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O Filho de Deus
John Gifford Bellett
Capítulo 2
“E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1:14).
Na história da carne e do sangue, dada a nós na Escritura, aprendemos que pelo pecado veio a morte. Para todos, como encabeçados ou representados em Adão, isso foi assim: “no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2:17). Referindo-se, no entanto, à Semente prometida da mulher, que não foi representada dessa forma, foi dito à serpente: “e tu Lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3:15). A morte dessa Semente deveria, portanto, ser tão singular quanto Seu nascimento. Ele deveria, no nascimento, ser a Semente da mulher; na morte, Ele deveria ter Seu calcanhar ferido. Na plenitude do tempo, esse Prometido foi “nascido de mulher”. O Filho de Deus, o Santificador, tomou parte da carne e do sangue, Ele Se tornou “o Santo” (Lc 1:35).
A morte, pergunto, tinha algum direito? Nenhum mesmo. Qualquer que fosse o direito que o concerto eterno tivesse em Seu calcanhar, a morte não tinha nenhum direito em Sua carne e sangue. Nesse Bendito, se assim posso expressá-Lo, havia uma capacidade de cumprir o propósito divino de que Seu calcanhar fosse ferido, mas não houve exposição à morte de forma alguma.
Sob o concerto, sob esse propósito divino, de acordo com Seu próprio prazer divino, Ele Se entregou, dizendo: “Eis aqui venho” (Hb 10:7). Para os grandes fins da glória de Deus e da paz do pecador, Ele tomou “a forma de Servo” (Fp 2:7) e, consequentemente, no devido tempo, Ele foi feito “semelhante aos homens” (Fp 2:8) e sendo encontrado nessa “forma”, Ele continuou em um caminho de humilhação própria, até a “morte de cruz”[1] (Fp 2:8).
[1] Se Ele não tivesse sido igual a Deus, Ele não poderia ter feito isso; porque toda criatura, cada um menos do que Deus, já é um servo de seu Criador. Um Judeu pode ser um servo voluntário de outro Judeu – um servo com a orelha furada (Êx 21:6) – mas nenhuma criatura poderia ser um servo voluntário de Deus, na medida em que todas as criaturas já são servas vinculadas a Ele em razão do relacionamento do Criador e da criatura.
Em tal caminho, nós O vemos no decorrer da vida. Ele oculta Sua glória, “a forma de Deus” sob essa “forma de Servo”. Ele não buscava honra dos homens. Ele honrou o Pai que O enviou, e não a Si mesmo. Ele não Se daria a conhecer a Si mesmo. Ele não Se mostraria a Si mesmo ao mundo. Assim, lemos sobre Ele, e tudo isso pertencia à “forma” que Ele havia tomado, e obtém sua perfeita ilustração nas histórias ou narrativas dos Evangelhos.
Sob a forma de um tributário, Ele escondeu a forma de Senhor da plenitude da Terra e do mar. Pediram-Lhe tributo, pelo menos perguntaram a Pedro se seu Mestre não o pagava. O Senhor declara Sua liberdade, mas, para não ofender, Ele paga o tributo por Pedro e por Si mesmo. Mas Quem, o tempo todo, era Esse? Ninguém menos do que Aquele de Quem havia sido escrito: “Do Senhor é a Terra e a sua plenitude” (Sl 24:1). Pois Ele ordena a um peixe do mar que Lhe traga aquela exata moeda, que Ele então entregou para os cobradores (Mt 17).
Que exemplo do precioso mistério de que Aquele que era em “forma de Deus” e que “não teve por usurpação ser igual a Deus” – usando assim os tesouros do mar e comandando as criaturas da mão de Deus como sendo todas Suas – tomou sobre Si “a forma de Servo”! Que glória atravessa a nuvem naquela ocorrência passageira e trivial! Era tudo entre o Senhor e Pedro, mas era uma manifestação da “forma de Deus” por baixo “da forma de Servo”, ou de Um, sujeito às autoridades (Rm 13:1). A plenitude da Terra Lhe era subordinada no momento em que Ele consentiu em pagar tributo a outros. Assim, em outra ocasião, o convidado despercebido na festa de casamento prolongou a festa, não apenas como se Ele tivesse sido “o noivo”, mas como o próprio Criador de tudo o que a forneceu. Lá novamente Ele “manifestou a Sua glória, e os Seus discípulos creram n’Ele” (Jo 2:11).
Assim, novamente lemos sobre Ele, que não contenderia, nem clamaria, nem levantaria Sua voz nas praças. Ele não esmagaria a cana quebrada, mas Se absteria. E tudo isso porque Ele havia assumido “a forma de Servo”. E, consequentemente, naquela mesma ocasião, a passagem é citada: “Eis aqui o Meu Servo que escolhi” (Mt 12:18).
Tudo isso era muito significativo do Seu comportamento. “Mostre-nos um sinal do céu”, foi outra tentação para Ele Se exaltar (Mt 16). Os fariseus então O tentaram, como o diabo O tentou quando quis que Ele Se lançasse do pináculo do templo; e como Seus familiares estavam fazendo quando Lhe disseram: “manifesta-Te ao mundo” (Jo 7:4). Mas o que disse o Servo perfeito? Nenhum sinal deveria ser dado, exceto o de Jonas – um sinal de humilhação, um sinal de que o mundo e o príncipe do mundo, aparentemente, obteriam vantagem sobre Ele por um momento, em vez de um sinal que intimidasse e silenciasse o mundo sujeitando-o a Ele.
