Os Evangelistas - Parte 14/22 (João 1:19 - 3:36)
- J. G. Bellett (1795-1864)
- há 5 dias
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ÍNDICE
Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos
J. G. Bellett
Parte 14
João 1:19-28
Esses versículos também são um tanto introdutórios; a ação mal pode ser considerada iniciada, pois eles nos dão, em forma de relato, o testemunho do Batista aos Judeus, antes que o Senhor Jesus tivesse Se manifestado a ele como o Filho de Deus. Pois o Espírito de Deus em João tinha tão pouco a ver com o testemunho Judaico, que tudo isso é dado aqui, como acabei de observar, em forma de relato, nos contando o que tinha sido a confissão do Batista aos mensageiros dos Judeus.
João 1:29-42
Aqui, no entanto, a ação se abre completamente. E isso ocorre com o testemunho direto do Batista sobre Jesus, após a manifestação d’Ele como Filho de Deus. Mas tendo dado testemunho d’Ele, o Batista aparece como alguém que conscientemente havia cumprido seu curso. No versículo 35, ele é como alguém que se retirou de seu ministério e estava simplesmente desfrutando daquilo em que tudo resultou – a manifestação do Cordeiro de Deus. Ele é ouvido proferindo a satisfação oculta de sua alma quando disse: “Eis o Cordeiro de Deus”! Pois ele não parece ter dirigido essas palavras aos seus discípulos; mas eles, ouvindo-o assim, em santa e feliz contemplação de Jesus, seguem Jesus. E, amados, é isso que recebe a mesma honra agora. Nosso poder de atrair outros para o Senhor repousa principalmente em nosso próprio gozo e comunhão com Ele. João tinha renunciado a si mesmo e estava absorvido em pensamentos sobre o Cordeiro de Deus; e seus discípulos parecem capturar sua mente, pois o deixam e seguem Jesus.
Este era um verdadeiro ministério, ministério em poder sobre as afeições daqueles que ouviram. Como o apóstolo fala em 1 Tessalonicenses 1:5-6.
Mas por onde, pergunto, os discípulos de João seguem Jesus? Não nos é dito. Em toda a graça o Senhor os encorajou a seguir, e eles vieram e viram onde Ele habitava, e permaneceram com Ele naquele dia; mas por onde foi isso, não sabemos. Eles O seguiram por algum caminho desconhecido, e estiveram com Ele: mas isso é tudo o que aprendemos. Pois o Filho de Deus era apenas um Estrangeiro na Terra; e eles, se estiveram com Ele, deveriam ser estrangeiros também, sem lugar ou nome aqui. E assim é aqui indicado. Esta pequena colheita era para o Filho de Deus, e para o Cordeiro de Deus; mas não era aqui – em princípio, o lugar não pertencia à Terra, pois esta era a primeira mão cheia de trigo para o celeiro celestial, as primícias da família celestial para Deus e o Cordeiro.
O Batista fala de Jesus como sendo realmente antes dele, embora vindo depois dele; e ele repete isso como com um tanto de zelo (vs. 15, 27, 30). E Paulo, referindo-se ao ministério de João, fala dessa característica dele (Atos 19:4). Mas isso é muito abençoado; pois nisso o Espírito Santo, que falou por João, honra Jesus como o grande Objeto de todos os conselhos divinos, a grande Ordenança de Deus, para Quem todas as outras ordenanças apontavam. E, portanto, embora Ele tenha vindo depois deles, Ele era antes deles; e João, como se falasse a mente de todas as ordenanças e ministérios, diz: “O que vem após Mim é antes de Mim, porque foi primeiro do que Eu”. Pois foi somente o Filho que foi estabelecido desde a eternidade (Pv 8:23 – ARA), o Grande principal Objeto de todos os conselhos divinos; e todo profeta e ordenança eram apenas Seus servos, para um testemunho para Ele.
