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Misticismo (Janeiro - 2009)

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Revista mensal publicada originalmente em janeiro/2009 pela Bible Truth Publishers

 

ÍNDICE


          Tema da edição

          W. J. Prost

          Adaptado de The Bible Treasure, 8:63-64

          H. H. McCarthy, adaptado

          H. H. McCarthy, adaptado

          D. C. Buchanan

          The Christian Friend

         H. F. Witherby, adaptado de The Bible Treasury, 12:272

          The Christian Friend, 13:280

          H. H. McCarthy, adaptado

          J. N. Darby (Collected Writings, 10:217)

          Things New and Old, 26:196

          J. N. Darby

          W. Kelly

          Ryland, Hinário Little Flock, hino 243

 

Misticismo

  

Deus em Sua santidade, majestade, justiça e amor encontrou Seu descanso na obra e Pessoa de Cristo; também encontrei o meu ali. Um místico nunca tem descanso, porque ele em vão busca no homem o que deveria buscar em Deus, que já cumpriu todas as coisas antes de ele sequer ter pensado nisso. Aqui, o pecado está no homem; no céu, ele pensará apenas em Deus. É por isso que a imaginação desempenha um papel tão grande no misticismo e por meio dela Satanás consegue tantas vezes enganar, porque a imaginação e o coração do homem são chamados a entrar em cena. Não digo que afeições espirituais não estejam presentes – longe disso – nem que Deus nunca Se revele a tais afeições. Não duvido que Ele faça isso e assim deixe a pessoa feliz, mas você a encontrará, no final das contas, ocupada com as afeições, e não com o próprio Deus. É o principal defeito do misticismo. Numa palavra, eu o vejo como um esforço do coração humano, tentando produzir dentro de si algo forte o suficiente na forma de afeição para satisfazer um coração despertado pela excelência de seu Objeto. (J. N. Darby, adaptado)

 

Nós que somos salvos não podemos mudar a nós mesmos. Deus, pelo Espírito, nos muda quando estamos ocupados com o Cristo, o Objeto perfeito, que satisfaz nossa natureza divina. “Nunca tente amar o Senhor mais do que você ama; apenas esteja ocupado com o amor d'Ele por você.”

 

Tema da edição

 

A Essência do Misticismo

 

Desde a queda do homem, sua mente pecaminosa começou a permitir voos de fantasia em seu próprio coração e mente, permitindo que a imaginação tomasse o lugar da revelação divina. Paulo descreve isso bem quando escreve: “eles... em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1:20-22). Baseado em sua própria imaginação, intuição ou experiência subjetiva similar, o homem pensa que chegou ao conhecimento da realidade final. É isso que constitui o misticismo no homem natural. O homem, sendo religioso por sua própria natureza, apela então aos seus sentimentos como uma fonte de conhecimento em coisas divinas.

 

O perigo do crente 

Embora o crente talvez não chegue a tais extremos, no fundo essa mesma tendência existe nele. O misticismo pode arruinar o gozo que o crente tem em Cristo, assim como pode impedir o incrédulo de vir para Cristo. Embora suas sementes estivessem presentes desde o início do Cristianismo, o misticismo começou a emergir de forma mais aberta no século IV d.C. Alarmados com o mundanismo que estava entrando na Igreja, alguns começaram a buscar uma vida mais elevada e um andar mais piedoso. Certamente esse era um desejo correto, mas, em vez de olhar para Cristo, os homens começaram a olhar para si mesmos, e o resultado foi o monasticismo. Tudo isso ministrava ao orgulho humano, em vez de exaltar a Cristo, porque no fundo era ocupação consigo mesmo.

 

Devemos lembrar, no entanto, que estamos vivendo na dispensação em que o Espírito de Deus está aqui na Terra, habitando em cada crente verdadeiro e habitando coletivamente no meio dos crentes como a casa de Deus. Essa preciosa verdade nos leva além de uma mera adesão fria à verdade e nos dá aquela comunhão pessoal e coletiva com o próprio Deus. Verdadeiramente “a nossa comunhão é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo” (1 Jo 1:3). No Velho Testamento, a Palavra de Deus foi escrita em “tábuas de pedra”, mas no Novo Testamento Paulo fala dos Coríntios como uma epístola escrita em “tábuas de carne do coração” (2 Co 3:3). É pelo Espírito de Deus que temos nosso gozo em Cristo. Por esse mesmo Espírito, entendemos a Palavra de Deus, entramos em toda a verdade, nos envolvemos em adoração e serviço ao Senhor e recebemos direção em nosso caminho.

 

Entendendo a verdade 

No entendimento das coisas divinas nesta dispensação, como também na adoração, no ministério e na direção em nosso caminho, podemos ver que todo crente deve ter cuidado para não cair no misticismo. A verdade revelada no Novo Testamento só pode ser entendida com o Espírito de Deus conduzindo, e a imaginação humana pode facilmente ser misturada a ela. A doutrina pode ser distorcida, e um pensamento errôneo ser alimentado, talvez sem que o indivíduo perceba. Uma interpretação das Escrituras pode ser parcialmente do Espírito de Deus, mas ter os pensamentos do homem misturados a ela. Na direção para o nosso caminho, isso também pode ser verdade. Paulo foi impedido de entrar em Bitínia (veja Atos 16:7), e alguns bem poderiam perguntar por qual parâmetro ele poderia ter certeza de que era o Espírito de Deus conduzindo, e não mera imaginação. Certamente nesta dispensação existe a condução direta do Espírito de Deus, mesmo que possa não haver nenhuma Escritura definida envolvida. Como então diferenciamos isso do misticismo?