Excelentes, de fato, são esses traços do Servo perfeito de Deus. Davi e Paulo, em pé, por assim dizer, à Sua direita e à Sua esquerda, como Moisés e Elias no monte santo, refletem esse Servo assim escondendo a Si mesmo, como um folheto bem conhecido tem nos contado. Davi matou o leão e o urso, e Paulo foi arrebatado ao terceiro céu; mas nenhum deles falou dessas coisas. E esses atos eram reflexos encantadores do Servo perfeito. Mas os que estavam próximos a Ele e todos eles, que podemos encontrar na Escritura ou os que estão entre os santos, estão mais distantes do grande Original do que temos medidas para medir. Ele esconde “a forma de Deus” sob essa “forma de Servo”. Jesus era a força de Davi quando matou o leão e o urso; e Ele era o Senhor daquele céu para o qual Paulo foi arrebatado, mas Ele estava sob a forma de Alguém que “não tinha onde reclinar a cabeça” (Mt 8:20).
Assim, no topo do “monte santo”, aos olhos de Seus eleitos, por um momento Ele era o “Senhor da glória”; ao pé do monte, Ele era “somente Jesus”, ordenando-lhes que não contassem a visão a ninguém até que o Filho do Homem ressuscitasse dos mortos (Mt 17).
Observe-O novamente no barco, no lago, durante a tempestade. Ele estava lá como um homem cansado cujo sono era doce. Tal era Sua forma manifestada. Mas abaixo havia “a forma de Deus”. Ele Se levantou e, como o Senhor que encerra o vento em Seus punhos e amarra as águas em uma roupa, Ele repreendeu o mar para que se acalmasse (Pv 30:4; Mc 4:39).
É nas glórias plenas e variadas do Jeová de Israel que Jesus passa às vezes diante de nós. Em dias anteriores, o Deus de Israel havia ordenado às criaturas do grande abismo, e um “grande peixe” estava preparado para engolir Jonas e dar-lhe um lugar de sepultamento para o tempo determinado. E assim, em Sua época, Jesus confirmou a Si mesmo como o Senhor da plenitude “deste vasto e espaçoso mar”, convocando uma hoste de “pequenos animais” para a rede de Pedro (Sl 104:25; Lc 5:4-6). Tanto os “animais pequenos como os grandes”, que encontram ali seu passatempo, assim, em dias anteriores e posteriores, possuíam a palavra de Jeová-Jesus.
Assim, o Deus de Israel, como o Senhor da plenitude da Terra e do mar, usaria o mudo jumento para repreender a loucura do profeta. Porém, mais do que isso, quando a arca teve que ser trazida da terra dos filisteus para casa, o Deus de Israel controlou a natureza, forçando as vacas que estavam presas ao carro em que a arca foi colocada, a tomar a estrada certa e imediata para Bete-Semes, nas fronteiras de Israel, embora essa jornada tenha sido feita por eles sob a forte resistência de todos os instintos da natureza (1 Sm 6).
Posteriormente, o Senhor Jesus agiu na afirmação muito marcante dessa mesma glória e poder do Deus de Israel. Pois em Seus dias, Ele, a Verdadeira Arca, tinha que ser levado de volta para casa. No progresso de Sua história, chegou o momento em que Ele precisava, como a arca nos dias de Samuel, ser levado do lugar onde estava. Ele tinha que visitar Jerusalém em Sua glória. Era necessário que, como Rei de Sião, Ele entrasse na cidade real; e Ele toma o jumento e o jumentinho, o filho de uma jumenta, para fazer esse serviço para Ele. E Ele faz isso consciente, em toda a dignidade e direitos do Senhor da plenitude da Terra. Os donos do jumentinho tiveram que ouvir essa afirmação, “O Senhor precisa dele”, e, ao contrário da natureza, oposto a tudo o que o coração do homem teria defendido e suplicado, “logo” eles o enviaram (Mc 11; Lc 19).
Assim, novamente Jesus estava brilhando na característica glória do Deus de Israel. O véu pode ter sido muito espesso, e assim era. Não era outro senão Aquele Jesus de Nazaré, o carpinteiro, o filho do carpinteiro (Mt 13:55; Mc 6:3). A nuvem que cobria era realmente espessa; a glória que estava sob ela era infinita. Era a plena glória de Jeová, e nenhum raio de todo o resplendor divino se recusaria a afirmar e expressá-la. Ele “não teve por usurpação ser igual a Deus”, mas, “aniquilou-Se a Si mesmo” (Fp 2:6-7). A fé entende essa glória velada, e o afeto a guarda como uma parede de fogo. “Quem subiu ao céu e desceu? Quem encerrou os ventos nos Seus punhos? Quem amarrou as águas na Sua roupa? Quem estabeleceu todas as extremidades da Terra? Qual é o Seu nome, e qual é o nome de Seu Filho, se é que o sabes?” (Pv 30).
Não intentaremos dizê-lo; mas, como Moisés, enquanto Jesus passa, aprenderemos a inclinar nossa cabeça à terra e adorar (Êx 34).
