Os Evangelistas - Parte 12/22 (Lucas 22 - 24)
- J. G. Bellett (1795-1864)
- 8 de abr.
- 28 min de leitura

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ÍNDICE
Os Evangelistas - Meditações Sobre os Quatro Evangelhos
J. G. Bellett
Parte 12
Lucas 22 – 23
Esses capítulos encontram sua semelhança, de uma maneira geral, em Mateus 26-27 e em Marcos 14-15. Mas ainda assim, como sempre, há marcas e observações distintas.
No início dessas cenas solenes, o Espírito, em Lucas, explica o ato de Judas, como Ele faz depois pela negação de Pedro, ao revelar Satanás como a fonte de ambos. Nem Mateus nem Marcos fazem isso; mas João o faz com ainda mais exatidão, notando o progresso do poder de Satanás sobre o traidor. E essas distinções estão bem de acordo com a mente do Espírito nos diferentes Evangelhos. Mateus e Marcos não tocam na fonte secreta da impiedade, pois ela não havia sido muito notada em Israel; Lucas o faz, pois ele estava olhando para princípios maiores e mais profundos da verdade; e João ainda mais completamente, porque ele alcança mais longe as coisas divinas e o poder espiritual do que qualquer um deles. E isso pode novamente nos dar algumas lembranças de Jó; pois em sua história a fonte das provações dos santos é notavelmente aberta também, o acusador, portanto, aparecendo diante de Deus contra o homem justo, como aqui ele é mostrado desejando peneirar os discípulos como trigo. Mas aqui as fontes de segurança também são abertas, o Senhor dizendo: “Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça”. Isso não temos em Jó.
Novamente: observo que as palavras com as quais o Senhor Se assenta à mesa na Páscoa, a indagação entre os discípulos em um momento como este, sobre qual deles seria o maior, e a maravilhosa graça da resposta do Senhor; o aviso sobre comprar uma espada, ou sobre o estado militante no qual os discípulos agora deveriam esperar entrar; a cura da orelha ferida; o olhar para Pedro; e a reconciliação entre Pilatos e Herodes – tudo isso é peculiar a Lucas, e em harmonia com o caráter de seu Evangelho, nos dando o exercício da graça do Senhor, e também as operações e afeições da natureza em outros.
Então, à medida que avançamos ainda mais, é aqui somente que vemos as afeições das “filhas de Jerusalém” – uma visão bem dentro da visão própria do Espírito em Lucas. E essa companhia de mulheres ocupa um lugar muito peculiar. Elas não tomam parte com os crucificadores, mas ao mesmo tempo não estão no mesmo nível das “mulheres da Galileia”, que, como discípulos, deixaram seus lares distantes e parentes para seguir Jesus. Elas se comovem, com afeições humanas, à vista de Suas tristezas, e retornam batendo em seus peitos; mas elas não parecem recebê-Lo como a Esperança de sua própria alma ou da nação. E ainda assim, em toda a graça, Ele parece recebê-las como um exemplo do remanescente justo no último dia. Mas, de fato, queridos irmãos, podemos dizer, em conexão com este pequeno incidente, que sentimos com muita tristeza, em nosso próprio coração, que uma coisa é render a Jesus o tributo da admiração, ou mesmo das lágrimas, e outra coisa é unir-se a Ele para o bem ou para o mal, através do bem e do mal, diante deste mundo presente; uma coisa é falar bem d’Ele, outra coisa é renunciar a tudo por Ele.
Da mesma forma, é somente nosso evangelista que mostra o desejo de nosso Senhor para com Israel na cruz – “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”. E assim (como é bem conhecido entre nós), é somente aqui que o arrependimento e a fé de um dos malfeitores são registrados. E são essas expressões adequadas e características da graça. Pois assim como os exercícios do coração humano são especialmente convocados neste Evangelho, assim também são os caminhos daquela bondade divina que teve toda a sua expressão e corrente no meio de nós por meio do amor do Filho de Deus. Ele abunda com descobertas do homem; mas o mesmo acontece com as ações graciosas do Senhor; para que o mal e as trevas do homem possam encontrar seu remédio bendito no próprio Deus por meio do Senhor.
Esta conversão do ladrão que estava morrendo foi mais um refrigério para o coração de Jesus nessas horas solitárias e de trevas, como observamos no caso do pobre mendigo cego e de Zaqueu, o publicano. Sua fé, como a deles, era verdadeiramente preciosa. Que Mestre tão pronto foi o Espírito para ele! Num piscar de olhos (para falar assim) a luz do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo irrompeu em sua alma! Ele entende a si mesmo em sua culpa e justo merecimento de julgamento; ele entende Jesus em Sua impecabilidade e legítima posse de um reino! E ele aprende, em sua consciência, que seu único refúgio é passar de seu próprio estado de culpa e exposição para o abrigo e glória de Cristo!
Tem sido dito que não havia fruto nesta pobre alma. Ele nunca fez nada por Cristo. Mas onde, podemos perguntar, está tal fruto para Deus como a própria fé? Não há fruto de fé que glorifique a Deus como a própria fé o faz, fé no evangelho, fé na suficiência e dignidade de Cristo. Porque ela recebe uma revelação que exalta e destaca tudo o que pode ser para o louvor de Deus. Ela admite um relato ou declaração sobre Aquele bendito, que magnifica todas as excelências divinas e tudo o que é digno de Deus.