 

Certamente, é necessário equilíbrio adequado, já que há perigo de ambos os lados. Existe um claro caminho da verdade entre os extremos do misticismo e do literalismo rígido. Como alguém comentou: “A Palavra sem o Espírito cria um racionalista, enquanto o Espírito sem a Palavra cria um fanático.” No primeiro caso, o Espírito de Deus é excluído, e todo o caráter desta dispensação é negado. Nosso gozo em Cristo é perdido, e a obediência é reduzida a uma fria formalidade sem poder. No segundo, no entanto, a imaginação do homem vai além e até mesmo eclipsa a revelação divina, de modo que a Palavra de Deus é desprezada, e o homem se volta para si mesmo. Nesse caso, Satanás usa a mente do homem de maneira sutil, e, mesmo nas coisas divinas, o “eu” se torna o objeto, em vez de Cristo.

 

O que pode acontecer 

Quando o misticismo toma conta, seus efeitos são amplos. Pode começar com o autoexame, o que às vezes é uma coisa boa. No deserto, Israel teve que aprender sobre si próprio e depois aprender o que Deus era. No entanto, a ocupação consigo mesmo, talvez até com motivos corretos, nunca nos trará felicidade e nunca nos atrairá a Cristo. Em vez disso, ao nos ocuparmos com nós mesmos, ou seremos sufocados pelo mal da nossa carne ou estaremos inchados com o que consideramos ser nossa própria bondade. Este foi o pecado de Jó – ele se orgulhava de sua própria bondade e não percebeu que qualquer bem em sua vida era resultado de uma obra da graça em sua alma. O misticismo, como já mencionamos, volta o homem para si próprio e, no final, resulta em incredulidade quanto ao que Deus disse. A confusão que se segue costuma dar origem a pensamentos desgovernados e fantasiosos, supostamente baseados na Palavra de Deus, mas frequentemente indo além dela. Como veremos em outro artigo desta edição, no fundo é a negação da total ruína do homem na carne.

 

Detectando o misticismo 

Como, então, distinguimos entre misticismo e o que é apropriado para os santos nesta dispensação – a condução do Espírito? Sugerimos as seguintes coisas que a Palavra de Deus traz diante de nós.

 

Antes de tudo, a Escritura nunca enfatiza o subjetivo como base ou guia para nossos pensamentos e afeições. Antes, Cristo ressuscitado em glória nos é apresentado, e o Espírito de Deus em nós Se deleita em trazê-Lo diante de nós. O subjetivo é real e muito valioso, mas é sempre o resultado do objetivo – de termos Cristo diante de nós, nunca nós mesmos. O Espírito nunca nos ocupa com Sua obra em nós; antes, Ele nos ocupa com Cristo. O místico, por outro lado, é muito envolvido com a obra nele. Ocupação consigo mesmo é um sinal claro de que não é o Espírito de Deus em ação, a menos que haja alguma falha que Ele esteja trazendo diante de nós. Nesse caso, o Espírito precisa tratar a falha conosco, mas apenas para que possamos julgá-la, nos acertarmos com Deus e então prosseguir.

 

Segundo, o Espírito sempre guia de acordo com a Palavra, nunca de modo contrário a ela. Embora o Espírito possa nos guiar sem uma Escritura definida, Ele nunca guia de modo contrário à Palavra, pois foi Ele Quem inspirou a mesma Palavra. Ao estarmos familiarizados com a Palavra de Deus, descobrimos que o Espírito de Deus Se deleita em abri-la para nós de acordo com a mente de Deus, e dessa maneira muitas perguntas são respondidas por meio de um versículo, um incidente paralelo ou outra aplicação das Escrituras. Uma profunda reverência e sujeição à autoridade da Escritura distingue real espiritualidade de misticismo.

 

Terceiro, quando Cristo está diante de nós como um Objeto, nossa consciência está em exercício diretamente com Deus quanto às reivindicações d’Ele sobre nós. A consciência do místico também pode estar em exercício, mas, por ele estar procurando o bem em si mesmo, em vez de olhar para Cristo, tudo fica distorcido, e ele falha em ver as coisas em sua verdadeira luz. O legalismo entra, e muitas vezes uma ênfase em coisas exteriores está presente, quando há ausência de realidade interior. Em vez de a consciência estar em relação direta com Deus, os homens e sua autoridade podem se tornar proeminentes, e assim Deus é excluído. Um verdadeiro desejo de ser como Cristo pode estar presente, mas nunca pode ser realizado, porque o verdadeiro Objeto não está diante dele. É um falso ministério que traz algo entre Deus e a consciência, enquanto o verdadeiro ministério coloca minha consciência diretamente em relação com Deus.

 

Ocupação com Aquele que abençoa 

Finalmente, devemos lembrar que todo o gozo de nossas bênçãos se baseia no que já possuímos. Nós estamos “mortos para o pecado” (Rm 6:2); somos abençoados “com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Ef 1:3); somos feitos “idôneos para participar da herança dos santos na luz” (Cl 1:12). Aceitamos essas coisas por fé, não pela experiência. Ao tomar, por fé, o lugar onde Deus nos colocou, descobrimos que não estamos ocupados com nós mesmos, mas com Aquele que nos trouxe para esse lugar. Tudo o que vem junto – como gozo no coração, afeição por Cristo e nós não nos conformarmos com este mundo – resulta de desfrutarmos desse lugar, porém essas coisas em si não são o nosso objeto. A experiência pode ser maravilhosa, e Deus quer que seja assim, mas ocupar-se com a experiência jamais irá produzi-la.

 

Em resumo, vemos que Deus coloca diante de nós o Seu Filho amado como nosso Objeto e que, ao estarmos ocupados com Ele, nos tornamos gradualmente “conformes à imagem de Seu Filho” (Rm 8:29). Mas é Sua obra, Seu poder e Sua glória. No momento em que olhamos para nós mesmos ou nos tornamos ocupados com Sua obra em nós, nós a estragamos. Tomamos a glória d’Ele como nossa e roubamos de Cristo o que Lhe é devido. Somente tendo Cristo como um Objeto fora de nós mesmos é que podemos andar diante de Deus da maneira correta.