E novamente observo que João e o Senhor não tinham conhecimento um do Outro até que Jesus surge em ministério. João tinha sido criado na Judeia; nosso Senhor na Galileia. Mas quando o Senhor Se aproximou de João para ser batizado, João imediatamente O reconheceu – reconheceu-O sem nenhuma apresentação. Parece ter havido em sua alma alguma consciência de que este era Ele (Mt 3:14). Na verdade, ele já O havia reconhecido antes mesmo de Ele nascer (Lc 1:44). O mundo não O conhecia, mas João O conhece, e assim condena o mundo. Mas ele não O conhece a ponto de dar testemunho d’Ele como o Filho de Deus, até que o Espírito desça e permaneça sobre Ele – pois isso, como João foi admoestado, seria Sua atestação divina.
E mais – devo observar que este Evangelho, em plena consistência com seu caráter geral, nos dá, nestes versículos, o que posso chamar de chamado pessoal de André e Pedro – enquanto Mateus, sem observar isso, nos dá seu chamado oficial. Mas isso está em bela ordem com a mente do Espírito nos dois evangelistas; com tal gratidão e deleite deveríamos notar a perfeição dos testemunhos divinos (Mt 4:18-20).
João 1:43-51
Nestes versículos temos a ação de um período subsequente, chamado “O dia seguinte”. Esta ação é o ministério do próprio Jesus e o fruto desse ministério nas pessoas de Filipe e Natanael.
Isto é algo novo. Não foi uma colheita para Ele como “o Cordeiro de Deus”, em um lugar secreto e sem nome, como a anterior havia sido, mas uma colheita com Ele como Aquele “de Quem Moisés escreveu na lei, e os profetas”. (Isto é característico; é tudo o que quero dizer. Claro, todos os que são colhidos para Jesus, em qualquer tempo, O conhecem como o Cordeiro de Deus). E, portanto, esta é uma amostra, não como a anterior, da Igreja ou família celestial, mas do Israel de Deus que será salvo no último dia, e que será conhecido por Ele em graça, no meio da nação, como Natanael aqui é conhecido por Ele enquanto estava sob a figueira – o símbolo permanente da nação Judaica (Mt 21:19). E eles farão a mesma confissão a Ele como Natanael faz. Eles O reconhecerão e O receberão como o Filho de Deus e o Rei de Israel. E quando isso acontecer, tudo estará pronto para a manifestação da glória, cujo distante vislumbre o Senhor antecipa aqui, e cuja visão, no devido tempo, Ele promete a Natanael, o representante, como vimos, de Seu Israel.
Tudo isso é muito significativo e será confirmado na abertura do capítulo seguinte.
João 2:1-12
Acabamos de ter a Igreja e Israel manifestados separadamente nas duas colheitas para Cristo no capítulo anterior. Consequentemente, temos aqui o “terceiro dia”, ou o casamento, o vinho para o qual o próprio Jesus providenciou.
Agora, essas circunstâncias dão conta da importância mística da cena. Pois o “terceiro dia” (que é o mesmo que o dia da ressurreição), o casamento e o vinho da provisão do próprio Senhor são coisas que, nos pensamentos daqueles que estão familiarizados com a Escritura, estão aliadas ao reino. E assim, não duvido, esse casamento apresenta o reino vindouro do Senhor, onde Ele deve aparecer como Rei e Noivo.
Para este casamento em Caná, o Senhor havia sido chamado como um Convidado; mas no final Ele Se torna o Anfitrião, fornecendo e distribuindo o vinho. Assim, em breve, quando tivermos provado da alegria inferior que nossa habilidade ou diligência possa ter fornecido, Ele mesmo preparará a alegria do reino e beberá novamente conosco do fruto da videira. E por esta ação tranquila e graciosa, Ele transforma a mera festa de casamento de Caná em um mistério e a torna a ocasião de manifestar Sua glória, estabelecendo nela aquele reino que Natanael tinha reconhecido em Sua Pessoa. Ele Se torna o Anfitrião ou Noivo. O mestre-sala envia ao noivo que os havia convidado; como se ele tivesse sido o responsável; mas foi Jesus Quem forneceu a alegria do lugar e que ainda está guardando “o bom vinho” para Seu povo até o fim – até que toda a outra alegria acabe. Jesus era o verdadeiro Noivo. Esta foi a festa onde Ele transformou a água em vinho; assim como Ele, no reino, passará novamente por todas as nossas fontes de alegria e dará o que os olhos não viram, nem o coração do homem concebeu.