E este é o Seu próprio propósito nisso. Como o apóstolo diz: “para mostrar... as abundantes riquezas da Sua graça” (Ef 2:7). Este é o Seu propósito, mostrar-Se para que seja conhecido por toda a Sua criação, Quem Ele é e o que Ele é, e assim fazer com que as Suas próprias obras novamente, mas mais gloriosamente do que antigamente, expressem o Seu louvor. E quão abençoadamente este propósito foi respondido na alma deste ladrão que estava morrendo; e como é respondido até hoje na história desta gloriosa conversão! Que nós nunca nos levantemos, como alguns, a indagar sobre o fruto da fé nele, mas leiamos em sua história o propósito de Deus no evangelho de Seu querido Filho, para contar Suas próprias ações “para louvor da glória de Sua graça” (ARA) para sempre. Mas isto somente quando passarmos por esta pequena história, que é peculiar a Lucas.
Portanto, embora sejam apenas pequenas adições, Lucas é o único que chama o Gólgota pelo seu nome grego ou gentio, Calvário; e enquanto em Mateus e Marcos o testemunho do centurião dado a Jesus é: “Este era o Filho de Deus”; aqui é: “Este Homem era justo”.
Mas além de tudo o que me impressiona como característico nestes capítulos está aquela outra declaração do Senhor na cruz – “Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito”. Isto é peculiar, e nos mostra que a mente do Senhor, enquanto passa por Suas últimas horas, não nos é dada da mesma maneira nos diferentes Evangelhos. Em Mateus e Marcos, temos o clamor de deserção consciente: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” – o clamor do Cordeiro ferido e moído. Em João, Ele passa sem referência a Deus ou ao Pai, mas simplesmente, como com Sua própria mão, sela a obra consumada nas palavras: “Está consumado”! Mas aqui é entre esses caminhos que Sua alma é mantida. Não é o senso de deserção, e seu devido acompanhamento, apelo a Deus; nem é o senso de autoridade divina e pessoal; mas é comunhão com o Pai, a declaração de uma alma que dependia d’Ele, e tinha certeza de Seu apoio e aceitação. E isso está perfeitamente de acordo com o nosso Evangelho. É aquele caminho central, por assim dizer, que a mente do Senhor tem tomado durante todo o caminho. Em Mateus e Marcos Ele sente Deus ausente d’Ele; aqui, Ele conhece o Pai como estando com Ele; em João, Ele tem consciência divina de Si mesmo. Todos esses Pensamentos nessas horas tiveram seu curso maravilhoso e santo através da alma do Senhor. Perfeitos em cada exercício de coração, embora vários; e ninguém poderia traçá-los assim, pela pena de um evangelista após o outro, senão o Espírito que os despertou. “Quando o Meu espírito estava angustiado em Mim, então, conheceste a Minha vereda”.
Por este clamor, a vida independente do espírito é plena e formalmente reconhecida. O Senhor, ao morrer, entrega Seu “espírito” ao Pai. Estêvão depois, ao morrer, entrega o seu a Jesus. Um feliz testemunho para nós de que tanto o Senhor quanto Seu servo buscavam algo superior e independente do corpo. Eles buscavam uma condição do espírito. Não era isso o que o ladrão que estava morrendo buscava, mas foi o que, por meio da graça insuperável, ele obteve. Como Judeu, ele buscava um reino futuro; mas seu Senhor que morreria lhe promete vida presente com Ele mesmo no paraíso. Pois “vida” e também “incorruptibilidade” (incorrupção do corpo) são trazidas à luz por meio do evangelho (2 Timóteo 1:10 – JND).
A morte limita o império do pecado e de Satanás. O pecado reina até a morte. O julgamento que se segue à morte pertence a Deus. O inimigo pode seguir até esse ponto, mas não vai além.
“Hoje estarás Comigo no paraíso” foi a palavra aqui para alguém que estava então passando pela porta da morte. O reino que ele esperava, e do qual ele falava, ainda não era; mas a mão graciosa de Cristo era a única autorizada a guiá-lo; e embora não o leve direta e imediatamente para a terra prometida, onde as tribos do Senhor devem compartilhar suas desejadas e duradouras heranças, ainda assim o levará por caminhos dignos de si mesmo, caminhos de luz e vida; pois Ele é o Deus dos vivos somente, e n’Ele não há trevas nenhumas. Deus é o “Pai dos espíritos”; e sendo o espírito entregue, ou ocorrendo a morte, estamos sozinhos com o Deus vivo. O espírito retorna para Aquele que o deu; e nos é dito: “‘Não temais os que matam o corpo’, e depois disso nada mais podem fazer”.
Não temos o testemunho mais completo de que foi assim com o Senhor? Será que as rochas fendidas, a sepultura aberta e o véu rasgado não disseram que Ele era o Conquistador do outro lado da morte? “Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus”. E podemos confiar na única Mão que nos encontra lá também. Pode levar ao paraíso primeiro, e não ao reino até a ressurreição, mas todo caminho será de acordo com a Mão que o abre. Era para levar o ladrão que estava morrendo naquele dia – mas para onde, senão para o paraíso, o lugar onde Paulo teve tais visões e revelações que ele não conseguiu proferir quando retornou à Terra? E para aquele paraíso um malfeitor que estava morrendo e o Senhor da glória que iria morrer (companhia maravilhosa!) iriam naquele dia.