 

W. J. Prost

 

Cristianismo – Primeiro o Objetivo, Depois o Subjetivo

 

Somente Deus é autossuficiente. Ele pode criar objetos na exibição de Seu amor, mas Ele não precisa de nada exterior a Si mesmo, como uma criatura precisa. O homem não possui recursos intrínsecos dentro de si, seja ele caído ou não, nem os anjos. Tire Deus de cena: O que eles são? Nada, ou demônios. Assim é o homem: se seu objeto é o dinheiro, ele se torna avarento ou cobiçoso; se ele busca poder, é ambicioso; se ele busca prazer, ele se torna um homem de prazer. Em todo caso envolvendo uma criatura, o que é objetivo é a fonte do seu estado subjetivo.

 

No Cristianismo, as duas naturezas entram em cena, e a velha natureza não terá o objeto divino que é conforme a nova natureza e que é o fundamento da fé, mas o princípio permanece inalterado. Aquilo que é o objetivo é a fonte do estado subjetivo. Temos o objeto correto colocado diante do Cristão em 2 Coríntios 3:18: “Mas nós todos, contemplando a glória do Senhor com rosto descoberto, somos transformados conforme a mesma imagem de glória em glória, como pelo Senhor o Espírito” (JND).

 

Estêvão 

Estêvão, contemplando a glória do Senhor, é uma imagem magnífica a se considerar. Toda a questão entre Cristianismo e racionalismo é colocada em pauta. O progresso da natureza humana, com os próprios elementos mencionados e o resultado contrastado, é declarado. “Vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis” (ARA). Existe o relacionamento entre o homem e o Espírito. Ele continua: “A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? Até mataram os que anteriormente anunciaram a vinda do Justo, do Qual vós agora fostes traidores e homicidas”. Tais eram seus caminhos com aqueles que revelavam a lei de uma maneira mais espiritual, até mesmo quando era com o testemunho vivo e perfeito do próprio Senhor Jesus. Esse era o homem – a carne em oposição à lei. Esse era o seu estado: ele sempre resistia ao Espírito Santo.

 

Agora observe o contraste do homem espiritual objetivo. Estêvão, “cheio do Espírito Santo e fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus, e disse: Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem, que está em pé à mão direita de Deus”. E qual foi o efeito, o efeito subjetivo, em um que era cheio do Espírito Santo, de sua percepção objetiva dos objetos celestiais? Em meio à ira e à violência, e enquanto estava sendo efetivamente apedrejado, com toda a calma, ele não apenas suporta, mas se ajoelha e diz: “Senhor, não lhes imputes este pecado”. Assim como Jesus havia dito: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Então ele disse: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”, como Jesus havia dito: “Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito”. Ele contemplou, com rosto descoberto, a glória do Senhor e foi transformado na mesma imagem de glória em glória, como pelo Espírito do Senhor.

 

Que contraste nos é apresentado. De um lado está o homem resistindo ao Espírito Santo, o homem homicida do Justo, agora rangendo os dentes contra Estêvão em fúria! Do outro lado está Estêvão cheio do Espírito Santo, que, vendo o Filho do Homem no céu, é transformado na Sua imagem e é morto pelo seu próximo.

 

Liberto 

A beleza do Cristianismo é que, por ser objetivo, por ser a verdade, ele nos liberta. A verdade vos libertará, e é uma Pessoa, o Filho, que vos libertará. Ele opera efetivamente naqueles que recebem a Cristo e não requer desenvolvimento intelectual para receber seu poder. Cristo é recebido no coração e, habitando ali pela fé, produz o efeito em nós. Além disso, o Cristianismo nos leva para fora de nós mesmos, porque é objetivo, e nós, cheios de deleite em um Objeto que é perfeito, somos semelhantes a Ele.

 

O amor à virtude 

É a sabedoria divina. O homem quer produzir virtude pelo amor à virtude em si mesmo, mas então ele pensa em si mesmo, e toda a sua virtude é podridão. Deus nos dá um Objeto humano, porém divino, e nossas afeições são divinas, porque amamos o que é divino e somos moralmente o que amamos, mas, quando amamos isso em outro, somos libertos do “eu”. Gostaria apenas de acrescentar que acredito que essa adaptação do caráter do andar à nossa posição inteiramente nova em Cristo é o significado da Escritura: “Criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”. Por isso, somos a epístola de Cristo, gravada nas tábuas de carne do coração pelo Espírito do Deus vivo.

 

O ponto de partida é o oposto. O Cristianismo trata o homem como um ser caído, não apenas como imperfeito, mas como alguém afastado de Deus, e que necessita de uma nova natureza e redenção. Cristo encontrou Nicodemos imediatamente nessa base, quando disse: “Necessário vos é nascer de novo”.

 

Adaptado de The Bible Treasure, 8:63-64

 

Verdade Objetiva e Subjetiva

 

Uma das principais características do misticismo é a distorção da verdade objetiva e subjetiva. Em vez de preservar o equilíbrio bíblico entre os dois, o lado subjetivo é frequentemente enfatizado a tal ponto que o lado objetivo, embora admitido, é amplamente obscurecido.