E a partir disto, deixe-me aproveitar a ocasião para dizer que devemos cultivar profundamente a certeza de que a alegria é nossa porção, o elemento ordenado ou necessário no qual nossa eternidade se moverá; pois nosso coração costuma “receber a alegria com suspeita”. Mas devemos negar essa tendência e instar e manter o coração em outra direção. Como alguém disse: “a alegria é o que é principal; labuta, perigo e tristeza são apenas subservientes”. E esta é uma verdade cheia de conforto. Quando os conselhos antigos foram tomados, e a ordem da criação planejada, aquela foi uma cena e tempo de alegria divina. O Senhor Se deleitou na Sabedoria então, e a Sabedoria (ou Cristo) Se deleitou nos filhos dos homens e em seu mundo habitável (Provérbios 8). E esta alegria do próprio Deus foi comunicada. Os anjos a sentiram e a reconheceram (Jó 38:7). E, claro, a criação naquele dia de seu nascimento também sorriu.
E a ruína deste sistema, por meio da apostasia do homem, não impediu a alegria, mas apenas mudou seu caráter. A redenção se torna outra fonte de alegria, intensificada e ampliada, e de tom mais profundo. A nova criação será a ocasião de uma alegria muito mais rica do que a antiga havia sido. Que comida o comedor produziu! Que guisado saboroso, que a alma do próprio Jesus gosta! Que doçura saiu do Forte até mesmo para Deus! Que fontes foram abertas nas areias estéreis deste mundo arruinado para o refrigério até mesmo das regiões celestiais!
Toda a Escritura nos dá esse testemunho, e não precisamos repeti-lo mais. Mas sobre os versículos agora diante de nós, não posso deixar de acrescentar (tão doces são essas observações sobre o interesse dos santos nessas coisas), que são os serventes, e somente eles, que são colocados em conexão com o Senhor. Eles estão em Seus segredos, enquanto até mesmo o mestre-sala não sabe nada sobre eles. E a mãe também (parente com Ele segundo a carne) é colocada à distância d’Ele (v. 4). Foram os serventes que foram trazidos para mais perto d’Ele em toda a cena. E assim conosco, amados. Jesus, o Senhor da glória, o Herdeiro de todas as coisas, foi um Servo aqui. Ele “não veio para ser servido, mas para servir”; e aqueles que são mais humildes no serviço ainda são colocados mais perto d’Ele. E no dia em que Ele prover o verdadeiro vinho do reino, Seus servos que O serviram serão, como aqui, dispensadores da alegria sob Ele, e serão distinguidos como estando no segredo de Sua glória. “Se alguém Me servir, Meu Pai o honrará”.
João 2:13-22
Depois de tudo isso, vemos nosso Senhor em Jerusalém, com autoridade purificando o templo e, assim, afirmando as prerrogativas reais do Filho de Davi (veja Mateus 21:12).