Paulo considerou melhor partir e estar com Cristo. Ele já havia, em certo sentido, experimentado o paraíso (2 Co 12). Pode ter sido por surpresa que ele foi levado para lá. É provável que ele não tenha tido tempo para se preparar para tal jornada e para ele era uma jornada desconhecida, uma estrada não trilhada. Mas havia uma Mão que podia conduzir o espírito sem espanto. E assim conosco. Ouvimos falar da morte repentina e inesperada de santos. Mas Aquele que é o Principal na cena, e que detém as chaves do hades e da morte, não pode ser surpreendido. E, portanto, embora aprendamos com o apóstolo que as visões e audições que ele teve lá lhe deram motivo para se gloriar, elas eram tão exaltadas, mas ele nunca insinua que eram grandes ou altas demais para ele. Seu espírito foi ajustado a elas, pois Aquele que havia preparado as cenas no terceiro céu para ele, no mesmo momento o preparou para elas.
Aquele que nos preparou para a ressurreição em corpos gloriosos não é menos que o próprio Deus, e Ele nos deu o penhor do Espírito; “Pelo que estamos sempre de bom ânimo [confiantes – JND], sabendo que, enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor. Mas temos confiança e desejamos, antes, deixar este corpo, para habitar [estar presentes – AIBB] com o Senhor” (2 Co 5).
E nosso encontro com a morte (entrada neste paraíso, como é para nós), é completamente diferente do encontro de Cristo com ela. Devemos encontrá-la como qualquer dor ou problema na carne, o inimigo usando todos eles para nosso mal, se puder, mas Deus trazendo bênção e louvor. Não há três horas de trevas diante de nós, mas o senso de um amor que é mais forte que a morte. Mas Ele tinha que conhecer aquele tempo como a hora do poder das trevas, como Ele fala neste Evangelho. E Ele tinha que conhecer a plena e justa exigência daquela penalidade (antigamente incorrida por nós), “no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. Esse foi o cálice que Ele bebeu – o cálice amargo, provado no Getsêmani e exaurido no Calvário. Abençoado é para nós que O amamos saber, como Ele fala no Livro dos Salmos, que “o cálice da salvação” também é d’Ele. E Ele o tomará, em breve, no reino, liderando os louvores da congregação no santuário de glória.
E um pensamento cheio de regozijo (se tivéssemos corações para isso) surge aqui – que tudo é exaltado e honrado pela mão do Filho de Deus. Tudo o que foi estragado e destruído por nós é tomado por Ele e, em Sua mão, elevado a um caráter que nunca poderíamos ter lhe dado. A lei quebrada por nós foi magnificada e tornada honrosa por Ele; toda graça humana, todo fruto do solo humano (como vemos especialmente neste Evangelho), foi apresentado a Deus por Ele, e n’Ele, mais fresco e belo do que jamais poderíamos ter oferecido; todo serviço foi prestado à perfeição, e toda vitória conquistada gloriosamente, por Ele, para o louvor de Deus para sempre. E assim a adoração. Que orações e súplicas foram aquelas que Jesus fez uma vez no dia de Sua dor e aflição; e que louvor será aquele que Jesus liderará daqui em diante, quando Ele assim tomar o “cálice da salvação”! Onde poderiam estar os templos que teriam sido preenchidos com tal incenso como o que o Filho traz! Que sacrifícios nosso Deus aceitou assim em Seu santuário! Certamente é um conforto para nós saber disso, pois é no meio de nossas ruínas que esses templos foram erguidos.
Esses pensamentos surgem ao pensar naquele cálice que Jesus bebeu aqui, e naquele outro cálice que Ele recusou no momento, esperando para tomá-lo no reino. Mas eu vou prosseguir, apenas observando novamente, que onde quer que tenhamos notado algo peculiar ao nosso evangelista nesta porção de seu Evangelho, ainda é, como vimos agora, de acordo com o desígnio e a maneira do Espírito por ele. Os grandes materiais são, é claro, os mesmos em todos, pois tudo é fato e verdade; mas a mente do Senhor através de tudo isso é assim variadamente dada a nós.
Lucas 24
Chegamos agora ao capítulo final do nosso Evangelho, e ali, como no lugar correspondente de cada Evangelho, encontramos o Senhor em ressurreição.
Na ressurreição, o Senhor irrompe, carregado com o fruto pleno da vitória completa sobre todo o poder do inimigo. É, em Sua Pessoa, a “tocha de fogo” após a passagem do “forno de fumaça” (Gn 15). O tempo anterior tinha sido a “hora” do homem, “e o poder das trevas” (Lc 22:53), o tempo de Satanás para a manifestação de toda a sua força. Mas onde eles agiram orgulhosamente o Senhor estava acima deles; e este é o nosso conforto, que o inimigo foi enfrentado no auge de sua força e orgulho. A ressurreição do Senhor Jesus foi a segunda manhã na história da criação. Quando os fundamentos antigos foram lançados, “as estrelas da alva juntas alegremente cantavam”. Mas essa obra foi estragada. Adão entregou o reino que havia recebido de Deus nas mãos de Satanás, e a morte entrou. O Filho de Deus, no entanto, também entrou; e como aos homens foi ordenado morrerem uma vez, assim Cristo foi oferecido uma vez (Hb 9). Ele tomou sobre Si a pena, a morte merecida por nós; e assim o túmulo de Jesus é visto pela fé, como o fim da velha criação. Mas Sua ressurreição é a manhã de uma nova e mais gloriosa criação, e os santos, os filhos de Deus, cantam, em espírito, sobre ela. É o barro na mão do oleiro pela segunda vez, para produzir um vaso que nunca pode ser estragado. É o fundamento de um reino duradouro; e esse reino, assim a ser recebido pelo Jesus ressuscitado, o Segundo Homem, Ele não irá, como Adão, entregá-lo nas mãos do inimigo; mas irá, no devido tempo, entregá-lo sem mácula a Deus, ao Pai mesmo, para que tudo possa terminar em “Deus” sendo “tudo em todos” (1 Co 15:24).