 

Os pensamentos de Deus 

Vejamos a distinção entre verdade objetiva e subjetiva, para que possamos ter os pensamentos de Deus sobre elas. Primeiro, temos os pensamentos de Deus em Sua própria Palavra – eles são Seus; então, quando os recebemos d'Ele, eles são os mesmos em nós – pensamos Seus pensamentos. A verdade objetiva é a maneira como Deus Se revela em Cristo, que é a expressão positiva de Deus diante do homem. Em seguida, descobrimos que a verdade subjetiva é aquela que é produzida em nós pelo Espírito Santo, que não fala por Si mesmo, mas glorifica Jesus ao tomar Suas graças morais e nos mostrá-las como nossas. É assim que Ele cria em nossa consciência e afeições uma resposta à verdade objetiva apresentada e, por esse meio, torna os crentes os efeitos do testemunho de Deus sobre a obra na qual Ele foi perfeitamente glorificado e plenamente revelado. Mas observe que essa ação subjetiva só é realizada colocando um objeto de fé diante da alma, como o Senhor disse: “Mas, quando vier Aquele Espírito da verdade... Ele Me glorificará, porque há de receber do que é Meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16:13-14).

 

Fé e paz 

Em Romanos 5:1 lemos: “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo”. Aqui temos fé objetiva produzindo paz subjetiva, e estas nunca devem ser separadas nem confundidas. A palavra “pois” nos leva de volta ao final do capítulo 4, onde temos o objeto dessa fé, a saber, a atestação de Deus à obra de Cristo em nosso favor, por quem ela foi realizada. No capítulo 5:5, temos nosso estado subjetivo sendo novamente referido, a saber: “O amor de Deus está derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado”, mas somos instantaneamente levados à verdade objetiva no capítulo 5:6-8, a saber, o amor que salva, que é maior do que as coisas dadas, pois esse é o meio pelo qual Deus, o Espírito Santo, produz uma resposta subjetiva que se adapta às afeições do Pai. Assim, Cristo e Seu amor não são apenas a fonte, mas o Objeto íntimo de nossa nova vida, dependente, pela qual o estado subjetivo se desenvolve e santidade é produzida, pois a santidade é o desenvolvimento do amor.

 

Cristo em mim 

Quando a verdade é recebida no coração, Cristo é recebido, e isso me humilha, porque está relacionado com o mal que está em mim; então não é apenas Cristo como um Objeto fora de mim, mas um Cristo vivo em mim. Mas um mero conhecimento exterior, que não tem poder sobre a consciência, apenas incha (1 Co 8:1). Quando, no entanto, o mal interior é descoberto e julgado pela consciência, eu possuo Cristo como parte do meu próprio ser moral. Meus sentidos são exercitados para discernir entre o bem e o mal, entre o que é Cristo e o que sou “eu”, enquanto eu estiver neste corpo com pecado em mim. Quando Cristo é assim recebido, é como se Ele estivesse me dizendo: “Eu resolvi toda a questão para você entre a coisa velha e Deus, e agora você resolve a questão para Mim entre a coisa nova versus o mundo, a carne e o diabo”. E isso só é feito na prática morrendo diariamente, “trazendo sempre por toda parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos” (2 Co 4:10). Na prática, essa é a única maneira de se elevar acima do mal (o “eu”), assim como Deus está acima dele.

 

Feitura Sua 

“Porque somos feitura Sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10). Essa passagem se refere evidentemente ao caráter recém-criado pelo qual Cristo é exibido em Seus santos, ou verdade subjetiva, pois aquilo que é de valor para Deus não é a quantidade de trabalho que pensamos que fazemos, mas a medida de Cristo que apresentamos aos outros, na humildade, na gentileza e na graça que Ele exibiu quando esteve aqui. (Compare João 1:18 e 1 João 4:12). E não preciso dizer que Cristo deve estar no vaso pela ocupação com Ele fora do vaso, para produzir essas belas graças no mundo em que Ele tem sido rejeitado, caso contrário, seria apenas um “eu” melhorado, isto é, uma espécie de mistura mística.

 

Verdade e a consciência 

A consciência nunca deve permitir que nada se coloque entre ela e Deus (Hb 4:12). É a verdade que comanda a consciência e a torna perfeita, porque a verdade é o testemunho de Deus sobre a eficácia da expiação, da qual Cristo é agora a exibição. É a glória de Deus desvendada em redenção eterna consumada – uma maravilhosa verdade de que agora não há, para a fé, nenhum véu sobre a glória de Deus na face de Jesus Cristo e nenhum véu nos olhos de fé que a veem. É isso que nos faz superiores ao mal, até mesmo ao mal que está em nós.

 

Todo santo com uma consciência despertada é trazido a um combate espiritual entre o bem e o mal, o conhecimento do qual nós adquirimos com a queda. Existem dois princípios poderosos em todo crente, um do bem e outro do mal. Nós devemos ou nos elevar acima do mal, assim como Deus está acima dele, tendo Cristo em vez do “eu”, ou podemos ser místicos e farisaicos no combate, e miseráveis, se honestos com nós mesmos.

 

Mas, quando a consciência é verdadeiramente despertada e quando nos contentamos em considerar Cristo em vez do “eu”, esse Objeto é colocado diante de nós e, agindo sobre nós, nos eleva acima do mal, assim como o próprio Deus está acima dele, nos impregnando, no poder do Espírito Santo, com o significado da glória desvendada de Deus na face de Jesus Cristo, que é colocada diante de nossa fé para nos alimentarmos, como é dito em 2 Co 3:18; 4:4, 6.

