nosso direito a ela enquanto a tomamos. O Abençoador deu a Si mesmo o direito de abençoar, pois Ele conquistou a bênção antes de conferi-la. Portanto, sabemos nosso direito de sermos abençoados por Jesus, tão certamente quanto Adão sabia que era feliz no Éden. E que dúvida ele poderia ter? Não são águas roubadas que bebemos, nem pão comido às ocultas de que nos alimentamos, mas comida conquistada pelas próprias mandíbulas do comedor, e doçura coletada do forte. Este é o caráter da bênção que o Senhor está dando a nós pecadores. São Seus próprios despojos bem merecidos. E é isso que obtemos aqui. Cheio do Espírito Santo (v. 1), Ele encontrou com o diabo em combate, para resistir e derrubá-lo; cheio do Espírito Santo ainda (v. 14), Ele encontra pecadores com bênção, para curá-los e salvá-los. E, desde esse dia no deserto, Ele esteve no Calvário com aquele que tinha o poder da morte, e ali, pela morte, o destruiu; Ele ressurgiu em ressurreição, novamente para repartir Seus despojos com os pecadores de todo o mundo; e com certeza de coração contemplamos e desfrutamos dessas gloriosas bênçãos.
Mas onde está o pecador para valorizar a bênção e se revestir com os despojos do Filho de Deus conquistador? Essa é a questão, a única questão, agora. O homem não tem apreço pela bênção, e não se importa com uma vitória e seus despojos, na qual o deus deste mundo foi julgado. A sinagoga em Nazaré agora nos mostra o que o homem é, assim como o deserto acabou de nos mostrar o que Satanás é. A bagagem com a qual ficamos é melhor, em nossa estima, do que o fruto da vitória que nosso Davi traz Consigo. Isso agora é visto em Nazaré. O desejo humano é despertado por um momento. Todos se maravilham com as palavras de graça de Jesus, e fixam seus olhos n’Ele; mas essa corrente de desejo humano é enfrentada por uma corrente mais forte de orgulho humano que se opõe a ela, e todo esse deleite na graça de Jesus vai embora. Eles ficam atentos aos Seus lábios por um momento, mas o orgulho que sugeriu “Não é este o filho do carpinteiro?” dominou a atração após uma luta muito curta, e a bondade deles foi considerada como a nuvem da manhã, ou o orvalho da manhã que se vai embora.
E assim é, amados. A inimizade para com Deus e Seu Ungido sairá vitoriosa no coração do homem, sempre que um conflito como esse for levantado de forma clara. Quando é simplesmente entre o mero deleite humano ou admiração por Jesus, e a força da natureza, esta cena na sinagoga de Nazaré nos diz qual será o fim da luta. A bagagem que temos no coração, ou na casa, são mais ouvidas do que a bênção de Deus. Antes, o homem vendeu essa bênção por trinta moedas de prata, e até mesmo por um prato de lentilhas. E este é um pensamento solene. Aquele que confia em seu próprio coração é um tolo (Provérbios 28:26 – TB), pois Deus não pode confiar nele. Não há nada no homem em que Deus possa confiar. Alguns creram quando viram os milagres que Jesus fez, mas Jesus não confiava neles.
Nada do homem natural servirá. “Necessário vos é nascer de novo”. “Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé”. As resoluções cairão diante das tentações, e as amarras do homem serão rompidas por Satanás. Somente a comunhão com Deus na verdade, por meio do Espírito, manterá a alma; a força nativa do mais determinado se despedaçará.
Mas este capítulo nos mostra também que o amor do Filho de Deus não se cansaria nem se desgastaria; pois, deixando Nazaré, Ele desce para Cafarnaum com os mesmos despojos de guerra. Seu amor era mais forte do que toda repulsa então, como, desde então, provou ser mais forte do que a morte. “O amor nunca falha”. E o Filho de Deus ainda está passando por este mundo de pecadores com esses mesmos despojos, tão frescos como se tivessem sido recolhidos ontem, para saber quem se regozijará neles com Ele.
Tal é esse capítulo, que abre o ministério do Filho de Deus, segundo Lucas; e como nesse Evangelho Ele está especialmente tratando com o homem, temos aqui imediatamente exibido de forma impressionante para nós o que o homem é. Como o desenho do pregador. “Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens, e veio contra ela um grande rei, e a cercou, e levantou contra ela grandes tranqueiras. E vivia nela um sábio pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria, e ninguém se lembrava daquele pobre homem”. A sinagoga em Nazaré prova tudo isso contra os cidadãos deste mundo.
J. G. Bellett
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