Quão bendito é isto – quão gratificante e encorajador, ver o Senhor assim desfazendo todos os poderosos danos da rebelião do primeiro homem, e, no caminho da justiça, reparando a brecha! E quem pode contar a glória daquela ordem de coisas onde a misericórdia e a verdade se encontram! Quem pode entender as riquezas tanto da sabedoria quanto do conhecimento de Deus em tal mistério! E é por isso que Ele Se mostra. Sua glória é vista “na face de Jesus Cristo”. Na obra da graça, e em seus frutos em glória, Deus está Se revelando; de modo que conhecê-Lo, e ser feliz na certeza de Seu amor por meio de Jesus, é a mesma coisa. “Aquele que não ama não conhece a Deus”.
Foi exatamente neste fundamento que, antigamente, Deus buscou ser conhecido como Deus pelos Judeus. Ele reivindicou ser adorado por eles como o único Deus, porque Ele havia Se mostrado como seu Redentor. “Eu Sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de Mim”. Nesta ação, Ele Se fez conhecido como Deus, cheio de graça e poder para pecadores cativos; e se não O conhecemos como tal, não O conhecemos corretamente. Qualquer pensamento sobre Deus em desacordo com isso é apenas o ato da mente de uma criatura obscurecida se ocupando com sua própria idolatria. O verdadeiro Deus é Aquele que Se revela em graça e poder redentores; e, verdade bendita, é conhecer a Deus, consequentemente, conhecer a mim mesmo como um pecador salvo pela graça.
Pela ordem primitiva da criação, a glória foi garantida como a porção de Deus – e a bênção como a da criatura. A serpente enganou a mulher, de modo a levar o homem a buscar a glória para si mesmo: “Sereis como deuses”. E por isso, toda a ordem divina foi perturbada; pois o homem perdeu justamente seu lugar de bênção, nessa tentativa de tomar o lugar de glória de Deus. A obra da redenção restaura essa ordem. Ela coloca as coisas em seu devido lugar novamente. A redenção pela graça faz isso; pois exclui o orgulho e assegura a bênção. Ela reserva o lugar da glória para Deus, e o da bênção para o homem; e esse é o caminho de Deus, de acordo com a ordem da criação, conforme saiu de Sua mão. Ele não pode possuir o homem em seu orgulho, em sua antiga tentativa de ser como Deus; mas tendo-o humilhado e afirmado que a glória é somente d’Ele, Ele então mostrará que a bênção é do homem. Pois, de fato, por Sua própria bondade, a bênção é tanto o devido lugar da criatura, quanto a glória é de Deus. Seu amor, que é Ele mesmo, fez isso assim. Ele certamente levou em consideração o gozo do homem, assim como o Seu próprio louvor. Ele Se mostrará Justo, provendo assim para Sua própria glória; mas Ele também Se mostrará um Justificador, provendo assim para a bênção do pecador. E a ressurreição do Senhor nos diz tudo isso. Ela nos fala tanto da glória de Deus, ao destruir o próprio líder de toda a ofensa, quanto fala da bênção do homem em ter a graça concedida a ele, embora um ofensor. Esta é a lição que ela nos ensina: naturalmente difícil de ser aprendida por aqueles que buscaram se exaltar e pretendem ser como Deus; mas uma lição que, se somos redimidos, devemos aprender; pois a redenção deve restaurar os próprios princípios primitivos e imutáveis de Deus, e colocá-Lo no lugar de glória inigualável e inquestionável, enquanto dá à criatura igualmente o lugar de bênção plena e inquestionável.
O assunto deste capítulo sugere essas coisas à mente, como verdades gerais. Mas no relato do nosso evangelista sobre isso, onde quer que haja algo peculiar, creio que será encontrado como característico também. Assim, a jornada para Emaús, que em detalhes obtemos apenas aqui, apresenta nosso Senhor na graça do Mestre ainda, tratando com os pensamentos e afeições dos homens.
Quando o Senhor estava no mundo antes, Ele Se mostrou igualmente a todos, pois Ele estava atraindo a confiança deles por serviços de amor incansável. Mas agora, em ressurreição, Ele é conhecido apenas pelos Seus. O mundo havia recusado Sua bondade, tinha visto e odiado a Ele e a Seu Pai, e não tinha o direito de vê-Lo agora em Sua exaltação, em Seu caminho para os céus mais altos. Mas aqueles que O amavam no mundo O verão agora. Quinhentos desses, embora anônimos e desconhecidos, O contemplarão, assim como Pedro e João; e O contemplarão também com uma fé tão plena e apropriada quanto a que eles tem. E todos os Seus encontros com eles são em amor e paz. Mas o amor se expressará diferentemente, de acordo com a condição e necessidade de seu objeto. Se seu objeto estiver em tristeza, o amor acalmará; se estiver caminhando na luz, o amor alegrará e aprovará; se se desviar, o amor o levará novamente aos caminhos de justiça. E assim é com o Senhor ressuscitado, que ama para sempre. Assim, Ele Se encontra com Maria para reconfortar seu coração desejoso de Sua presença; Ele Se encontra com Tomé para restaurar sua alma descrente; e, aqui, os dois discípulos, para levá-los de volta pelo caminho pelo qual vieram, pois eles tinham feito sua jornada sob o poder da incredulidade. Tudo era, portanto, o mesmo amor, embora se adaptando diferentemente a seus diferentes objetos. Esses dois precisavam de restauração, e seu Senhor os restaura. A princípio, Ele Se faz estranho, repreendendo-os por sua lentidão de coração; e então, como o Grande Profeta de Deus e o Mestre dos homens, os conduz por todas as Escrituras, até que a luz e o poder de Suas palavras aqueçam o coração deles.