 

Cristo visto de três maneiras 

Para facilitar nosso entendimento espiritual do que esse bendito Objeto transmite, podemos considerar três maneiras distintas pelas quais a Escritura vê Cristo. Primeiro, a Escritura O mostra à nossa fé antes da encarnação. Lemos sobre Ele em João 1: “No princípio era o Verbo”. Aqui temos Sua eternidade. A segunda maneira pela qual a Escritura O vê é na humildade da encarnação: “E o Verbo Se fez carne”. “Deus Se manifestou em carne” (ACF). Mas observe: Ele é a mesma Pessoa aqui que Ele era antes de Se tornar Homem. Quando Ele abdicou a “forma de Deus”, de acordo com Filipenses 2, Ele nunca deixou de ser Aquele que a tinha abdicado. É assim que vemos as glórias morais de Sua humilhação muito mais maravilhosas do que os brilhos deslumbrantes das glórias que Ele tinha com o Pai antes que o mundo existisse, mas que Ele encobriu com a humilhação e humildade d’Aquele que, “sendo rico, por amor de vós Se fez pobre, para que, pela Sua pobreza, enriquecêsseis”. Por fim, a Escritura olha para o Senhor de uma maneira presente – Aquele que foi até à morte e agora ressuscitou da morte, criando um lugar de aceitação para nós. Em Seu estado presente, ressuscitado da morte, Ele Se tornou a vida de todo crente, bem como a justiça deste diante de Deus. Assim, a justiça não está em mim, embora exista uma resposta em minha consciência, em vez de nos meus pecados, para o que Cristo agora é para mim como justiça diante de Deus. Por conta de tudo isso, sou capaz de considerar a coisa velha como morta.

 

Transformação 

Em 2 Coríntios 3:18, temos outro ensinamento contundente, mostrando a distinção entre verdade objetiva e subjetiva e a impossibilidade de separá-las. A fé se apossa da primeira parte do versículo, “Mas todos nós, contemplando a glória do Senhor, com rosto descoberto, somos transformados”, porque a comunicação da verdade, por meio da fé, nos transforma na imagem daquilo que nos foi comunicado. Nós “somos transformados conforme a mesma imagem de glória em glória, como pelo Senhor o Espírito” (JND). 

 

Tais exibições de Jesus, de como Ele é agora, criam uma resposta e fazem com que o pobre vaso se assemelhe ao Objeto de seu deleite. Somos transformados na mesma imagem de glória em glória, nosso estado sendo formado pela revelação daquilo em que Cristo entrou. Há primeiro o Objeto, e depois há uma resposta, na consciência e no coração, a essa “excelente glória”.

 

H. H. McCarthy, adaptado

 

Bondade em Deus, Não no Homem

 

O homem nunca pode ser adequado aos olhos e à aprovação de Deus amando a bondade em si mesmo, porque não há poder para subjugar o “eu” dessa maneira. Aqueles que tentam ser o que gostariam não conseguem, mas, se contemplarmos a bondade em Cristo, a respeito destes Ele diz ao Pai: “lhes dei as palavras que Me deste; e eles as receberam”. As palavras dadas por Ele nos colocam no lugar daqueles que são dependentes, e, em obediência a essas palavras, bondade derivada é encontrada.

 

O homem dependente 

Isso é o oposto do misticismo: é a verdade – o exato contraste com as vaidades místicas, que, infelizmente, muitas vezes são ativas em um santo, mas que Deus expõe pelo contraste com a humildade de Cristo, que Se tornou tão dependente a ponto de poder usar a seguinte linguagem, adequada para expressar Seus sentimentos em Sua Humanidade: “Eu não posso de Mim mesmo fazer coisa alguma”. “Se Eu testifico de Mim mesmo, o Meu testemunho não é verdadeiro”. “Não tenho outro bem além de Ti”. “Por que Me chamas bom? Não há bom, senão Um só que é Deus”. “Não seja... o que Eu quero, mas o que Tu queres”. “Porei n'Ele a Minha confiança”. “A Minha doutrina não é Minha, mas d’Aquele que Me enviou”. “Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória, mas o que busca a glória d’Aquele que O enviou, esse é verdadeiro, e não há n’Ele injustiça”. “Eu não busco a Minha glória”. “Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e igualmente Eu vivo pelo Pai, também quem de Mim se alimenta por Mim viverá”.

 

Oh, como tal linguagem marca a graça infinitamente maravilhosa do “Verbo que Se fez carne” e que assim introduziu na Humanidade uma santidade tão perfeita quanto a Sua antes de Se tornar Homem. Isso Ele fez para, como Homem, sempre olhar para Deus em vez de Si mesmo, como declaram as Escrituras anteriores, “deixando-nos o exemplo, para que sigais as Suas pisadas”. Que privilégio maravilhoso é para nós, agora que Sua graça nos colocou no mesmo lugar que Ele, tomá-Lo como nosso Exemplo em todas as coisas, exceto, é claro, a terrível agonia expiatória do pecado e suas conexões.

 

Morto com Cristo 

Só que, no nosso caso, temos que incorporar Cristo em vez de nós mesmos de maneira prática, levando no corpo o morrer do Senhor Jesus, sendo este o meio pelo qual Cristo então aparece, em vez do “eu”.

 

Nós assim exibimos bondade que é incessantemente derivada, enquanto vivemos em Gilgal, que é uma figura do lugar onde tudo no “eu” foi excluído. É o lugar onde o Senhor Jesus Se colocou em nosso lugar na morte sob o juízo de Deus, excluindo o homem de uma vez por todas.

 

É a comunicação da vida ressurreta em Cristo que nos permite tratar o velho homem como morto. Alguns dizem que, quando tratamos o velho homem como morto, estamos habilitados a ter vida, o que realmente pressupõe que haja algum bem e poder em homens caídos para fazer isso. Mas é a consciência de estar morto e ressuscitado com Cristo que permite que um santo mantenha no lugar de morte qualquer coisa nele que não seja Cristo. Ela permite, de acordo com 2 Coríntios 4:10, que ele mantenha no lugar de morte tudo o que Deus colocou lá.

 

O “eu” substituído por Cristo 

É dessa forma que o “eu” é removido como objeto, sendo substituído por Cristo, de modo que toda a nossa bondade seja o Cristo ressuscitado de maneira derivada e nós sejamos reabastecidos estando ocupados com a “excelente glória”. Isso nos dá a percepção do valor da morte de Cristo para Deus e mantém não fingida a nossa fé e pura a nossa consciência, de modo a estarmos sempre regozijando n'Ele pela “saúde da Sua face” (JND), que assim se torna “a saúde” da nossa, sempre lembrando de nunca fazer da saúde de nossa face o objeto, mas sim a saúde da face d’Ele.