Que exemplos são esses em que a Escritura nos ensina a rastrear “a forma de um servo” escondendo “a forma de Deus”. Mas também, atrevo-me a dizer que desse mesmo caráter e significado são aqueles casos em que Ele parece estar Se protegendo do perigo ou assegurando Sua vida. E deve ser sempre uma tarefa prazerosa para a alma descobrir assim Sua beleza e Sua glória, que permanecem ocultas aos olhos do homem. Mas muitos de nós, que por nada iriam manchar essa glória, podem ainda ser incapazes em apreendê-la, confundindo, muitas vezes, o caminho dela ou a forma que ela assume.
O Filho de Deus veio ao mundo – a própria contradição daquele que ainda está para vir, e após o qual, como lemos, o mundo inteiro irá se maravilhar. Como Ele mesmo diz: “Eu vim em nome de Meu Pai, e não Me aceitais; se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis” (Jo 5:43). E, de acordo com isso, se Sua vida está ameaçada, Ele não se torna, aos olhos do mundo algo com o que se maravilhar, mas exatamente ao contrário. Ele aniquilou-Se a Si mesmo. Ele seria nada e ninguém. Ele Se recusa totalmente a ser uma maravilha aos olhos dos homens – a grande e gloriosa contradição daquele cuja chaga mortal será curada, para que o mundo inteiro possa se maravilhar e adorar, cuja imagem deve viver e à qual será dada uma boca para falar, para que todos, pequenos e grandes, possam levar seu nome em suas testas (Ap 13).
O Filho de Deus era a própria contradição de tudo isso. Ele veio em nome de Seu Pai, e não em Seu próprio nome. Ele tinha vida em Si mesmo. Ele era igual Àquele de Quem está escrito: “Aquele que tem, Ele só, a imortalidade”; mas Ele ocultou aquele resplendor da glória divina sob a forma de alguém que parecia preservar Sua vida pelos métodos mais comuns e menosprezados. Seríamos abençoados apenas por falar disso, se tivéssemos simplesmente um coração adorador! O outro que está para vir, em breve, “em seu próprio nome”, pode receber uma ferida mortal por uma espada, e ainda assim viver, para que o mundo possa se maravilhar, mas o Filho de Deus fugirá para o Egito.
Será que estamos tão carentes de apreensão espiritual que não podemos perceber isso? Será que a visão da glória assim oculta deve ser de fato imposta sobre nós? Se precisarmos disso, o Senhor até mesmo tem paciência, e no-la dá. Pois, sob esse véu havia uma glória que, se assim ela quisesse, poderia, como as chamas da fornalha dos caldeus, ter destruído seus inimigos de uma só vez. Pois, por fim, quando tivesse chegado a hora e os poderes das trevas teriam “a hora deles” (Jo 16:4 – JND), os servos desses poderes, na presença dessa glória, “recuaram e caíram por terra”; ensinando-nos que Jesus era inteiramente um Cativo voluntário então, como depois Ele foi uma Vítima voluntária[2].
[2] Quando me lembro de Quem Ele era, a Semente da mulher, o Filho de Deus, Deus manifestado em carne; quando me lembro também de que a morte, qualquer que pudesse ter sido sua forma, não tinha direito sobre Ele, não posso ter outro pensamento. Considerado na carne e no sangue que Ele tomou sobre Si, a morte não tinha direito, porque não havia pecado n’Ele: considerado em Sua plena Pessoa, a morte não poderia tocá-Lo, a menos que Ele voluntariamente a encontrasse sob o concerto eterno. Para que a alma recuse totalmente o pensamento de que Ele salvou Sua vida no sentido comum dessas palavras.
Em conexão com isso, olhe para Ele na ocasião a qual já me referi em Mateus 12. O Senhor, pergunto, temeu naquele momento a ira dos fariseus e sentiu-Se como alguém que deveria prover a segurança de Sua vida? Esse não pôde ser o meu pensamento. Ele estava cumprindo uma etapa adequada e consistente em Seu belo e precioso caminho como Servo, prosseguindo, não para obter para Si um nome de honra no mundo, mas um tal nome (por meio da humilhação e morte), para que os gentios pudessem confiar n’Ele e os pecadores fossem salvos por meio da fé n’Ele.
Olhe para Ele por mais um momento, quando a espada de Herodes ameaçou pela segunda vez (Lc 13). Como o Senhor Se levantou diante dela ou acima dela? Na consciência disto: que, por mais astuto que seja o rei, acrescente sutileza à força, Ele mesmo deveria e andaria em Sua jornada designada e faria Sua obra designada e então seria aperfeiçoado; e Sua perfeição, como Ele fala então, viria, como sabemos, não por qualquer predomínio de Herodes ou dos Judeus sobre Ele, mas por Sua entrega de Si mesmo para ser feito o Príncipe (ou Líder – JND) de nossa salvação aperfeiçoada (ou completada) por meio dos sofrimentos. E na mesma ocasião, Ele reconhece isto: que, embora como Profeta Ele tenha que morrer em Jerusalém, era para que Jerusalém pudesse encher a medida de seus pecados; pois Ele, o tempo todo, era o Deus de Jerusalém que ao longo dos tempos de amor paciente havia suportado e pleiteado com ela, e que logo, em juízo, a deixaria deserta (Lc 13:31-35).
Novamente digo, que glórias estão escondidas aqui sob a forma humilde d’Aquele que foi ameaçado com a ira de um rei e teve que enfrentar a zombaria e a inimizade de Seu povo!