Isto estava cheio de graça divina. Era a restauração da alma no amor do Bom Pastor. Mas ainda dá ocasião a este pensamento – que o Senhor Se deleita na realidade, ou na veracidade do coração. Esses discípulos, enquanto caminhavam, estavam tristes. Essa tristeza era real; era a afeição que se adequava às suas circunstâncias, como eles julgavam que fossem. Eles tinham ficado desapontados. Eles tinham perdido, como temiam, a Esperança de Israel; e se O coração deles era de fato verdadeiro para tais coisas, eles devem ter ficado tristes; e eles estavam tristes. Assim, havia realidade neles, embora também lentidão de coração para crer em tudo o que os profetas tinham falado. E Jesus ama essa realidade. Jesus ama que tudo o que nos diz respeito tenha o selo da verdade nas partes internas. E Ele Se une a esses tristes, para mostrar-lhes que as coisas que aconteceram em Jerusalém, como eles falaram, eram realmente para eles, e não contra eles; e Ele faz com que aquilo que estava abalando sua fé, a confirme. E, em Sua maneira de comunicar isso, há tanta beleza humana, que tudo ainda está de acordo com Seu caminho, sob a mão de nosso evangelista que traça isso.
“E Ele fez como quem ia para mais longe”. Quão perfeito foi aquele pequeno movimento! Que título tinha Ele, um Estranho como Ele parecia ser, para Se impor a eles? Ele apenas se juntou a eles pelo caminho, na cortesia de alguém que estava viajando pela mesma estrada. Que direito tinha tal Pessoa de cruzar a soleira deles? Amados, se Jesus é apenas um Estranho aos nossos olhos, Ele continuará andando do lado de fora. Até que O conheçamos como o Salvador, o Amante de nossa alma, certamente Ele não pede nada. Podemos morar em nossas próprias casas e mobiliar nossas próprias mesas, até então. Mas quando Ele é conhecido por nós como o Filho de Deus que nos amou e Se entregou por nós, então Ele reivindica um lugar em nosso coração e em nosso lar; e então Ele habitará conosco e ceará conosco, por assim dizer, sem ser convidado; entrando, na pessoa de alguns de Seus pequeninos, seja para receber um copo de água fria, ou para ter os pés lavados, em momentos em que, talvez, não estivéssemos esperando por Ele.
E que estejamos prontos, queridos irmãos! De fato, é um estado abençoado, embora duro para nosso coração às vezes. Sempre prontos e à disposição da necessidade uns dos outros; assim acolhendo, não apenas anjos, mas o Senhor dos anjos e o Amigo dos pecadores.
Mas até agora, nesta ocasião, para estes dois, Ele era apenas um Estranho; e, portanto, Ele os deixaria em seu descanso e refeição a sós, embora o dia já houvesse declinado. Mas, oh, o adorno que estava sobre Ele! O ornamento de um espírito perfeito agraciava cada pequena passagem de Sua vida. Que dignidade, quando dignidade era a coisa; que ternura, quando isso, por sua vez, era necessária! Se o homem tivesse percepção para isso, que formas de beleza moral teriam passado continuamente diante dele, nas ações e idas deste perfeito Filho do Homem! Nunca, por um único momento, houve a menor perturbação no comportamento moral de tudo o que estava ao Seu redor. Mas o homem não tinha olhos ou ouvidos para Ele. Quando ele O viu, não havia beleza que o desejasse. A verdadeira beleza não era beleza aos olhos do homem. Nada dessa perfeição estava de acordo com o homem. Mas às vezes, pela graça, havia o ardor do coração. E assim é aqui. Esses dois felizes reconhecem o poder de Sua presença e encontram sua alma restaurada e seus pés guiados de volta à cidade, pelo caminho pelo qual tinham vindo e que para eles era novamente o caminho da justiça.
Este é o caminho da graça do Senhor ressuscitado para aqueles dois discípulos. E este é bem o Seu caminho neste Evangelho. Então, no que se segue na companhia maior em Jerusalém, temos as marcas do nosso Evangelho ainda tão frescas como sempre. Pois ali o Senhor é especialmente cuidadoso em comprovar Sua Humanidade – para mostrar que Ele não era outro senão o Filho do Homem ressuscitado dos mortos. Ele estabelece isso primeiro, mostrando-lhes Suas mãos e Seus pés, e então tomando um peixe assado e um favo de mel, e comendo diante deles. E assim O vemos, o Homem, diante de nós ainda; uma vez o Homem ungido, e agora o Homem ressuscitado. E tendo assim aprovado a Si mesmo, Ele trata com eles como homens, agindo como seu Mestre, de acordo com Seu lugar costumeiro neste Evangelho, abrindo as Escrituras para eles, e seus entendimentos para as Escrituras. E tendo assim selado para eles este fruto da ressurreição, o entendimento aberto, Ele lhes promete “poder lá do alto” (TB), para que eles possam ser testemunhas das coisas que agora aprenderam.