 

H. H. McCarthy, adaptado

 

O Equilíbrio Correto

 

Entender os conceitos das coisas objetivas e subjetivas é difícil, mas o verdadeiro desafio para a maioria de nós é manter o correto equilíbrio dessas duas coisas em nossa vida diária. Vamos comparar com alguém aprendendo a dirigir. Não importa quantos livros a pessoa possa ter lido sobre a mecânica de um carro e a maneira correta de dirigir, é necessário prática para dirigir bem. Na primeira vez em que o aluno se senta ao volante, tudo sobre o uso do acelerador, do freio, a mudança de marchas e todos os outros botões é desconhecido. É preciso praticar para aprender a usá-los juntos. Mas a regra fundamental número um ao dirigir é manter os olhos na estrada. É um conceito simples, porém difícil de executar enquanto nos concentramos nas outras habilidades de mudança de marcha, frenagem e assim por diante. Em nossa vida Cristã é semelhante, na medida em que precisamos manter o foco sempre em Cristo como nosso Objeto, enquanto, ao mesmo tempo, permitimos que o Espírito Santo direcione a obra contínua em nós. Dessa maneira, nossa vida será uma luz e um testemunho de Cristo, não de nós mesmos. Nenhuma atividade mental difícil é necessária para que alguém tenha os olhos unicamente em Cristo e um coração disposto que permita que o Espírito de Deus ordene sua vida, mas alguns ensinamentos podem ser úteis.

 

D. C. Buchanan

 

Sujeição à Escritura 

 

A sujeição da mente à autoridade da Escritura distingue a direção do Espírito Santo do espírito do mundo e distingue real espiritualidade de misticismo nebuloso.

 

 The Christian Friend

 

Posição e Estado Celestial

 

É bem possível assumir a posição celestial de um crente de maneira legalista e exigir da alma, por assim dizer, que a verdade seja aceita; e, quando esse é o caso, Cristo é dissociado da doutrina, e o “eu”, ainda que não seja verbalmente, ganha um lugar. Uma série análoga de trabalho mental se segue naqueles que têm um conhecimento parcial da verdade de Efésios sem que a alma tenha sido tornada receptiva pelo Espírito Santo.

 

É impossível aprender Cristo legalmente. As doutrinas, separadas de Cristo, apenas murcham a vitalidade da alma. E, quanto mais elevada a verdade, mais tristes serão os resultados quando ela é forçada de maneira legalista. Um homem que tem a doutrina da posição celestial dos crentes, mas que ainda não apreendeu Cristo onde Ele está, estará em perigo de exultação muito pior do que uma pessoa simplesmente cheia de justiça própria. Quantas vezes ouvimos o crente falar dos lugares celestiais sem mencionar que é em Cristo que estamos nos lugares celestiais! É fácil para a alma se gloriar ou estar ocupada com a posição no céu, até mesmo a ponto de deixar fora o “em Cristo”. “Eu sou um homem celestial” pode significar “Eu não sou nada, mas estou em Cristo no céu”, ou pode significar “Eu sou alguém que alcançou o que outros não alcançaram”.

 

Estado e posição 

Sem dúvida, muitas vezes há uma confusão entre a posição celestial do crente e seu estado em relação a essa posição. A posição é imutável; o estado é exatamente onde a alma está. Mas um homem que pensa que alcançou um estado celestial porque ele aprendeu sua posição celestial comete um grave erro. De fato, ele está em perigo iminente de se gloriar na doutrina, ou em si mesmo por conhecê-la. Quando esse é o caso, há uma maneira peculiar de menosprezar os outros crentes, um tom de alma que parece dizer: “Eu sou uma pessoa superior”. É uma reprodução do velho farisaísmo: “esta multidão, que não sabe a lei”.

 

A libertação da ocupação consigo mesmo precisa resultar em ocupação com Cristo, caso contrário não haverá santidade. De modo similar, pessoas que têm os olhos abertos quanto à posição celestial do crente, simplesmente porque conhecem a posição, imaginam-se na prática celestiais. É realmente um erro muito grande, e, se essa confusão entre posição e estado permanecer na alma, qualquer outra coisa, menos santidade, será o resultado.

 

Cristianismo prático 

A negligência para com a “religião pura” não é rara de ser encontrada em tais casos (Tg 1:27). Atos simples de Cristianismo prático, como visitar os doentes, cuidar dos pobres e, em alguns casos, até mesmo o evangelho para os pecadores são considerados ocupações inferiores, inadequadas à atmosfera “celestial”. Parece ser esquecido que existem os capítulos 4-6 em Efésios e que ser celestial é algo totalmente prático no lar, nos relacionamentos da vida e no combate Cristão.

 

A humildade nunca faz propaganda de si. É extremamente desagradável ler a declaração de um homem sobre si mesmo. A humildade é uma das primeiras flores da graça na alma.

 

Desequilíbrio 

O crente, a quem Deus deu, para sua alma, uma apreensão de Cristo onde Ele está e o conhecimento de que os Cristãos estão assentados em Cristo nos lugares celestiais, não desejará ler apenas um único conjunto de porções da Palavra de Deus. Ele certamente procurará estar familiarizado com todo o conselho de Deus. É sempre algo perigoso quando apenas as escrituras favoritas são lidas; isso mostra claramente que uma mente agindo assim está em desequilíbrio. Deus nos deu toda a Sua Palavra, e precisamos de cada versículo dela, e certamente ninguém precisa mais das exortações da Escritura do que aqueles que se alegram, e se alegram diante de Deus, nas verdades celestiais, como vemos evidenciado nos capítulos finais das epístolas aos colossenses e aos efésios.