Mas posso me referir a um ou dois casos ainda mais marcantes do que esses. Olhe para um nos primeiros dias de Seu ministério, em Sua própria cidade. Lá, o mesmo grande princípio é exibido, pois o monte de Nazaré não era, a meu ver, um lugar de perigo para a vida de Jesus, mas exatamente o que o pináculo do templo havia sido (Lc 4:9, 29). O diabo não teve qualquer pensamento na morte do Senhor à base do pináculo, absolutamente nenhum. Ele O tentou – como havia tentado a mulher no jardim – a Se magnificar, a querer, se puder falar assim, como o diabo dissera a Eva, ser como Deus. Ele procurou corromper as fontes em Cristo, como as havia corrompido em Adão, e obter “a soberba da vida” como uma das fontes mestras. Mas Jesus manteve “a forma de Servo”. Ele não Se jogaria do pináculo, mas Se lembrou obedientemente: “Não tentarás o Senhor teu Deus”.
Assim também no monte de Nazaré, cuja altura não era mais alto do que a do pináculo do templo. Jesus não corria mais perigo naquele lugar do que no outro. Ele teria saído ileso tanto no sopé do monte quanto na base do pináculo. Mas como, então, a Escritura que diz que Ele não veio para honrar a Si mesmo seria cumprida? Ele, porém, “passando pelo meio deles, retirou-Se”. Ele retirou-Se despercebido e desconhecido, cumprindo a Sua forma de Servo e manifestando a Sua graça nos pensamentos dos Seus santos.
Não ousamos falar de coisas como sendo feitas para salvar Sua vida. O pensamento é contrário à glória de Sua Pessoa, Deus manifestado em carne. Jesus foi repetidas vezes, nos dias de Sua carne, revigorado em Espírito quando a fé revelava Sua glória sob o véu. Quando o Filho de Davi, ou o Filho de Deus, ou o Senhor de Israel, ou o Criador do mundo, foi conhecido pela fé sob a forma de Jesus de Nazaré, Jesus Se regozijou em Espírito. E assim, podemos dizer neste momento, quando a forma de um Servo for novamente apresentada aos nossos pensamentos, Ele Se regozijará nos santos na revelação da glória sob a nuvem.
A “fuga”, como podemos chamá-la, para o Egito nos primeiros dias, os dias do “Menino” de Belém, é um evento muito singular e belo. Podemos lembrar que, no tempo de Moisés, Israel naquela terra era como uma sarça no meio do fogo, mas por causa da empatia e da presença do Deus de seus pais, a sarça não se consumia. Jeová estava acima de Faraó, e quando Faraó queria destruir o povo, Jeová os preservou e fez com que se multiplicassem no coração da própria terra de Faraó. E isso foi feito, “Não por força, nem por violência”, pois Israel não era ali melhor do que a sarça, um arbusto que uma faísca poderia ter consumido. Mas o Filho de Deus estava na sarça. Esse era o segredo. Ele estava com Israel no Egito, como depois estava na fornalha com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego; e o cheiro de fogo, embora a sarça estivesse queimando e a fornalha fosse aquecida sete vezes mais do que o habitual, não passou sobre eles.
Uma “grande visão”, de modo que Moisés se virou para olhar para ela. E ainda podemos, no espírito de Moisés, nos virar e visitar o mesmo local. Podemos ler Êxodo 1-15, e depois olhar novamente para aquela estranha visão, por que a sarça estava em chamas e ela não foi queimada? Como a pobre sarça – Israel – foi mantida ilesa no meio da fornalha egípcia? Por causa da presença do Filho de Deus.
Que o fogo seja aquecido repetidas vezes, ele nunca prevalece. E como, por fim, Israel deixa o Egito? Do mesmo modo como os jovens deixaram em triunfo a fornalha que Nabucodonosor havia aquecido, sem nada queimado além das cordas que os prendiam. Faraó e o exército egípcio pereceram no Mar Vermelho, mas Israel saiu sob a bandeira do Senhor.
Mas será que Israel no Egito, com a empatia do Filho de Deus, estava mais seguro do que Jesus, “Deus manifestado em carne”? Será que a sarça israelita era à prova da força do fogo egípcio? E não seria a humilde carne de Jesus, embora sob a plena inimizade do homem, o ódio do rei, a inveja dos escribas e a fúria da multidão, inatacável quando o próprio Deus é manifestado nessa carne? Todo o mistério da sarça ardente que não se consumia reside nisso. Israel não poderia sofrer além da determinação divina, por causa da empatia do Filho de Deus; Jesus não poderia ser tocado além daquilo que era do Seu agrado, por causa da encarnação do Filho de Deus.
“Do Egito chamei Meu Filho”, era verdade para Jesus assim como para Israel. Tanto Jesus quanto Israel, em seus dias, eram sarças ardentes inconsumíveis, coisas fracas na aparência e no julgamento dos homens, mas inatacáveis. Ambos podem conhecer suas tristezas neste mundo egípcio, mas a vida não é tocada; Israel pelas empatias que desfrutava, Jesus por causa da Pessoa que Ele era.