Este “poder lá do alto” é, naturalmente, uma descrição do Espírito Santo, chamado também de “a promessa do Pai”. Mas isso sugere o Espírito Santo sob uma manifestação especial, e tal Um, também, como ainda é de acordo com o caráter do nosso Evangelho. Nem em Mateus nem em Marcos é falado sobre esse Dom Divino do Senhor ascendido. Mas em João, em um sentido ainda mais bendito, Ele é prometido como “o Consolador” ou “o Espírito da verdade”; isto é, a Testemunha nos santos da graça e da glória, as coisas do Pai e do Filho. Essas distinções são bastante características. O dia de Pentecostes trouxe este Dom Divino vindo do Filho do Homem glorificado, e esse Dom imediatamente manifesta Sua presença de acordo com a promessa aqui feita: o Evangelho de Lucas, que é a primeira carta do nosso evangelista a Teófilo, terminando assim com a promessa do Espírito Santo; o Livro dos Atos, que é sua segunda carta ao mesmo amigo, abrindo com o dom de acordo com a promessa.
E esse livro foi apropriadamente chamado de “Os Atos do Espírito Santo”. Ele vem depois dos quatro Evangelhos. E como eles, ou o ministério de Jesus que eles registram, deram a manifestação plena e formal do Pai e o Filho, assim este livro, que registra o ministério dos apóstolos e outros, dá a mesma manifestação do Espírito Santo. As Pessoas na Divindade são assim declaradas no devido tempo, para a plena luz e conforto da Igreja. Avisos deste mistério divino, sem dúvida, houve desde o princípio, mas o nome de Deus, “do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”, estava agora totalmente manifestado e publicado.
Tudo isso, como tudo do nosso Deus, é perfeito em seu tempo. Tudo é perfeição nos caminhos de Sua sabedoria, como nas obras de Sua graça. O Senhor conta um segredo após o outro, trazendo cada um no devido tempo, e levando a alma a dizer: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus!”
Mas isso apenas de passagem. Já observei que a menção que temos aqui do Espírito Santo é de acordo com este Evangelho; mantendo-o, por assim dizer, entre Mateus e Marcos, de um lado, e João, do outro; o primeiro não faz nenhuma menção ao Espírito, o último faz uma menção ainda maior e mais rica d’Ele, sob o título de “o Consolador” e “o Espírito da verdade”. Mas então, depois disso, até a última frase, o Evangelho ainda é de acordo com ele mesmo. Quero dizer, no que acontece nos momentos finais em Betânia.
Para aquele lugar bem conhecido, um retiro para “as pobres ovelhas do rebanho”, como “atrás do deserto” (Êx 3), o aprisco daqueles a quem Ele amava na Judeia (João 11:3), o Senhor agora conduz Seus discípulos. E ali, enquanto os abençoava, Ele Se apartou deles e foi elevado ao céu. Ele levantou Suas mãos e os abençoou. E assim que Ele fez isso e selou para eles este fruto adicional de Sua ressurreição, Ele Se apartou deles e foi elevado ao céu, onde Ele Se assenta, como “o Homem Cristo Jesus” (1 Tm 2:5 – JND), até que todos cheguemos à medida da estatura completa [da plenitude – JND] de Cristo, até que todos sejam trazidos para formar o novo homem, a plenitude d’Aquele que enche tudo em todos.
Nosso Evangelho iniciou com o sacerdote da família de Levi no templo em Jerusalém, e agora termina com o Sacerdote, o Senhor ressuscitado, no céu. Foi o Homem Jesus, em Sua infância, em Seu relacionamento e lugar humanos, que obtivemos no começo; e é o Homem Jesus ainda, ressuscitado e glorificado, e prestes a Se assentar em Suas honras e lugar nos céus que agora obtemos no final.
Neste caráter do Sacerdote e do Homem ressuscitado, tão completamente de acordo com a mente do Espírito em Lucas, agora perdemos de vista nosso Senhor. E a visão final que temos d’Ele em cada Evangelho me parece muito distinta e característica. Em Mateus, o Senhor não muda Seu lugar. Ele ainda está aqui, ainda sobre a Terra, simplesmente dizendo: “É-Me dado todo o poder no céu e na Terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações... eis que estou convosco todos os dias”. Como se Ele fosse apenas o Senhor da seara, ordenando e fortalecendo Sua lavoura. Em Marcos, Ele é recebido acima no céu; mas ainda assim, quando os apóstolos saem para pregar, Ele é mencionado como presente e trabalhando com eles. Em João, nem Ele nem eles permanecem na Terra, mas Pedro e João O seguem, e os perdemos de vista completamente. Mas aqui, Ele é elevado sozinho, e ali permanece, como seu Sumo Sacerdote dentro do véu, enviando o Espírito Santo para estar com eles aqui, como poder lá do alto.
Tudo isso está completamente de acordo com o caráter. Em nosso Evangelho, o Senhor ascende como o Sacerdote; em Marcos, Ele ascende à mão direita do poder, a fim de presidir e compartilhar o ministério de Seus servos; em João, Ele ascende como o Filho do Pai, a fim de introduzir os filhos à casa do Pai.