A essa autoridade, Ele é desafiado por Seu título, e Ele simplesmente alega Sua morte e ressurreição. (No Evangelho de Mateus, quando o Senhor é desafiado por Seu título à mesma autoridade, Ele Se refere ao ministério de João Batista, e não, como aqui, à Sua morte e ressurreição (Mt 21:23-27). Mas isso apenas preserva a diferença característica dos dois Evangelhos; pois o ministério de João foi o confirmador de Sua autoridade para os Judeus; a morte e a ressurreição a confirmam para toda criatura). “Derribai este templo”, diz Ele, “e em três dias o levantarei”. E assim é. Este é Seu título. Seus direitos e honras como Criador do mundo e Senhor de Israel foram, como vimos, negados a Ele (veja João 1:10-11). Seu título para eles foi rejeitado. E sabemos que Ele adquiriu todo o poder no céu e na Terra por outro título – morte e ressurreição – que deslocou o usurpador e recuperou para o homem a herança perdida. Isso Lhe dá o direito certo e inquestionável a tudo. Os apóstolos constantemente interpretam a morte e ressurreição do Senhor como estabelecendo e selando Seus títulos para Suas muitas coroas e glórias. A pregação de Pedro em Atos 2 é um testemunho disso. Ele diz ao povo de Israel que com mãos perversas eles O mataram, mas que Deus O ressuscitou e O fez Senhor e Cristo. O ensinamento de Paulo em Filipenses 2, entre outras Escrituras, nos diz o mesmo. E neste lugar, em resposta ao desafio dos Judeus, o próprio Jesus bendito alega Sua morte e ressurreição como sendo o Seu título para Suas mais elevadas funções e o exercício da autoridade real e sacerdotal. Porque Ele Se humilhou, Deus Lhe deu um nome que está acima de todo nome. O Filho de Davi, de acordo com o Evangelho de Paulo, foi ressuscitado dos mortos (2 Timóteo 2:8). A coroa de Jesus repousou em Sua cruz à vista de todo o mundo – hebraico, grego e latino (Lucas 23:38). Todo o testemunho, portanto, publica, como o próprio Jesus alega aqui, que Seus sofrimentos O levam às Suas glórias (1 Pedro 1-2), que a morte e a ressurreição constituem Seu título.
João 2:23 – 3:21
Assim, a alegria do reino foi exibida, o poder do reino exercido, e o título do Senhor para o reino estabelecido e pleiteado. Agora, no devido tempo, o título de outros para entrar no mesmo reino com Ele se torna a questão, e esta questão consequentemente é aqui discutida. Este assunto é santo e solene E afeta profundamente a todos nós.
O homem é uma criatura em quem o Senhor, o Criador, não pode confiar. A quebra de fidelidade de Adão no jardim o tornou assim. O homem fez tudo o que pôde para vender a glória de Deus nas mãos de outro. A dispensação da lei provou que ele ainda era indigno da confiança de Deus, e esse caráter é aqui estampado no homem pelo próprio Senhor. “O mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia”.
Ele sabia o que havia no homem, e não conseguia encontrar nada em que pudesse confiar. Que sentença! Não, mais do que isso. O homem, como ele é, nunca pode ser tão melhorado a ponto de Deus confiar novamente nele. As afeições do homem podem ser despertadas, a inteligência do homem instruída, a consciência do homem convencida; mas ainda assim Deus não pode confiar nos homens. Assim, lemos que “muitos, vendo os sinais que fazia, creram no Seu nome. Mas o mesmo Jesus não confiava neles”. O homem nisso estava dando o melhor de si; ele foi movido pelas coisas que Jesus fez; mas ainda assim o Senhor não podia confiar nele. Portanto, “necessário vos é nascer de novo”.
A necessidade de nascer de novo ou, como é comumente expressada, de regeneração, é bem entendida e certamente reconhecida entre os santos. Mas não há um caráter mais simples e distinto no novo nascimento do que é geralmente apreendido? Eu julgo que há. Pois a doutrina comumente levanta na mente uma noção de algo estranho e indefinido. Mas isso não precisa ser assim.
Nicodemos tinha vindo como um aluno a Jesus. “bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus”, ele diz; ao que imediatamente o Senhor lhe responde que ele precisa nascer de novo. Mas Ele não encerra Suas palavras com ele até que Ele o direcione para a serpente de bronze, ensinando-lhe que é lá que ele deve ir para, por assim dizer, colher a semente dessa nova vida necessária.