Foi, então, para salvar Sua vida que “o Menino” foi levado para o Egito? Israel da antiguidade deixou o Egito para que a vida do povo fosse salva? Sadraque e os seus companheiros deixaram a fornalha dos caldeus para salvar a vida deles? A vida de Israel estava tão segura no Egito quanto fora dele. Os jovens judeus foram tão pouco feridos pelo fogo na fornalha quanto fora dela. Israel deixou o Egito para testemunhar a glória de Jeová, seu Salvador, assim como os filhos de Israel, o fogo caldeu. Da mesma forma, e para o mesmo fim, “o Menino” foi tirado da Judeia, por causa da ira do rei Herodes. O Filho de Deus tomou a forma de um Servo. Ele não veio em Seu próprio nome, mas no nome de Seu Pai. Ele havia esvaziado a Si mesmo, tomando a forma de Servo, e no cumprimento dessa forma Ele começou Seu caminho enquanto ainda era apenas um “Menino”; e Ele foi, entre outras humilhações, obediente até mesmo a uma fuga para o Egito, como se quisesse salvar Sua vida da ira do rei, para a glória d’Aquele que O enviara.
Devemos, de fato, vigiar contra tomar esses exemplos de Sua perfeita forma de Servo e usá-los para a depreciação de Sua pessoa. Ele era inatacável. Até que Sua hora chegasse e Ele estivesse pronto para Se render, os capitães e seus cinquenta falhariam repetidas vezes antes que pudessem atingi-Lo; mas, em vez disso, Ele repetidamente “humilhou-se a Si mesmo”, entrando no “Egito” em uma ocasião e também indo “de aldeia em aldeia”, o desprezado e rejeitado Filho do Homem.
Devemos tratar esse mistério da sujeição, a sujeição voluntária do Filho de Deus, com uma mente descuidada? Devemos levantar o véu irreverentemente? E, no entanto, se esses exemplos aos quais me referi, e outros semelhantes a eles, forem citados para provar a condição mortal da carne e do sangue que o Senhor tomou, nós tiramos o véu com uma mão irreverente e inábil. Sim, e com mais do que isso. Nós cometemos uma dupla ofensa contra Ele. Depreciaremos Sua Pessoa por meio de atos que manifestam Sua graça e amor ilimitados por nós e Sua devotada sujeição a Deus.
E, no entanto, agora se diz que a natureza, ou a violência ou o acidente teriam prevalecido sobre a carne e o sangue do Senhor Jesus, para causar-Lhe a morte como acontece conosco. Mas será que esse pensamento, pergunto, não conecta o Senhor Jesus Cristo ao pecado? Pode-se dizer que não seja essa a intenção, e isso pode até ser verdade, mas não é realmente o que acontece? Não liga o Senhor ao pecado, visto que na história inspirada da carne e do sangue – e devemos ser sábios de acordo unicamente com o que está escrito – a morte está ligada à carne e ao sangue somente por meio do pecado?
Se a carne e o sangue em Sua Pessoa fossem passíveis de morrer, ou por sua própria natureza e condição fossem capazes de morrer (exceto por Sua graciosa entrega de Si mesmo), não está, portanto, ligada ao pecado? E se assim for, é Cristo que está diante da alma? Essa insinuação O trata como Alguém exposto à morte. E um conhecimento d’Ele dessa maneira, O coloca sujeito a morrer de uma maneira que Ele nunca poderia ter assumido no cumprimento de Sua forma de Servo. E além do que Ele assumiu nesse carácter, Ele não estava sujeito a nada.
Há, de fato, algo nessa insinuação que nos faz temer que “as portas do inferno” estejam novamente tentando a “Rocha” da Igreja, a Pessoa do Filho de Deus. E se isso for sustentado com base no argumento de que o objetivo disso é somente ilustrar a verdadeira Humanidade do Senhor, a própria sustentação se torna motivo de maior suspeita. Pois eu pergunto, é simplesmente humanidade que eu percebo na Pessoa de Cristo? Não seria isso algo imensuravelmente diferente, sendo “Deus manifestado em carne”? Como Salvador, Ele não faria isso por mim, um pecador, se Ele não fosse o Companheiro de Jeová. Cada criatura deve tudo o que ela pode oferecer. Ninguém, a não ser Aquele que não teve por usurpação ser igual a Deus, pode assumir “a forma de Servo”; pois Ele já é um Servo, como eu disse antes. E outro disse que, nenhuma criatura pode fazer mais do que o dever exige; o pensamento seria rebelião. Ninguém poderia ser qualificado para ser fiador do homem, a não ser Aquele que poderia, sem presunção, reivindicar igualdade com Deus e, consequentemente, ser independente.
A verdadeira humanidade era capaz de pecar. Adão no jardim era assim, pois ele pecou. Podemos dizer, de forma mais simples e segura, que ele era capaz de pecar do que dizer que ele era capaz de morrer. A história nos mostra que ele era capaz de pecar, mas nos impede de determinar que ele era capaz de morrer, na medida em que nos diz que a morte veio pelo pecado. Por natureza, havia uma capacidade de pecar, mas não nos é dito o mesmo sobre uma capacidade de morrer.