Ele foi “elevado”. A expressão implica que alguma forma de transporte O aguardava. E de fato Ele tinha sido assim aguardado desde tempos muito antigos. Quando manifestado e mencionado como “a Glória”, “o Anjo de Deus”, “o Anjo da Sua presença” ou “o Senhor” (Êx 14; 23; 32; Is 63), a nuvem O transporta para cá e para lá. Primeiro O levou à frente do Seu povo redimido, para guiá-los no caminho (Êx 13). Ela então O transportou entre o acampamento de Israel e o do Egito, para que Ele pudesse ser luz para um e escuridade para o outro, e de lá olhar para alvoroçar os egípcios (Êx 14). Às vezes, O levou a tomar Seu assento em julgamento sobre Sua congregação murmuradora e transgressora (Êx 16; Nm 14; 16; 20). E depois de tudo isso, foi preciso que Ele preenchesse Seu lugar no templo (2 Crônicas 5), assim como antes, da mesma forma, O havia levado a preencher o mesmo lugar, no tabernáculo (Êxodo 40).
Assim o carro de nuvens O esperava antigamente (Sl 104:3). E quando os pecados do povo perturbaram Seu descanso no meio deles, os querubins O levaram embora (Ez 1); e os querubins foram chamados de “o carro dos querubins” (1 Cr 28:18 – ARA). Assim, Ele foi acompanhado, em todas essas ocasiões, por Seu carro designado. E assim Ele é agora. Ele é “elevado”.
Em todas essas ocasiões anteriores, no entanto, Ele é mencionado de várias maneiras, como observei, ou de forma indefinida, como “a Glória”, “o Anjo de Deus”, “o Anjo de Sua presença” e “o Senhor”. E, no último lugar que mencionei, em Ezequiel, Sua aparência é “a semelhança de um homem”. Daqui em diante, no entanto, esta Glória, este Anjo-Jeová, torna-Se selado com a forma e os caracteres do homem. É o Filho do Homem ressuscitado que agora é levado para o Seu lugar no alto. Não é meramente “a semelhança de um homem”, mas Alguém cuja Humanidade foi verificada e confirmada. Como tal, Ele agora ascende. A glória assumiu Sua forma permanente. E como o Homem glorificado é que nós O vemos daqui em diante, no Livro de Deus. Na visão do profeta, Ele é, depois disso, como o Homem glorificado, trazido com as nuvens do céu ao Ancião de dias, para receber Seu reino (Dn 7); como Tal, Ele está, aos olhos de outro profeta, no meio dos castiçais de ouro (Ap 1); como tal (como Ele mesmo nos diz), Ele será visto daqui em diante assentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu (Mt 26); e como Tal, quando todo o julgamento for passado, Seu nome será admirável em toda a Terra (Sl 8; Hb 2).
Este é um tema maravilhoso. É o homem que foi assim ungido, e o homem que deve ser assim exaltado. As fileiras de anjos, que até agora cercaram o trono, devem se abrir, por assim dizer, para deixar a Igreja dos pecadores redimidos entrar, para que o homem possa ser exibido como o vaso designado da glória nas eras diante de nós. “Que é o homem, para que Te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?” (Sl 8:4 – AIBB).
Quando o sacerdote Zacarias entrou no templo, toda a multidão reconheceu o poder de sua entrada ali, e estava do lado de fora, orando na hora do incenso, como lemos neste Evangelho (Lucas 1:10). E quando Moisés entrou na nuvem (sendo assim, como pelo véu, fechado dentro do santuário de Deus), o povo se levantou e adorou, cada homem na porta de sua tenda (Êxodo 33). Então aqui, nesta entrada do Filho do Homem ressuscitado dentro da nuvem (Atos 1:9), como dentro do véu do verdadeiro templo, o povo de fora reconhece o poder de Sua ascensão ali, e novamente olha para Ele, e adora. Mas então é aqui, e somente aqui, que eles são Seu próprio povo adorando a Ele. “E, adorando-O eles, tornaram com grande júbilo para Jerusalém. E estavam sempre no templo, louvando e bendizendo a Deus”.
Sua adoração era louvor. Somente esse era agora o culto racional (ou serviço inteligente – JND). Como eles poderiam comer o pão dos enlutados, enquanto cercavam um altar como este? Era (não devo chamá-lo?) a festa da ressurreição que eles estavam agora celebrando; e ela deveria ser celebrada com regozijo. As primícias da colheita tinham sido aceitas para eles, e eles deveriam oferecer suas ofertas de manjares e suas libações com gozo em Seu templo (Lv 23:10-13). Eles estavam esperando pelo Pentecostes, a festa das semanas, mas Jesus e a ressurreição eram sua festa; e era somente com alegria que eles podiam olhar para aquele molho de primícias movido diante do Senhor que havia sido aceito.