 

Santidade 

A santidade é o próprio anseio da vida divina. Deus misericordiosamente libertou muitos de tentarem na carne imitar a Cristo; Ele mostrou o que é o “eu” bem como o seu fim judicial na cruz de Cristo, e que aqueles que são Seu povo devem considerar-se mortos para o pecado. Deus fez mais: Ele abriu a mente de muitos para o conhecimento de Cristo ressuscitado e de que, à Sua semelhança, todos os Seus serão conformados. O caminho da santidade é andar como Cristo andou, sendo semelhante a Cristo nesta Terra, e o homem realmente celestial será conhecido por seus caminhos.

 

H. F. Witherby, adaptado de The Bible Treasury, 12:272

 

Ocupação com Nosso Estado

 

A ocupação com nosso estado nunca nos levará para mais perto do Senhor; apenas afligirá, enfraquecerá e escravizará nossa alma. A ocupação com Cristo produzirá a cada momento uma crescente conformidade com Sua imagem. O verdadeiro remédio, portanto, para um mau estado é Cristo preenchendo tão completamente nossa visão – Cristo no que Ele é e no que Ele fez – que o “eu” não pode ser visto à luz de Sua glória. O estado não é tudo, mas Cristo é tudo, e na proporção em que aprendermos essa lição, nosso estado estará em conformidade com Sua mente.

 

The Christian Friend, 13:280

 

Fé e Incredulidade

 

Há coisas, boas e más, que nunca se misturam, mas que sempre se mantêm em sua própria companhia. De um lado, fé e confiança são companheiras inseparáveis e, do outro, incredulidade e misticismo sempre se encontram no mesmo nevoeiro de confusão.

 

A verdade 

A fé nunca toma conselho com o que alguém sente, ou pensa, ou conclui, nem faz do estado de alguém o seu objeto, porque nenhum objeto se adequa à fé, exceto a verdade, que é Cristo, um Objeto fora de nós mesmos. É dito que Cristo, não Deus, é a verdade, porque “a verdade” é aquilo que é dito sobre outra coisa. É somente no Homem que Deus Se faz ver e Se dá a conhecer; portanto, é dito que Cristo é a verdade quanto a Deus. Ele é “a imagem do Deus invisível”, pois é somente em Cristo que Deus pode ser realmente conhecido. Portanto, fé e confiança estão sempre no mesmo alto nível em que a verdade está – verdade que agora exibe a “glória de Deus, na face de Jesus Cristo”, isto é, a expressão da satisfação de Deus na obra que resgatou pecadores para Ele mesmo. O crente agora não é apenas feito idôneo para a luz, de acordo com a glória da própria natureza de Cristo, mas adequado para que Ele tenha Seu deleite na companhia do homem resgatado, de uma maneira que tais intimidades entre Deus e o homem na inocência jamais poderiam ter sido conhecidas.

 

Desejo de satisfação 

A incredulidade busca encontrar dentro de nós mesmos algo em cima do que raciocinar e procura obter de Deus um testemunho do nosso próprio estado, em vez do testemunho que Ele sempre Se deleita em dar de Seu Filho bendito. Assim, a incredulidade e o misticismo estão sempre no mesmo nível baixo, em busca de suprir a necessidade em outro lugar que não seja “a verdade” como ela é “em Jesus” – ansiando por uma satisfação que nunca será possuída ou desfrutada dessa forma. Quando falamos frequentemente de nossa própria felicidade, é um sinal claro de que a felicidade é o objeto, em vez de Cristo.

 

Um objeto fora de nós mesmos 

A fé se alimenta de um objeto fora da pessoa, o qual é a verdade – o precioso Cristo de Deus, que satisfaz plena, profunda e infinitamente, enquanto a incredulidade busca um objeto para a satisfação própria dentro, que se trata de misticismo, ou algo no homem que o faz estar sempre desejando e nunca totalmente satisfeito. Assim, temos um teste pelo qual podemos sempre distinguir entre verdade e misticismo.

 

Lemos em Gálatas sobre “a fé que opera pelo amor” (Gl 5:6 – TB). Permita-me perguntar, o amor de quem? Certamente é o amor que nunca esfria, que é o de Cristo, não o nosso. “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (ARA). O novo homem, vivendo por fé neste Objeto colocado diante dele e que age sobre ele, torna-se a expressão inteligente do amor do qual ele se alimenta, mas no instante em que os olhos têm por objeto qualquer coisa diferente de Cristo para ele, tal como Cristo nele para o seu estado, a fé se torna inativa, porque Cristo, o verdadeiro Objeto da fé, é substituído. Quando um homem se concentra em seu progresso, sua santidade ou seu testemunho (embora estes não possam continuar a menos que Cristo, que forma seu estado, esteja nele), a fé se torna inativa.

 

Um coração purificado 

É-nos dito em Atos 15 que Deus purifica o coração pela fé (v. 9), mas um estado fundado na evidência de qualquer coisa que encontramos em nós mesmos não purifica o coração, pois mesmo aquilo que é operado em nós pelo Espírito Santo, com o qual podemos estar satisfeitos, não é um objeto para a fé. A nova vida não pode viver por si mesma; ela precisa ter um objeto positivo fora de si mesma para sustentar sua própria natureza. Em todo caso envolvendo uma criatura moral, aquilo que é objetivo é a fonte do estado subjetivo. Nosso coração, portanto, está sendo purificado pela fé, que nos conduz ao coração de Deus, contempla Sua revelada “glória de Deus, na face de Jesus Cristo” e se alimenta de seu objeto como sendo seu.