Se, então, logo viesse outro e, apenas para ilustrar, como ele pôde dizer sobre a verdadeira Humanidade de Cristo, sugerindo a capacidade ou possibilidade d’Ele pecar, pergunto: o que a alma diria a esse outro? Podemos deixar a resposta para aqueles que conhecem a Cristo. Mas, ao mesmo tempo, podemos ter certeza disso – que o diabo está em todas essas tentativas contra a “Rocha” da Igreja, que é a Pessoa do Filho de Deus (Mt 16:18). Pois Sua obra, Seu testemunho, Suas tristezas, Sua própria morte não seriam absolutamente nada para nós, se Ele não fosse Deus. Sua Pessoa sustenta o Seu sacrifício, e dessa forma, a Sua Pessoa é a nossa Rocha. Foi uma confissão à Sua Pessoa, por alguém que naquele momento ignorava Sua obra ou sacrifício, que levou o Filho de Deus a falar da “Rocha” sobre a qual a Igreja deveria ser edificada, e também a reconhecer aquela verdade ou mistério contra a qual “as portas do inferno”, a força e sutileza de Satanás, deveriam tentar o máximo repetidas vezes.
E pessoas têm sido assim engajadas desde o início e ainda estão. A plena glória de “Deus manifestado em carne” foi obscurecida há muito tempo por arianos e socinianos, com uma falsidade mais profunda ou mais capciosa. Ultimamente, a natureza moral do Homem Cristo Jesus, “o Qual é sobre todos, Deus bendito eternamente”, foi atacada no Irvingismo, e foi manchada, e tanto, até onde esse pensamento maligno poderia alcançar. Ainda mais ultimamente, o relacionamento com Deus em que Jesus estava, e as experiências da alma em que Jesus foi exercitado, têm sido o tráfego profano do intelecto humano; e agora Sua carne e sangue, o “Templo” de Seu corpo, tem sido profanado.
Mas pode-se traçar um propósito semelhante em todos, a depreciação do Filho de Deus. E de onde vem isso? De onde vem a energia exatamente oposta e contraditória? De que o Pai Se ocupa ou tem zelo, se não da glória do Filho, resistindo a tudo o que O deprecia, seja grosseiro ou sutil? Leiam, amados, o testemunho do Senhor aos Judeus em João 5. Lá esse segredo é revelado, que embora o Filho tenha Se humilhado e não possa, como Ele diz, “de Mim mesmo fazer coisa alguma”, o Pai fará com que Ele não seja desonrado ou depreciado de forma alguma, zelando pelos direitos, os plenos direitos divinos do Filho, por este decreto mais cuidadoso e cheio de zelo; “Quem não honra o Filho, não honra o Pai, que O enviou” (Jo 5:23).
Paciência no ensino, paciência com os simplesmente ignorantes, é certamente o caminho divino, o caminho do Espírito em graça. O próprio Senhor o exerceu dessa maneira: “Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe?” Mas não permitir qualquer depreciação de Cristo também é o caminho divino. Os escritos de João provam isso para nós – a porção mais terrível dos oráculos de Deus, além de serem muito singular e preciosos, porque dizem respeito à glória pessoal do Filho. E me parece que eles mostram pouca ou nenhuma misericórdia para com aqueles que mancham essa glória ou contemplam a ela e ao seu redor descuidadamente.
E deixe-me acrescentar outros fatos na história do bendito Senhor, pois a fome, a sede e o cansaço, não devem ser usados como a menor garantia para esse pensamento sobre a mortalidade de Sua carne e sangue. O Filho de Deus em carne não foi exposto a nada. Nada fora do jardim do Éden era Sua porção. Ele estava com fome e cansado no poço de Samaria. Ele dormiu no navio depois de um dia de serviço cansativo. Mas o que quer que fosse que Ele tenha conhecido no lugar de espinhos, abrolhos, tristeza e suor do rosto, Ele sabia tudo e aceitou tudo, apenas para cumprir aquela “forma de Servo”, que em graça indescritível Ele assumiu.
O “Homem de dores” pôde ser abordado em uma ocasião como se Ele parecesse ter quase 50 anos de idade (Jo 8:57). Mas devo saber, a partir disso, apenas como Ele suportou tristezas e serviços para nossa bênção e glória do Pai. Em tais características, devo ver Aquele cujo “parecer estava tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer”, por causa de Seus sofrimentos por nós e da contradição dos pecadores contra Ele; e não por causa das tendências decadentes da velhice natural, na menor medida delas, como se tais tendências pudessem, de alguma forma, estar ligadas a Ele.
Os judeus são repetidamente acusados de serem Seus homicidas (At 2:36; 3:15; 7:52). Certamente eles são, e com razão. Estamos todos na mesma condenação. É a culpa de homicídio que está à nossa porta. Em pleno sentido judicial, eles eram Seus “traidores e homicidas”.
Pode parecer estranho para a razão, mas o que lemos sobre isso é perfeito na apreciação da fé: “Ninguém Ma tira de Mim, mas Eu de Mim mesmo a dou; tenho poder para a dar e poder para tornar a tomá-la. Esse mandamento recebi de Meu Pai” (Jo 10:18). Ele era livre mas, mesmo assim, estava sob mandamento. Novamente admito, tudo isso é estranho à razão e à incredulidade, mas perfeito no julgamento da fé.