Não temos aqui a mesma maravilhosa menção de admiração como no final de João. Pois nem todos os escritos podem ser igualmente elevados, embora igualmente perfeitos em sua ordem, e divinos em sua origem; como uma estrela, que Deus criou e fez, difere de outra estrela em glória, embora todas estejam igualmente nos céus. Lucas, como os outros, mantém seu próprio caráter até o fim, como vimos agora. É o Filho do Homem que o Espírito traça por meio dele, como tinha sido o Messias, ou Jesus em conexão Judaica, por Mateus; Jesus o Servo, ou o Ministro, por Marcos; e Jesus o Filho de Deus, o Filho do Pai, por João. E este Homem perfeito foi primeiro o Homem ungido, caminhando pelos variados caminhos desta vida, e em todos eles apresentando a Deus ofertas de imaculados frutos humanos, em tal Vaso que nunca antes havia mobilado ou adornado Seu santuário; depois, o Homem ressuscitado, mostrando-Se aos Seus em Sua vitória sobre a morte e o poder do inimigo, e em amostras de algumas das bênçãos que essa vitória havia conquistado para eles; e, finalmente, como o Homem ascendido ou glorificado, prestes a aperfeiçoar em favor deles diante do trono de Deus e no templo celestial, até que Ele volte, todo o fruto de Sua vida, conflito e vitória, e enchê-los de alegria e louvor para todo o sempre.
Aqui deixamos nossa feliz ocupação, traçando os variados caminhos de nosso divino Senhor e Salvador. Oh, se isso pudesse deixar o mesmo poder na alma por trás disso, como transmitiu alegria à alma envolvida nisso! Mas o coração conhece suas próprias causas secretas de humilhação plena e constante, e aprendeu bem a adequação daquela palavra: “quando fores convidado, vai e assenta-te no derradeiro lugar”. Amados, que nosso Deus treine nosso coração para Seus próprios regozijos, que sempre encontra suas fontes na Pessoa e na obra do Filho de Seu amor! E que Ele também nos liberte de nós mesmos mais e mais, para que somente Jesus possa ser visto por nós!
Ao encerrar essas meditações, eu diria novamente que a habilidade que é assim, com um pouco de cuidado, discernível neste e em cada um dos Evangelhos, é perfeitamente divina. É de fato da própria mão de Deus. Se cada um dos evangelistas tivesse introduzido seus escritos por uma declaração formal do desígnio deles, e como eles deveriam se distinguir dos outros, a sabedoria e as perfeições d’Aquele que os escreveu não teriam sido tão glorificadas, nem o mesmo exercício do coração teria sido tão chamado a agir, como agora é ao atingir esse propósito distinto por meio da “exposição característica” na qual cada um dos Evangelhos abunda. Mas, como eles estão agora, é a própria harmonia da criação que ouvimos. “Sem linguagem, sem fala”, mas eles se expressam sem estas coisas. Assim, vemos que a mesma Mão que moldou os céus, e deu a eles sua voz no ouvido dos homens, traçou as glórias que brilham nos diferentes Evangelhos, e deu a eles uma voz igualmente no ouvido dos santos (veja Sl 19).
Mas depois de tudo isso, amados, o próprio evangelho deve ser nosso objeto. Que o Senhor mantenha isso fresco e imediato em nosso coração continuamente! É o próprio evangelho, a história do amor incomensurável de Deus, e que o céu chama a Terra para ouvir, que traz consigo a verdadeira e duradoura bênção para nossa alma. É a entrada do Deus vivo (Deus de toda graça como Ele é, por meio do testemunho do Filho de Seu amor) em nosso coração que derrama a luz, a liberdade, a vitória ali, e é a semente em nós da vida eterna. Como alguém disse: “Um homem pode ser cativado por essa harmonia intelectual e moral, e ter muito prazer em rastreá-la através de todos os seus detalhes, e ainda assim não obter proveito dela mais do que do exame de qualquer peça curiosa de trabalho material. É apropriado que essa bela relação no Cristianismo (e, devo acrescentar, nas Escrituras que revelam o Cristianismo) seja vista e admirada; mas se ela vier a ser o objeto proeminente da crença, a grande verdade do Cristianismo não é acreditada. Há muito no Cristianismo que pode tomar conta das faculdades imaginativas e dar uma alta espécie de prazer à mente; mas a parte mais importante da religião em relação aos pecadores é sua necessidade. O evangelho não foi revelado para que tenhamos o prazer de sentir ou expressar sentimentos elevados, mas para que possamos ser salvos. O gosto pode receber a impressão da beleza e sublimidade da Bíblia, e o sistema nervoso pode ter recebido a impressão da ternura de seu tom; e ainda assim seu significado, sua libertação, seu mistério de amor santo, podem permanecer desconhecidos.”
Isto é valioso para nós. Com todo o nosso conhecimento de outras glórias e segredos, que nosso conhecimento daquela mensagem de amor insuperável ainda seja a possessão mais querida, mais simples e mais íntima de nossa alma. O evangelho de Sua graça nos diz que nossas necessidades atraíram as empatias e recursos do Deus bendito. Que nosso coração ainda habite em tal verdade com persistentes desejos, assentando-se “naquela única fonte de deleite”. É na fé nisso que a vida, o gozo, a liberdade e a força de nossa alma serão encontradas. Há Alguém que nos amou e Se entregou por nós; e Esse Alguém não é menos que o Filho de Deus. Tal foi a fonte da vida de Paulo, e a Tal podemos nos voltar continuamente em busca de luz e refrigério, nosso coração ainda se aconselhando ali com mais frequência. E quando o último de nós estiver reunido, e todos tiverem chegado “ à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito (ao estado de homem perfeito)”, será para que sejamos levados para lá, onde com poderes ampliados, tanto de entendimento como de gozo, louvaremos este Cordeiro que foi morto pelo amor que Ele tinha por nós, para todo o sempre.
Queridos irmãos, que Sua graça nos mantenha com mente incorrupta e vestes imaculadas, para que possamos conhecer somente a Ele neste mundo mau, por amor ao Seu nome!
J. G. Bellett
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