Em que caráter, então, ele deve tomar seu lugar ali, e olhar para o Filho do Homem levantado na cruz? Simplesmente como um pecador, um pecador consciente, carregando, como o israelita mordido, a sentença de morte em si mesmo. Nicodemos ainda tinha que saber que era como um tal assim, pois ele não tinha vindo a Jesus dessa maneira; e, portanto, ele deve começar sua jornada novamente, ele precisa “nascer de novo”, ele deve chegar a Jesus por um novo caminho, e em um novo caráter. Ele se julgou um aluno, e Jesus um Mestre vindo de Deus; mas ele ainda não entendia que ele mesmo era como um pecador morto, ou como um homem mordido pela antiga serpente, e o Filho de Deus como um Espírito vivificador, um Redentor justificador; e assim o solo de seu coração nunca havia recebido a semente da vida.
O caráter desta vida, esta vida eterna, esta natureza divina em nós, é assim tão simplesmente definido quanto sua necessidade: O segredo dela está em conhecer Jesus, o Filho de Deus, como um Salvador, em vir a Ele como um pecador convicto, olhando para Ele naquela virtude que a serpente de bronze carregava para o israelita mordido. E, como sugerido por outras partes deste Evangelho, é muito doce traçar o caminho de Nicodemos a partir deste estágio. Ele tinha, como vimos, até então se enganado quanto ao seu caminho; mas, embora possa lhe dar uma jornada mais longa, isso prova, a partir da direção que Jesus aqui lhe dá, no final, uma jornada correta e segura. Pois, no próximo estágio, o vemos defendendo Jesus na presença do conselho, e encontrando algo da reprovação do Galileu rejeitado (João 7). E, no final, ele está onde o Senhor o dirigiu neste início, no lugar desta serpente de bronze. Ele olha para o Filho do Homem levantado sobre a cruz. Ele vai até Jesus, não como um aluno vai até um mestre; mas ele vai até Ele, e O reconhece, e O honra, não mais à noite, nem meramente na presença do conselho, mas em plena luz do dia, e na presença do mundo, como o Cordeiro de Deus ferido, moído e traspassado (João 19).
Assim, discernimos o caráter, tão simplesmente quanto aprendemos a necessidade, desta nova vida. Descobrimos a semente que a produz. O poder divino, o Espírito Santo, que preside tudo isso em Sua própria energia, trabalha de uma maneira além de nossos pensamentos. Seja o vento ou o Espírito, não conhecemos o caminho dele. Mas a natureza da semente que Ele usa, e do solo em que Ele a lança, são assim tornados conhecidos para nós. Uma é a palavra da salvação, o outro é a alma de um pecador convicto.
E esta vida que flui por toda a família de Deus é espírito – porque Jesus, o Segundo Homem, o Cabeça dela, é “Espírito vivificante” – e “o que é nascido do Espírito é espírito”, como nosso Senhor ensina aqui. Esta é a nossa nova vida. É vida eterna, infalível, permanecendo, seja na Cabeça ou nos membros do corpo onde ela se move, em vitória sobre todo o poder da morte. E nosso divino Mestre diz ainda: “aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus”. Não há entrada lá para ninguém, exceto para aqueles nascidos de novo, e tais nascidos de novo, como vimos, são os pecadores justificados ou vivificados pela palavra da salvação. Não há justos, sábios ou ricos, naquele reino, ninguém que permaneça ali com tal confiança na carne. Esta verdade está assim estabelecida. De forma bendita é assim, para nossa alegria e estabilidade de coração. Pois, embora isso seja muito decisivo, também é muito reconfortante. É muito reconfortante ver que a palavra que diz: “aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino”, por meio disso nos faz saber claramente que, se nascermos de novo, o veremos – nenhum engano ou força de homens ou demônios prevalecerá para nos manter fora dele. Se tomarmos (atraídos sem dúvida pela atração do Pai, no poder secreto do Espírito Santo) o lugar de pecadores convictos e recebermos a palavra da salvação do Filho de Deus – se apenas olharmos, como israelitas mordidos, para a serpente levantada – então já se entrou no reino, a vida agora é desfrutada e a glória será depois. O cântico que então entoamos é ecoado pela eternidade do céu. A visão que então obtemos de Jesus e Sua salvação é apenas ampliada na esfera da glória vindoura. Temos a vida eterna e os princípios do céu em nós.