O Filho de Deus morreu no madeiro onde a mão perversa do homem O havia pregado e o propósito eterno e a graça de Deus O haviam designado. Lá Ele morreu, e morreu porque Ele estava lá. O Cordeiro foi morto. Quem pensaria em contradizer tal pensamento? Mãos perversas O mataram, e Deus O providenciou como Seu próprio Cordeiro para o altar. Quem tocaria por um momento num mistério tão necessário e precioso? E, no entanto, o Cordeiro deu Sua própria vida. Nenhuma exaustão sob o sofrimento e nenhuma pressão da cruz O levaram à morte; mas Ele entregou Sua vida por Si mesmo. Dando sinal de estar em plena posse daquilo que estava entregando, “exclamou Jesus em alta voz” e depois “entregou o espírito”. A história do momento não admite nenhum outro pensamento; e, acrescentarei, nem as afeições de adoração dos santos. Pilatos se admirou de que Ele já estivesse morto; ele não acreditou e teve que se certificar disso. Nenhum tempo se passou na cruz o suficiente para extinguir a vida, de modo que as pernas dos outros tiveram que ser quebradas. Mas Ele já estava morto, e Pilatos precisou averiguar e chamar uma testemunha, antes de acreditar.
O pensamento que defendemos é, portanto, a única interpretação da história estrita e literal do fato. E nossa alma, se tivéssemos graça, bendiriam a Deus por tal imagem de Seu Cordeiro imolado e de nosso Salvador crucificado, sacrificado e morto. Será que apagamos o registro de que Ele era o Cordeiro imolado ou silenciamos o cântico no céu que celebra esse mistério, quando dizemos que em Sua vida o Cordeiro imolado Se entregou a Si mesmo? A história do Calvário, que o Espírito Santo escreveu, sustenta esse pensamento; e novamente dizemos que o que defendemos é a única interpretação da estrita história do fato. Ele era livre, mas estava sob mandamento. A fé entende tudo isso. E de acordo com esse mistério, quando chegou a hora, como lemos: “inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19:30). Ele reconheceu o mandamento que havia recebido e, no entanto, entregou a vida por Si mesmo. Ele foi obediente até a morte, e ainda assim entregou a vida como de Si mesmo.
A fé entende tudo isso sem dificuldade; sim, entende que só aqui reside o verdadeiro e perfeito mistério. Ele morreu sob os conselhos do concerto, aos quais Se submeteu de bom grado, sendo o “Companheiro” do Senhor dos Exércitos.
Mas, como já dissemos para Seu louvor, o Filho de Deus na Terra estava sempre escondendo Sua glória, “forma de Deus”, como temos visto, sob a “forma de Servo”. Sua glória foi reconhecida em todas as partes dos domínios de Deus. Os demônios a reconheciam, o corpo e a alma dos homens a reconheciam, a morte e a sepultura a reconheciam, as feras do campo e os peixes do mar a reconheciam, os ventos e as ondas a reconheciam, assim como o trigo e o vinho. Posso dizer que Ele próprio foi o Único que não a declarou nem a assumiu; pois o Seu caminho era esconder tal glória. Ele era o “Senhor da seara”, mas aparecia como um dos trabalhadores do campo; Ele era o Deus do templo e o Senhor do sábado, mas submetido aos desafios de um mundo incrédulo (Mt 9:12).
Esse era o véu ou a nuvem sob a qual Ele, repetidas vezes, fez com que a glória se ocultasse. E foi assim, em plena comunhão com tudo isso, como já dissemos, que Ele Se comportou naquelas ocasiões em que Sua vida foi ameaçada. Sob formas desprezadas, Ele escondeu Sua glória novamente. Às vezes, o favor das pessoas comuns O abriga (Mc 11:32, 12:12; Lc 20); às vezes, Ele Se retira de maneira comum ou mais milagrosa (Lc 4:30; Jo 8:59, 10:39); às vezes, o inimigo é impedido de tocar n’Ele, porque Sua hora não havia chegado (Jo 7:30, 8:20); e em uma ocasião distinta, como vimos, uma fuga para o Egito o livra da ira de um rei que buscava Sua vida para destruí-la.
Em tudo isso vejo a única coisa do princípio ao fim – o Senhor da glória escondendo a Si mesmo, como Aquele que veio em nome de Outro e não no Seu próprio. Mas Ele era “o Senhor da glória” e “o Príncipe da vida”. Ele era um Cativo voluntário, como já observei, e foi no final uma Vítima voluntária. Ele deu “a Sua vida em resgate de muitos”[3] (Mt 20:28; Tt 2:14). [3] O Filho Se colocou sob o mandamento do Pai, para os fins da glória de Deus em nossa salvação (Jo 10:18, 12:49); e agora o Pai nos dá um mandamento, dar toda a honra divina ao Filho, ou, em outras palavras, andar na verdade de Sua Pessoa (Jo 5:23; 1 Jo 3:23; 2 Jo 4-6).
Em outros dias, a arca do Senhor estava nas mãos do inimigo; ela tinha sido capturada pelos filisteus na batalha de Ebenézer. Então, Deus “deu a Sua força ao cativeiro, e a Sua glória, à mão do inimigo”, mas ela era inatacável. Aparentemente a arca era uma coisa fraca, algo de madeira e ouro. Sua presença perturbava os incircuncisos, os seus deuses, os seus povos, as suas terras. Ela estava totalmente solitária e indefesa, e no meio de inimigos que ainda estavam no calor e no orgulho da vitória. Por que, então, não a quebraram em pedaços? Aparentemente, jogá-la contra uma pedra a teria destruído. Estava constantemente no caminho deles e parecia estar sempre à mercê dos mesmos. Por que, então, não se livraram dela? Eles não puderam: essa é a resposta. A arca entre os filisteus era outra sarça ardente que não se consumia. Pode parecer que estava à mercê dos incircuncisos, mas era inatacável. Os filisteus podiam mandá-la de Asdode para Gate, e de Gate para Ecrom; mas nenhuma mão podia tocar nela para destruí-la (1 Sm 4-6).