 

Fé, não sentimento 

Em Romanos 10:17 (JND), lemos que “a fé, pois, é por relato, mas o relato pela Palavra de Deus”. É um alívio ser tirado completamente do “eu”, sentimentos e tudo, pois o relato é o testemunho de Deus a respeito de Seu Filho (1 Jo 5:6-12). Não é eu acreditar em algo porque eu sinto, mas acreditar em tudo que Deus diz, porque Deus o disse. Assim, o que Deus é e diz produz, sustenta e energiza a fé. O resultado é confiança divina, pois quando a fé está ativa na alma, ama-se a bondade, não em si mesmo, mas em Outro, e apropria-se daquilo que se ama, a saber, um maravilhoso caráter de bondade em Cristo, que supre a própria carência que se tem dela. A incredulidade, por outro lado, é sempre mística em seu amor à bondade, pois o mal dela é que, embora ame a bondade, ela a ama em si mesma – na criatura, em vez de em Cristo. Por causa disso, nada é apropriado, com os desenhos da fé, de um Objeto exterior, e toda a sua bondade imaginária é apenas uma espécie mais sutil do “eu”.

 

Cristo e o Espírito Santo 

Quão triste é que os santos façam de seu próprio estado seu objeto, em vez de Cristo ministrado a nós pelo Espírito Santo! Alguns amados santos estão buscando, para o “eu”, o que eles chamam de “o ouro prometido a Laodiceia”, alguns buscam ser um testemunho, enquanto outros buscam devoção e santidade para o “eu”, não vendo que o “eu” nunca cruzou e nunca poderá cruzar o Jordão. Quando qualquer coisa, não importa o que seja, se torna um objeto para o “eu”, é um sinal claro de que Cristo nunca foi tomado em vez do “eu”, e assim os santos são envoltos em nuvens de piedade mística, em vez de estarem desfrutando da verdade de Deus.

 

Quão melhor é, como alguém já disse, ter Cristo – andar com Ele e após Ele, ter comunhão com o Pai e o Filho, andar em obediência e humildade não fingidas e permitir que o Espírito de Deus nos forme, pela graça, cada vez mais à imagem d’Ele.

 

H. H. McCarthy, adaptado

 

Fé e Arrependimento

 

O arrependimento deve ser pregado, bem como a remissão dos pecados. A fé deve ser objetiva, é somente objetiva e o caminho da paz e da confiança; o julgamento do meu próprio estado nunca será objetivo, nem deveria ser. Mas a fé nos objetos apresentados – o livre e soberano amor de Deus, e o Salvador e Sua obra – produz um estado subjetivo que a Escritura chama de arrependimento. Isso não é algo preliminar para a fé, mas o fruto dela. Existe o fruto subjetivo. Pode ter havido uma fé na Pessoa e nas palavras de Cristo que tenha operado uma obra na alma antes que um evangelho livre pudesse ser ouvido; ela pode ter operado tristeza e julgamento e ter deixado a alma cansada e sobrecarregada. Então, um evangelho livre produzirá gozo exterior. Uma obra subjetiva profunda é uma coisa feliz e abençoada produzida pelo evangelho. Não é pela obra do homem em si mesmo que ele se prepara para ela.

 

J. N. Darby (Collected Writings, 10:217)

 

O Mistério da Divindade

 

Entendemos que a palavra “Mistério” implica algo que a mente do homem nunca poderia ter entendido, exceto por revelação. “Grande é o Mistério da piedade: Deus Se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória” (1 Tm 3:16 – ACF). Todos os vãos sistemas da filosofia e da idolatria provam que o homem, por mais que tenha buscado, não conseguiu descobrir Deus. Tudo era mistério com relação a Deus. Esse versículo contém um esboço dessa maravilhosa revelação para nós. O Mistério é revelado em Deus manifesto em carne, em nossa exata forma e semelhança. Deus não é para nós um mistério que precisa ser revelado. Ele foi manifesto diante de nós no Homem, o Santo de Deus; justificado; selado pelo Espírito Santo como Aquele que é sem pecado no meio de todo o pecado e trevas. Deus foi então visto, ou feito visível, aos anjos, não meramente como o Jeová de Israel, mas Deus revelado e pregado ao mundo – os gentios. Assim revelado, Deus foi crido no mundo e, como Homem, recebido em glória. Todo o caráter de Deus também é visto visivelmente no Filho. Com santa reverência, lembremos que aquele que viu o Filho viu também o Pai.

 

Things New and Old, 26:196

 

Humilde e Bom 

 

O místico se humilha porque ainda espera encontrar o bem dentro de si, ou se ocupa com isso, como se fosse possível haver algum, e só encontra o mal. O Cristão é humilde (e isso é uma coisa completamente diferente), porque desistiu de procurar o bem dentro de si para adorar Aquele em Quem não há outra coisa senão o bem.

 

J. N. Darby

 

Sem Presunção

 

Quanto à carne, posso, pela graça, declarar que já morri, e sou chamado a me considerar de agora em diante e para sempre morto. O misticismo é um esforço para se tornar morto dentro de si, e soa bem, mas a graça me concede o título de Cristo para crer no poder de Sua morte por mim e da minha morte n'Ele, para que, sem presunção, eu me considere morto para o pecado, mas vivo para Deus em Cristo Jesus.

 

W. Kelly

 

Nenhum Bem nas Criaturas

 

Ó Senhor, queremos nos deleitar em Ti,

E do Teu cuidado depender;

Para Ti em toda dificuldade correr,

Nosso Amigo seguro e infalível.

 

Quando todas as cisternas humanas estão secas,

Tua plenitude é a mesma;

Que possamos disso nos satisfazer,

E nos gloriar em Teu nome.

 

Nenhum bem nas criaturas se pode achar;

Tudo, tudo é encontrado em Ti;

Devemos ter tudo e abundar,

Por meio de Tua suficiência.

 

Tu que fizeste seguro o nosso céu,

Proverá aqui todo o bem;

Se Cristo é rico, podemos ser pobres?

Cristo que morreu por nós!

 

Ryland, Hinário Little Flock, 243

 

“Porque somos feitura Sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”

Efésios 2:10

 

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