Mas voltando por um momento a Nicodemos. Posso dizer que, quando o Senhor assim lhe revelou a semente desta nova vida, Ele busca semeá-la nele, semeá-la (onde sempre deva ser semeada, se for para dar fruto) na consciência: pois Nicodemos havia vindo ao Senhor à noite, como se suas ações não pudessem suportar a luz; e, ao se separarem, o Senhor visando, como parece, alcançar sua consciência, diz: “todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas”.
Assim, nosso Senhor ensina a necessidade do novo nascimento por meio da palavra da salvação. Sem ele, Deus não pode confiar no homem; e sem ele o reino de Deus não poderia, como nosso Senhor nos ensina aqui, ser visto ou entrado. Que associação, por exemplo, o irmão mais velho tinha com aquela que era a alegria característica da casa do pai? Nenhuma! Ele nunca teve nem mesmo um cabrito para se alegrar com seus amigos: ninguém, exceto um filho pródigo retornado, poderia receber o anel, a melhor roupa e o bezerro cevado. E assim o reino é um reino tal que ninguém, exceto pecadores redimidos, pode apreender suas alegrias ou ter qualquer lugar nele. Todos lá são “novas criaturas”, pessoas de uma ordem não encontrada na primeira criação. Adão foi feito reto; mas todos no reino são pecadores comprados por sangue. Tudo nele é reconciliado pelo sangue – como está escrito – “E que, havendo por Ele feito a paz pelo sangue da Sua cruz, por meio d’Ele reconciliasse Consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na Terra, como as que estão nos céus”.
João 3:22-36
Depois que o Senhor havia assim discutido com Nicodemos a questão da entrada do homem no reino, Ele é visto por um breve momento prosseguindo em Seu ministério, como Ministro da circuncisão na Judeia (v. 22). Mas vemos isso apenas por um momento; pois reter tais coisas diante de nós não estaria dentro do escopo geral deste Evangelho, que tira o Senhor, como vimos, da conexão Judaica. E na próxima passagem podemos notar o mesmo (vs. 23-24); pois o Batista é visto em conexão com Israel; mas é, da mesma maneira, apenas por um momento passageiro; e para, também, como parece, dar-lhe ocasião, sob o Espírito Santo, de dar um testemunho de Jesus, não em Sua glória Judaica, mas em honras mais elevadas e alegrias mais doces do que Cristo poderia ter conhecido como Filho de Davi (veja vs. 27-36).
Eu, no entanto, me demoraria aqui um pouco; pois esta me parece ser uma ocasião de grande valor moral. João é chamado para a mesma prova que Moisés em Números 11 e Paulo em 1 Coríntios 3.
Josué, que era ministro de Moisés, teve ciúmes por causa de seu mestre quando Eldade e Medade profetizaram no arraial. Mas Moisés o repreendeu, e isso também, não apenas com uma palavra, mas também com um ato – pois ele vai imediatamente para o arraial, evidentemente com o propósito de desfrutar e aproveitar o dom e as ministrações daqueles dois, sobre quem o Espírito acabara de repousar.
Este foi um caminho nobre neste querido homem de Deus. Nenhuma mágoa ou ciúme manchava a bela maneira de seu coração, ou perturbava o fluxo uniforme de sua alma; mas, sendo ele um vaso dotado, rico e abundante em dons do próprio Espírito, ele ainda assim receberia por meio de qualquer outro vaso, ainda que de menor medida, e receberia com gratidão e prontidão de coração.