E assim a Verdadeira Arca, o Filho de Deus em carne, foi a ostentação dos incircuncisos por um curto tempo: Pilatos pôde enviá-Lo a Herodes e Anás a Caifás; a multidão pôde levá-Lo a Pilatos, e Pilatos pôde entregá-Lo novamente à multidão; mas Sua vida estava além do alcance deles. Ele era o Filho de Deus e, embora manifestado em carne, ainda era o Filho desde a eternidade. Quaisquer tristezas que Ele tivesse passado, qualquer cansaço que Ele tivesse sofrido, ou fome ou sede, tudo estava preenchendo “a forma de Servo” que Ele havia tomado. Mas Ele era o Filho que tinha “vida em Si mesmo”, a Arca intocável, a Sarça inconsumível mesmo em meio às furiosas chamas do pleno ódio do mundo.
Tal era o mistério, não tenho dúvida.
Mas ao dizer isso – ao passar pelas meditações deste artigo com algum desejo de minha alma, e, espero, proveito também – não há nada que eu mais apreciaria do que me sentir como um verdadeiro israelita deveria ter se sentido, no dia em que a arca de Deus voltou para casa, vinda da terra dos filisteus. Ele deveria então ter se regozijado e adorado; ele deveria ter tido muito cuidado para se assegurar de que esse grande evento realmente havia ocorrido, mesmo que ele estivesse vivendo distante da cena. Como um israelita de qualquer uma das tribos, essa situação o preocupava profundamente; se a arca havia sido resgatada e que os incircuncisos não estivessem mais tocando nela ou mandando-a de um lado para o outro entre suas cidades. Mas, estando satisfeito com isso, ele tinha que estar atento para que ele mesmo não a tocasse ou olhasse para dentro dela, que ele não pecasse contra ela, como um betesemita, mesmo depois de a arca ter vindo de entre os filisteus.
Estamos corretos, tenho certeza, em recusar esses pensamentos sobre a condição mortal do corpo do bendito Senhor. Todas essas palavras e especulações são como o manuseio da arca com mãos incircuncisas ou filisteias. E devemos mostrar o erro do próprio pensamento, bem como sua irreverência; isto é, devemos nos satisfazer apenas com a libertação total da arca e seu retorno para nós. Mas então, outro dever nos convém: não devemos manuseá-la ou inspecioná-la, como se ela fosse comum. Nossas palavras devem ser poucas; pois na “multidão de palavras” sobre tal assunto, “não falta transgressão”. As considerações físicas de tal assunto não devem ser toleradas, mesmo que sejam sólidas e não possam ser negadas, pois tais considerações não são o caminho do Espírito ou da sabedoria de Deus. O corpo do Senhor era um templo, e está escrito: “o Meu santuário reverenciareis. Eu Sou o SENHOR” (Lv 19:30).
Se alguém se recusasse a seguir essas considerações e, em vez de aceitá-las, as rebatesse, eu não diria nada. Para muitas almas, poderia ser uma recusa santa e sensível de se intrometer, além de sua medida e do padrão da Escritura, com aquilo que deve estar sempre além de nós. Lembro-me das palavras: “Não respondas ao tolo segundo a sua estultícia, para que também te não faças semelhante a ele” (Pv 26:4). Mas essas considerações sobre a Pessoa do Filho de Deus começaram em outros lugares. A arca caiu em mãos incircuncisas – e esta palavra, que me encarreguei de escrever, é um esforço para recuperá-la daquelas mãos – e o que eu realmente desejo é tirá-la do “carro novo” com a reserva e santidade que convém à alma ao prestar esse serviço.
Acrescentarei apenas que toda essa questão atual é feita para beneficiar a alma. Nos tempos antigos, a carcaça de um leão (por mais proibitivo que esse objeto tenha sido) foi forçada a produzir até mesmo mel, delicado como é e bom para a alimentação. Paulo teve que fazer a obra proibitiva de defender a doutrina da ressurreição na própria face de alguns entre os santos em Corinto; mas isso se tornou frutífero, como a carcaça do leão. Pois, não é somente uma defesa da própria doutrina que surge, mas glória após glória, pertencente a esse mistério, passa diante dele. A ele é dado, por meio do Espírito, ver a ressurreição em sua ordem ou em suas diferentes ocasiões; o intervalo entre tais ocasiões e o trabalho a ser feito em cada uma delas, de acordo com as dispensações divinas; a cena que deve suceder à última dessas ocasiões; e também a grande era da ressurreição dos santos em todo o seu poder e magnificência, com o alarido de triunfo que deve acompanhá-la (1 Co 15). Ali estava o mel, e o mel novamente, talvez possa dizer, da carcaça de um leão, pois tal é a controvérsia entre os irmãos.
Mas, como já foi escrito, assim é, na abundante graça de Deus, ainda existente: “Do comedor saiu comida, e doçura saiu do forte” (Jz 14:14).
“Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao Teu nome dá glória, por amor da Tua benignidade e da Tua verdade” (Sl 115:1).
J. G. Bellett
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