Paulo, em seus dias, foi convocado para uma prova semelhante. No meio dos santos em Corinto, rivalidades surgiram. Um dizia: “Eu sou de Paulo; e outro: Eu de Apolo”. E como Paulo enfrenta isso? Será que ele triunfa neste dia do tentador, como Moisés havia triunfado? Sim, apenas com uma arma diferente. Com mão firme e coração fervoroso, ele despedaça cada vaso, para que Aquele que enche todos os vasos, e somente Ele, possa receber todo o louvor. “Quem é Paulo, e quem é Apolo?”, diz ele, “nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento”. Esta foi a vitória em uma hora igualmente má, mas apenas de uma forma diferente, ou com outra arma.
Mas como devemos contemplar João, o Batista? Nesta ocasião, ele enfrenta a mesma maneira do tentador. Seus discípulos tiveram ciúmes de Jesus por causa de João. Mas, como Moisés e Paulo, ele permaneceu firme num dia mau, ainda que em uma atitude um pouco diferente. Ele não pode, como Paulo, quebrar em pedaços seu vaso companheiro. Ele não pode dizer: “Quem é João”, e então, “e Quem é Jesus?” – como Paulo diz: “Quem é Paulo”, e então, “e quem é Apolo?” Ele não poderia tratar o nome de Jesus como Paulo trata o nome de Apolo. Mas ele despedaça um desses dois vasos, isto é, ele mesmo, sob os olhos de seus afeiçoados discípulos, e glorifica Jesus, a Quem eles estavam invejando por sua causa, com glórias além de todo o seu pensamento, e tais que nenhum outro vaso poderia conter.
Quão perfeito era tudo isso! Quão belo testemunho é todo esse método de João, ao lidar com tal ocasião, para a orientação e manutenção do Espírito de sabedoria! Jesus, é verdade, era, em certo sentido, um Vaso da casa de Deus, como eram os profetas e apóstolos. Ele era um Ministro da circuncisão. Como João, Ele pregou a vinda do reino. Ele tocou flauta, e João lamentou. Deus falou por Ele, como por qualquer profeta. E assim Ele era, certamente, um Vaso na casa de Deus, como os outros. Mas Ele era de uma ordem peculiar. O material e a moldagem daquele Vaso eram peculiares. E se a ocasião O coloca em questão com qualquer outro vaso, como neste lugar do nosso Evangelho, a honra peculiar que se atribui a Ele deve ser tornada conhecida. João se deleita em ser o instrumento para isso. Ele se deleita, como sob o Espírito Santo, e como em plena concordância com a mente de Deus, em trazer à luz a vara em flor do verdadeiro Arão, florescendo com seus frutos e flores, e expor cada vara adversária em seu nativo estado morto e murcho, para que as murmurações de Israel, os pensamentos afetuosos e parciais até mesmo de seus próprios discípulos, possam ser silenciados para sempre (Números 17). Ele reconhece que todo o seu gozo foi cumprido naquilo que estava provocando o desagrado de seus discípulos. Ele era apenas o amigo do Noivo. Ele havia esperado por um dia como este. Portanto, seu curso estava terminado agora, e ele estava disposto a se retirar e ser esquecido. Como seus companheiros servos, os profetas, ele havia sustentado uma luz para guiar sua geração a Cristo, para conduzir a Noiva ao Noivo; e agora, só lhe restava se retirar. Ele se posiciona aqui, como no final da linha de profetas; e, em seu próprio nome e no deles, deixa tudo nas mãos do Filho. E quando ele assume esse tema (as glórias d’Aquele que era maior do que ele), com que gozo ele prossegue no tema. O Espírito o conduz de um raio dessa glória para outro; e é bem-aventurado quando Jesus é o tema que assim desperta toda a nossa inteligência e desejo. Bem-aventurado, quando podemos, cada um de nós, ser assim voluntariamente nada, para que somente Ele possa preencher todas as coisas.
Que assim seja com os Teus santos, Senhor, pela Tua graça celestial, cada vez mais!
J. G. Bellett
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